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A vida como uma conversa entre amigos

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Por Cláudia Ayumi Enabe   A conversa é uma estrutura nevrálgica para os romances de Sally Rooney. Em Pessoas normais (Companhia das Letras, 2021), os acontecimentos ganham significância na experiência de troca entre Marianne e Connell, em uma espécie de conversa ininterrupta que se estende pela vida dos personagens, tanto nos encontros quantos nos instantes de desencontros. Mais do que o diálogo, é a situação conversacional que costura o discurso a entrelaçar essas duas vidas. Isso significa não somente as palavras e as ideias, mas também as hesitações, os segredos, os não-ditos e as mentiras integram a conversação como uma complexa prática de linguagem, na qual os silêncios constituem a densidade desse instante de confluência com o outro. Em uma “conversa entre amigos”, a confissão é um risco, deliberado ou não, mas inevitável. Talvez a conversa entre amigos seja ainda o único espaço em que essa troca de experiências ainda se preserve, em um movimento também de profunda humanida...

Fronteira — introspecção encontra uma casa

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Por Bruno Botto A obra de Cornélio Penna ficou um tempo fora de edição, era mais um dos autores que virava tesouro de sebos com edições carcomidas pelo tempo. Em meados de 2021, a editora Faria e Silva reeditou toda a sua obra, oferecendo outra uma vez a oportunidade de o público conhecer esse autor pouco conhecido.   Nascido em 1896, Cornélio era natural de Petrópolis, estudou direito em São Paulo e tinha fortes raízes familiares na zona da mata mineira. Durante a década de 20, começou a sua carreira como artista plástico no Rio, onde realizou a sua primeira exposição e trabalhou como ilustrador, gravador, desenhista e jornalista para algumas revistas. Em 1930 começa a segunda fase da vida artística de Cornélio, deixa as artes plásticas e escreve o seu primeiro romance, Fronteira , lançado em 1935.    A década de 30 também era a segunda fase do modernismo brasileiro predominado pelos romances regionalistas. Literatos de todo Brasil começam a construir suas histórias com ...

Os Fabelmans: a vida no cinema de Steven Spielberg

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Por Alonso Díaz de la Vega   Os tabloides já se pronunciaram: segundo entrevistas feitas pelo New York Post , Steven Spielberg não teve uma namorada obcecada por Cristo durante o ensino médio, apesar do que conta em Os Fabelmans (2022). A informação pode ser anedótica ou mesmo errada, mas esse suposto conhecimento tira um peso de nossos ombros: não é necessário ou particularmente importante entender o filme — baseado na infância e adolescência do diretor mais popular de todos os tempos — como uma autobiografia para contrastar com a realidade, mas como uma construção do que foi sua vida, ou melhor, do que Spielberg gostaria que fosse. O melodrama abundante ou a transformação do nome Steven Spielberg no personagem de Sammy Fabelman deveria ter sido suficiente para evitar a confusão com a realidade, mas se o Post teve a ideia de conferir os acontecimentos narrados no filme, pode ser em parte porque a natureza do cinema — o engano — triunfou sobre a percepção.   Em seu documen...

No Brasil, ninguém lê Pagu!

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Por Renildo Rene Registros fotográficos de Pagu descobertos em dossiês da polícia francesa revelados pela escritora Adriana Armony.   Exatamente 100 anos depois da Semana de Arte Moderna me dirijo à biblioteca da minha universidade, procuro por um exemplar de Parque Industrial e acho somente um único exemplar. Ele está em ruínas, despedaçado e segundo consta minhas pesquisas é uma edição particular de 1933, quase centenária que nem a semana. Não observo nenhum cuidado para que sequer a obra seja enviada para o acervo especial de preservação.¹   A verdade é que com o centenário do pontapé inicial do modernismo brasileiro, estou estudando os desdobramentos desse movimento e suas vertentes nos anos posteriores; a disciplina é Literatura Brasileira e junto com a docente e a turma, me debruço sobre as linguagens transformadoras dos Andrades — o Oswald e o Mário —, os romances ditos engajados no decênio de 1930 e todo aquele cenário efervescente que movimentava o país no século XX...

Todos os santos, de Adriana Lisboa

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Por Gabriella Kelmer Talvez seja lugar-comum introduzir um romance da escritora Adriana Lisboa pontuando sua prosa de alto teor lírico, em que encadeamentos simbólicos dão força motriz às narrativas, e ainda assim é preciso fazê-lo. Enquanto leitora, persiste, em mim, na leitura de suas obras, a impressão latente de uma compreensão a ser obtida na junção e repetição de imagens e afetos; de segredos que persistem nas dobras da linguagem, apenas ligeiramente fora de alcance. A borboleta sobre a pedreira de Sinfonia em branco , a sensação à beira-mar no Rio de Janeiro em Azul corvo , os corpos d’água de diferentes continentes de Todos os santos : de repente, uma coisa esbarra em outra, em um outro momento, e os espaços, perdas e traumas subitamente se interligam, indicando concatenações que sugerem menos a unicidade das diversas temáticas abordadas do que o árduo trabalho interpretativo de narradores sensíveis e ordenadores.   Todos os santos , lançado em 2019, é o romance mais recent...

Boletim Letras 360º #524

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DO EDITOR   1. Duas novidades para abrir a edição 521 do Boletim Letras 360º: na semana seguinte, você conhecerá os quatro novos colunistas que enriquecerão os nossos trabalhos; e no dia 7 de março, o nome dos dois ganhadores do sorteio entre os apoiadores do Letras .   2. Para o sorteio, você pode enviar sua inscrição. Disponibilizamos Lições , de Ian McEwan (Companhia das Letras) e Aniquilar , de Michel Houellebecq (Alfaguara). Para registrar seu apoio é simples. Basta enviar a partir de R$20 através do PIX blogletras@yahoo.com.br e em seguida fornecer o comprovante por este mesmo endereço de e-mail. Se quiser outros detalhes, acesse aqui .   3. Outra forma de apoio a este projeto é a aquisição de qualquer um dos livros apresentados pelos links ofertados neste Boletim ou mesmo qualquer produto que você adquirir online usando este link .     4. Um rico fim de semana para todos nós! Gertrude Stein. Foto: Man Ray.   LANÇAMENTOS   Chega ao Brasil o lo...