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Borges e Hemingway, tão distantes e tão próximos, um século depois

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Por Cristian Vázquez Se nos propuséssemos a determinar quais foram os dois escritores famosos mais diferentes, e mesmo diametralmente opostos, do século XX, a dupla formada por Jorge Luis Borges e Ernest Hemingway seria uma forte candidata a conquistar esse título. Para o argentino, que imaginou o paraíso “como uma espécie de uma biblioteca”, é difícil para nós pensarmo-lo em qualquer lugar onde não esteja rodeado de livros, absorto em suas divagações cegas sobre labirintos, espelhos, tempo, eternidade. Já o estadunidense se encarregou de construir ao longo da vida uma imagem de machão, boxeador, correspondente de guerra, aventureiro, caçador... a tal ponto que se poderia perguntar: quando esse homem ativo conseguia ler?   No entanto, para além dessas descrições, fotos ou postais fixados mais típicos dos artigos enciclopédicos, o fato é que as biografias de Borges e Hemingway têm muito mais elementos em comum do que se poderia supor à primeira vista. E não só porque foram dois dos ...

O “realismo real” em Olhos D'água, de Conceição Evaristo

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Por Guilherme França Conceição Evaristo. Foto: Lucas Seixas.   Antes de justificar o pleonasmo do título, cabe explicá-lo ao leitor. Pois bem. Existem livros que frequentemente constam na categoria de obras denominadas realistas, entretanto, embora alguns acadêmicos tragam consigo uma lista de características objetivas que tornam uma obra realista ou não, sou daqueles que sempre compreendeu o núcleo essencial do realismo de uma forma mais pura e perceptível, ou seja, como aquilo que descreve a realidade. Do contrário, no caso de uma obra possuir todos os elementos objetivos/formais do realismo, mas nela existir pouco ou nada de efetivamente real, é de se questionar se ela pode figurar ao lado de obras que o fazem com tanta maestria.   Alguém poderia questionar: mas se uma obra contém os elementos formais do realismo, como não será realista? Bom, podemos pensar na obra (e agora fazendo uso da tal lista dos acadêmicos) em que o autor traga uma descrição minuciosa dos cenários, ...

Boletim Letras 360º #541

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Ariano Suassuna, Teixeira, Paraíba, 1978. Acervo da família Suassuna. LANÇAMENTOS   Indispensável para o universo mitopoético de Ariano Suassuna, caixa reúne um inédito do escritor.   A História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão , ou, mais simplesmente, O Rei Degolado , dá sequência à narrativa de Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, o Quaderna, personagem-narrador de A Pedra do Reino . Quaderna, no segundo depoimento ao Juiz Corregedor, conta a sua infância no sertão da Paraíba, apresentando, de forma mais detalhada, personagens que já haviam aparecido em A Pedra do Reino e foram fundamentais na sua formação. Aprofunda, ainda, a dimensão mítica do seu relato, investindo na criação de uma mitologia brasileira, sobretudo a partir dos mitos de origem indígena e africana. Com fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior, e ricamente ilustrada por Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano, a obra é composta por dois volumes, dos quais o segundo encontrava-se, até o prese...

Vida de Szymborska

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Por Juan Malpartida Wisława Szymborska. Foto: Judyta Papp Wisława Szymborska (1923-2012) pertence a uma geração de poetas poloneses com nomes como Czesław Miłosz, Zbigniew Herbert, Tadeusz Różewicz ou Stanisław Grochowiak. Para entender a cultura literária que antecede e dá origem ao mundo em que Szymborska se formou, o erudito e memorável livro de Aleksander Wat (1900-1967) O meu século é extremamente útil. A este devemos acrescentar pelo menos O pensamento e Outra Europa , de Miłosz.   Anna Bikont e Joanna Szczęsna, em Quinquilharias e recordações. Biografia de Wisława Szymborska produziu um trabalho detalhado sobre a vida desta grande poeta. Não apenas investigaram suas publicações e documentos de arquivo, mas também pediram testemunhos de amigos e conhecidos de Szymborska e dela mesma. O melhor da obra tem a ver com a proximidade com a autora, além de uma pesquisa que, embora ainda incompleta, é notável. O pior, a falta de contraste e avaliação do personagem. As autoras são...

Orhan Pamuk: a escrita oral

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Por Alberto Hernando Orhan Pamuk. Foto:  Alvaro Canovas Desde quando, em 2002, Orhan Pamuk recebeu por  Meu nome é vermelho (1998) o Prêmio de Melhor Livro Estrangeiro na França, o Grinzane Cavour na Itália e o International Impac em Dublin, a projeção internacional de sua figura e obra foi crescendo. Três anos mais tarde, um acontecimento alheio à literatura fez dele figura mediática: foi julgado na Turquia, acusado de insultar o Estado por algumas das suas declarações no jornal suíço Tages-Anzeiger , onde afirmava que negar a morte de um milhão de armênios e cerca de trinta mil curdos, perpetrada no início do século XX, constituía uma ferida aberta e um tabu injustificável para a sociedade turca.  No último caso, felizmente, ajudado pela pressão da imprensa ocidental, após ouvir o processo judicial, Pamuk seria absolvido (assim como Elif Shafak, também processada por motivos semelhantes). A perseguição política ao escritor turco — onde coincidiam militares laicos, fund...

Império da luz: a ciência e o sonho

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Por Cristina Aparicio Todo filme cobra uma escolha. Diante da (assim espero, grande) tela, o público sempre escolhe entre a magia ou o artifício. Porque o cinema, mais do que qualquer outra arte, exige certo pacto sagrado, aquele que se faz com a ficção e que é responsável por dotar de verdade a construção de múltiplos universos. É por isso que, ao ocupar a poltrona, convivem no espectador dois estados mentais que lutam para prevalecer um sobre o outro: a vontade analítica de decifrar as complexidades científico-tecnológicas do cinematógrafo, ou a imperiosa necessidade de se deixar fascinar pela narrativa fílmica. Aqui, por que esconder, defendemos fortemente o último. E é que seria absurdo negar os esforços técnicos que tornam possível a existência da sétima arte, e mesmo assim... o como importa diante de tamanha maravilha? Porque, além disso, atentemos para o fato de que o cinema também é fruto de um erro: aquele que causa o fenômeno phi que o projecionista de Império da luz (Toby ...