Postagens

Tamanho é documento

Imagem
Por Guilherme Mazzafera Ilustração: João Fazenda.   Há algo que se perde em qualquer tipo de padronização, mesmo as aparentemente necessárias e menos belicosas. Tomemos a escolha de uma fonte tipográfica para uma coleção de livros. O estilo de um autor por certo transcende a letra impressa no papel, mas ele igualmente se dá através dela. Cada autor, é certo, merece sua própria fonte — e o fascínio por manuscritos, quando ainda os havia, deve-se muito à desumanização da firma autoral pela planificação tipográfica dos séculos posteriores. Mais do que isso, não seria de todo descabido pensar que tal fonte poderia ser vendida junto com os direitos autorais de uma obra, que só poderia ser comercializada se respeitasse esta demanda — naturalmente, seria algo bastante trabalhoso adaptá-la para outros alfabetos e sistemas de escrita, mas ainda acho que o autor deveria ser capaz de escolher sua aparência textual nas mais diversas traduções. A fonte, como seria de esperar, deveria ser propr...

Boletim Letras 360º #529

Imagem
DO EDITOR   1. Olá, leitores, os mais assíduos neste espaço já podem ter visto que iniciamos um novo trabalho de restauração e revisão visual do blog, um ano depois da última grande reforma que realizamos. É o cuidado para rumar ao aniversário de 20 anos. Ainda está um pouco distante, mas quatro anos é pouca coisa.   2. O blog, lembramos, conta com a sua ajuda para o custeio das despesas mínimas de domínio e hospedagem. Conheça todas as formas de colaborar, aqui .   3. Entre essas formas, está a aquisição de qualquer um dos livros apresentados neste Boletim pelos links nele ofertados ou mesmo qualquer produto adquirido online usando este link .     4. Esperamos que o feriado tenha sido ótimo e desejamos um rico final de semana! Hilda Hilst. Foto: Eduardo Simões.   LANÇAMENTOS   Dois novos volumes do Teatro Completo de Hilda Hilst .   1. O terceiro volume do seu Teatro Completo reúne duas peças: O rato no muro , de 1967; e O auto da barca de Cami...

Um antídoto contra a solidão, de David Forster Wallace

Imagem
Por Bruno Botto Livros de entrevistas podem ser mais sinceros e verdadeiros do que uma biografia. No jogo jornalístico de perguntas e respostas as coisas são o que são. Claro, é curioso ver a figura do escritor recluso ser colocada na prova de fogo de responder sobre sua vida, rotina de trabalho, sua arte e o que pensa do mundo. Normalmente, essas formalidades não passam de um pequeno compromisso editorial, publicitário ou matar a fome de curiosidade de alguns leitores. Entrevistas significam muito para o jornalista e o veículo, mas talvez o escritor, esqueça das perguntas ou suas respostas no momento que tudo acaba.     Claro, Truman Capote e Tom Wolfe organizaram coisas impressionantes no jornalismo literário, matérias e reportagens que mudaram o jeito de escrita e a concepção de matérias e reportagens. Se a gente for levar para a grande mídia televisiva, as entrevistas exclusivas de Oprah Winfrey devem ter milhões de views no YouTube. Existe a herança do sensacionalismo, ...

O pai da menina morta, de Tiago Ferro

Imagem
Por Renildo Rene Tiago Ferro. Foto: Mira Cervino   Escrever sobre Tiago Ferro é poder escrever sobre a questão da forma no romance contemporâneo brasileiro: são vários os caminhos para entender a correspondência da estrutura com o tema, e cada escritor parece oferecer um norte para isso. E no centro dessa ideia, um sentido claro: é preciso ter o olhar crítico sobre os nossos escritores, sobre o que eles nos dizem sobre sua escrita e, principalmente, sobre suas narrativas. Neste caso, a resposta de Tiago Ferro parece mais congruente diante do que ele nos apresenta em seu primeiro lançamento. Sua concepção literária de luto perpassa pelo narrador e pelo estilo fragmentado — pensados em conjunto para o romance.   O sentido humano dado ao narrador de O pai da menina morta é uma das razões pelas quais o livro se torna atraente a cada leitura, e porque devemos nos lembrar dele como um exercício exemplar de escrita que pode desestabilizar o leitor do lugar-comum. Essa mais nova cur...

Argentina, 1985: um homem contra o sistema

Imagem
Por Ana Laura Pérez Flores As pesquisas conduzidas por historiadores partem de um esforço, amplamente documentado em diversas fontes, para apreender e interpretação um tempo passado. Já no cinema, a construção de uma narrativa histórica faz com que se percam as nuances em favor da síntese; além disso, a forma como a história é contada fala do momento e da posição a partir da qual essa história é construída. Isto adquire uma dimensão a mais se nos referirmos aos episódios de uma história recente em que entram em jogo emoções e interesses que continuam vigentes, bem como consequências sociais e políticas que alcançam o presente e se mostram na vida cotidiana de forma mais ou menos evidente. Argentina, 1985 (2022) enfrenta esse dilema ao extrair um caso exemplar para a América do Sul e abordá-lo com recursos narrativos — clássicos e eficazes — para entregar uma história comercial e simplificada, sim, mas também esperançosa.   Dirigido por Santiago Mitre com roteiro dele e de Mariano...

O universo de Bruno Schulz

Imagem
Por Sergio Pitol Bruno Schulz, Autorretrato , 1920. Arquivo: Museu Nacional da Cracóvia.   No panorama da literatura polonesa de vanguarda, que decorreu no período entre as duas grandes guerras, destacam-se três figuras insólitas, totalmente diferentes entre si, cuja obra começa a ser devidamente apreciada apenas nos últimos anos. São eles: Stanisław Ignacy Witkiewicz, Witold Gombrowicz e Bruno Schulz. A obra desses três “excêntricos”, repleta de aparentes jogos, paródias, caricaturas, exageros levados à última instância, oferece-nos a mais rica fonte de ideias de todo aquele período. Antecipando-se em um quarto de século à literatura francesa, inglesa e norte-americana do absurdo, eles nos oferecem um antegozo do trágico absurdo em que o homem real se veria submerso alguns anos depois. O terror diante de um mundo que vai transformar o homem em coisa e, como coisa, em algo incapaz de sentimentos, alheio às ideias, radicalmente negado ao fantástico e à poesia e ao intelectual —...