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Uma pequena observação sobre os romances de Rubem Fonseca

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Por Bruno Botto Rubem Fonseca. Foto: Fernando Pimentel. Arquivo revista Veja.   Os romances históricos de Rubem Fonseca (1925-2020) tinham o costume de voltar no tempo e nos ensinar algo. Claro, a função do romance histórico por natureza pode ser educacional ou até mesmo beirar a ficção especulativa. Por ser um autor recluso e de poucas palavras sobre os seus livros, fica difícil realmente reconhecer o que significavam os recortes temporais escolhidos pelo escritor brasileiro para contar em determinado livro. Mas juntando os cacos sobre a vida do autor, a breve história de nosso país e como a literatura pode ser moldável, ofereço aqui uma análise compreendendo três de seus romances históricos: Agosto , O selvagem da ópera e José .     Agosto foi lançado em 1990 e talvez seja o romance mais celebrado do autor. No livro, somos transportados para a ebulição política deste mês de 1954: Getúlio Vargas está vacilante no seu cargo e o destino do país se divide entre getu...

Mánasteinn, o menino que nunca existiu, de Sjón

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Por Pedro Fernandes Sjón. Foto: Dagur Gunnarsson   Tornou-se comum dizer da ausência de personagens na literatura capazes de permanecer conosco como figuras que rompem o limite da ficção e passam ao nosso convívio como as nossas criaturas de carne e osso. Sjón contraria o que parece se afirmar como uma recorrência e nos oferece uma dessas criaturas: Máni Steinn.   É caso ardilosamente pensado, como é sempre na arte. O jogo ficcional disposto pelo romance com essa figura começa desde um título que a princípio registra o que parece uma versão oralizada do nome próprio do protagonista: Mánasteinn . Entre uma forma e outra, o romancista desvincula sua personagem de uma condição material transformando-a em matéria simbólica. Não é, portanto, apenas uma criatura que se distingue no plano narrativo pela ação. Sua natureza a insere no plano das significações.   Sendo o islandês em relação ao português uma língua perfeitamente integrada à lista daquelas complexidades que só uns m...

Picasso no cinema: dois mistérios

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Por Fernanda Solórzano Le Mystère Picasso . Henri-Georges Clouzot (1956)   Com alguma suspeita, mas derrotados pelas evidências, vários historiadores e acadêmicos aceitaram que os filmes do gênero histórico têm um alcance e impacto muito maiores do que os livros. (Estes últimos, mais rigorosos e livres da exigência de agradar ao público, algo que se impõe ao cinema de grandes orçamentos.) Um dos impulsionadores da ideia de que, em vez de ignorá-los, os especialistas deveriam dialogar com os filmes sobre acontecimentos passados ​​— e, se necessário, apontar suas imprecisões — foi o historiador Robert A. Rosenstone, que em 1989 criou uma seção de filmes na American Historical Review , que editou por cinco anos. Num texto intitulado “The historical film as real History” ( Film Historia , v.5 n.1, 1995) Rosenstone reflete sobre sua experiência como editor daquela seção e chega a uma conclusão contundente: o único cinema histórico que vale a pena levar em conta é aquele que dá ao espect...

Antonin Artaud: entre a arte e a loucura

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Por Ricardo Marín Antonin Artaud. Foto: Man Ray.   “Toda escrita é porcaria”, expressou Antonin Artaud em “O pesa-nervos”, um texto singular de prosa poética, um híbrido central para a obra de Artaud, em que a conformidade com um estilo único não é suficiente. Como bem pode revelar a citação inicial, o conformismo em geral não agrada a Artaud, um referente vanguardista do século XX dedicado à escrita, ao pensamento e às artes, conceitos que detestava na sua forma convencional, apesar de se dedicar a eles. Esta perturbação não é gratuita, uma vida de saúde mental instável, agravada por intensas dores de cabeça ao longo da vida, bem como a dependência de vários entorpecentes e drogas, fizeram dele uma figura atormentada que, curiosamente, se tornou um fiel reflexo do século em transição.   Para falar de Antonin Artaud, é importante mencionar — mesmo antes de contextualizar — que suas maiores aproximações não são por meio de sua obra, mas por meio de suas ideias e, principalment...

Adeus, meu autor!: uma despedida para Kenzaburo Oe

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Por Cláudia Ayumi Enabe Kenzaburo Oe. Foto: Jeremie Souteyrat. Ainda há muito a ser escrito sobre Kenzaburo Oe (1925-2023), ainda mais por leitores e críticos brasileiros que se disponham a recepcionar e interpretar o nexo entre a escrita política e a autobiografia, tão cuidadosamente articulado pelo escritor que transformou a “questão pessoal” ( Uma questão pessoal , 1964) em uma imagem de expectativas que devem ser reinventadas para se imaginar novos tempos ( Jovens de um novo tempo, despertai! , 1983). Pouco antes do anúncio de falecimento, a Estação Liberdade divulgava o lançamento de Adeus, meu livro! , romance que compõe uma espécie de trilogia, formada também por A substituição ou as regras do Tagame (2000) e Morte na água (2009).   A mensagem que se sugere por essa dupla despedida não poderia ser mais adequada a Oe: o escritor, ao se despedir do livro, também parte, restando ao leitor dialogar internamente com as ressonâncias da obra, tal qual Kogito Choko, alter ego de...

Boletim Letras 360º #530

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    DO EDITOR   1. Olá, leitores, e as leituras estão em dia? Antes de levá-los às notícias reunidas neste Boletim, queremos agradecê-los pelas ajudas (independente das formas) com o nosso trabalho.   2. Em seguida lembrar que essa ajuda é fundamental para o custeio das despesas mínimas de domínio e hospedagem do Letras online. Se ainda não enviou sua ajuda, fica o convite. Conheça todas as formas de colaborar por aqui .   3. E, claro, entre essas formas de ajuda, está a aquisição de qualquer um dos livros apresentados neste Boletim pelos links nele ofertados ou mesmo qualquer produto adquirido online usando este link .     4. Despedimos deixando os votos de um excelente final de semana com algum descanso e boas leituras. Lúcio Cardoso. Foto: Arquivo Nacional.   LANÇAMENTOS   Dois volumes reapresentam em edição ampliada e revisada os diários de Lúcio Cardoso .   1. “Penso nos outros, nos amigos que nunca tive, naqueles a quem eu gos...