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Paris, Texas: homem livre, cavalheiro da noite

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Por Beatriz Eduarte “Enquanto fazia Paris, Texas foi quando senti uma espécie de revelação. Percebi que a história é como um rio e que se alguém ousasse navegar por ele e confiasse no rio, o barco seria arrastado para algo mágico. Até então, sempre havia lutado contra a corrente. Eu tinha ficado num pequeno charco à beira do rio, porque me faltava confiança. Nesse filme em particular, percebi que as histórias estão aí, que existem sem nós. Na verdade, não há necessidade de criá-las, porque o homem as traz à vida. Basta deixar-se levar”, responde Wim Wenders a Laurent Tirard em Grandes diretores de cinema (Nova Fronteira, 2006).¹ No filme de Wenders e roteiro de Sam Shepard, rodado há quarenta anos, esse rio se transforma em uma paisagem desértica, árida e vasta, onde a única coisa que não varia ou muda é o horizonte, sempre presente. Embora Walt (Dean Stockwell) garanta a Travis (Harry Dean Stanton) que não há nada ali, o espectador sabe que ele está equivocado. Sim existe. Há um ros...

O termo “boom feminino” é inadequado e insuficiente

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Por Adriana Pacheco Roldán Ilustração: Liuna Virardi   No início do ano chegou a feliz notícia de que Pink Slim , a tradução de Heather Cleary para Gosma rosa , livro da escritora uruguaia Fernanda Trías, foi uma das vencedoras do PEN Translates Award. Esse reconhecimento repercutiu junto com outra grande novidade que fechou o ano de 2022: o National Book Award por Fever dream , tradução de Megan MacDowell do livro da escritora argentina Samanta Schweblin Sete casas vazias .¹   Essas escritoras e suas tradutores são exemplos do importante momento que vive a literatura graças à presença cada vez mais notória de escritoras de diferentes países de língua espanhola, que conquistam importantes prêmios e impactam um grande público leitor com a originalidade de seus temas e seu talento . Nomes como Guadalupe Nettel, Cristina Rivera Garza, Mariana Enríquez, Ariana Harwicz, Mónica Ojeda, Fernanda Melchor, Lina Meruane ou María Fernanda Ampuero fazem parte de um universo que se expande ...

A segunda morte, de Roberto Taddei

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Por Gabriella Kelmer    Roberto Taddei. Foto: Arquivo do autor. Uma menção ao conto “Wakefield”, de Hawthorne, introduz as páginas do romance mais recente de Roberto Taddei,  A segunda morte . Na narrativa curta do norte-americano, Wakefield, homem de meia idade e poucas características que o recomendem acima dos demais, planeja uma viagem de uma semana, sem propósito nem destino. Ao invés de sair de Londres, ele aluga um apartamento na rua paralela à sua e decide, por vaidade e curiosidade, além de uma certa inclinação ao humor sardônico, observar como a casa e a esposa se reorganizam sem a sua presença. Durante os vinte anos seguintes, seguindo um capricho que o faz adiar de forma consistente o retorno, vive sozinho, como sombra de si mesmo, e acompanha de longe a vida familiar. Um certo dia, no vigésimo ano, num supetão tão despropositado quanto a motivação para o abandono primeiro, ele retorna à sua casa e reassume a identidade ora posta de lado.   A aproximação ...

Boletim Letras 360º #537

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Sylvia Plath no topo da Torre dell'Orologio, Veneza, 1956. Arquivo Faber Books LANÇAMENTOS   A Biblioteca Azul publica uma edição especial ilustrada de A redoma de vidro.   Único romance escrito por Sylvia Plath, publicado em 1963, A redoma de vidro retorna em uma edição especial. Em capa dura, com nova tradução assinada por Ana Guadalupe e ilustrações em giz pastel da artista francesa Beya Rebaï, esta edição celebra uma das obras mais importantes do século XX e um grande marco da literatura feminista. O livro conta a história de Esther Greenwood, uma jovem estudante universitária e aspirante a escritora. Nascida no subúrbio, ela se muda para Nova York para estagiar em uma prestigiada revista de moda, onde a pressão pelo sucesso e a sensação de distanciamento em relação às demais pessoas a faz desenvolver um quadro sério de depressão e ansiedade. A obra reflete a batalha da própria autora contra a depressão e a bipolaridade, que acabou culminado no seu suicídio um mês depois...

Zila Mamede, toda poesia

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Por Pedro Fernandes Zila Mamede. Arquivo particular.   Zila Mamede está entre os principais nomes da poesia brasileira pós-45 e esta não é a primeira vez que se escreve esta constatação. A lista é generosa. Manuel Bandeira, Câmara Cascudo, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Nei Leandro de Castro, José Mindlin, cada um sublinhou à sua maneira o valor e a importância da obra da poeta nascida na Paraíba e fixada no Rio Grande do Norte desde os seis anos de idade. Os nomes e a atitude reiterativa nem são necessários porque a melhor prova encontra-se, evidentemente, nos seis livros de poesia que escreveu: Rosa de pedra (1953); Salinas (1958); O arado (1959); Exercício da palavra (1975); Corpo a corpo (1978) e A herança (1984).   Com “Corpo a corpo”, Zila Mamede fez o primeiro e único balanço de sua literatura — dada sua morte abrupta sete anos adiante. Chamou de Navegos . Uma pequena biblioteca construída com a unidade fruto do trabalho sério e o cioso esme...

Steiner no castelo: perplexidades da pós-cultura

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Por Ronaldo González Barba Azul Judith, Judith, não era tudo mais alegre no castelo do teu pai com rosas nas janelas, com a luz do sol pelos salões?   Judith Nunca, jamais, amadíssimo Barba Azul! Nunca voltarei a desejar a luz do dia. As rosas, a claridade do sol, nada, nada… O crepúsculo oculta tudo. Apenas consigo ver em teu castelo. Tudo é escuridão. Oh, triste Barba Azul, triste e infeliz.   — Fragmento da ópera O castelo do Barba Azul , de Béla Bartók, libreto de Béla Balázs George Steiner. Foto: Leonardo Cendamo.     A mulher apenas entrou onde mora o duque seu amado. Pergunta pela escuridão, resigna-se a ela e decide abandonar seu mundo de luz e claridade. Ao final da ópera de Béla Bartók, Judith pede ao Barba Azul a chave da sétima porta do castelo apenas para ficar cativa do manto de estrelas e do diadema da noite. Judith, arquétipo da mulher, não pode redimir Barba Azul, arquétipo do homem. No fim não resta nada mais que desolação, trevas, noite para os doi...