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Boletim Letras 360º #544

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William Carlos Williams. Foto: Arquivo Hulton LANÇAMENTOS Pela primeira vez no Brasil, Paterson , de William Carlos Williams. Livro sai pelo Clube de Poemas e em seguida fica disponível para os demais leitores .   Depois de uma vida inteira dedicada a inventar um idioma radical em que predominam a justeza e a beleza, William Carlos Williams decide escrever Paterson , sua obra-prima, história, ao mesmo tempo, de um homem, de uma cidade, de um país e de uma cultura com todas suas tensões e contradições. Monumento poético da literatura norte-americana do século XX, Paterson é um longo poema que combina verso, prosa, arquivo, corte, montagem e um lirismo de objetividade cativante. Nele, a poesia do alto modernismo em língua inglesa encontra um registro que a tudo deseja abarcar. Paterson foi escrito ao longo dos anos de 1940 e 1950 e sua versão integral só foi publicada postumamente, em 1963. Desde então, o poema tem feito a cabeça de várias gerações e artistas, entre eles, Jim Jarmu...

Trair Franz Kafka, o escritor que se adiantou ao seu tempo

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Por Sofía Viramontes Franz Kafka e o irmão mais novo do amigo Max Brod, Otto, no Castel Toblino, perto de Trento, na Itália.   Franz Kafka queria que suas obras fossem queimadas quando ele morresse. Mas ele foi traído por seu melhor amigo, Max Brod, que lhe deu uma fama póstuma não solicitada com a publicação de suas 3.850 páginas manuscritas que estavam guardadas em seu escritório.   O escritor tcheco, nascido em Praga em 3 de julho de 1883, era um obsessivo absoluto, um perfeccionista irremediável, neurótico, compulsivo, torturado por seu passado, inseguro e grandioso. Seus achaques e tormentos lhe permitiram construir um movimento literário e algumas das leituras mais importantes da história.   Kafka tinha um grupo de amigos íntimos — entre eles Brod, o traidor —, e discutia com eles os seus textos, mas não tinha confiança para publicá-los. Podia terminar uma narrativa numa noite, como fez com O veredito (1913), escrito das dez da noite às sete da manhã, mas sofria d...

Contos inéditos de Proust

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Por Christopher Domínguez Michael   Há obras depositadas em baús que, mais que fundo duplo, parecem não o ter, como as de Roberto Bolaño, Fernando Pessoa e, em menor escala, Marcel Proust. Passam-se os anos e as décadas enquanto coisas novas continuam a aparecer. Algumas são verdadeiras surpresas, outras rascunhos cuja preservação se deve ao imperdoável descuido de seus autores, que teriam morrido de novo ao ver esboços enganosos dados à publicidade, e outras ainda vêm simplesmente para enriquecer a paixão filológica de indexadores, estudiosos e arquivistas. A esta última parte pertencem a graça dos contos de Proust resgatados por Luc Fraisse — Le Mystérieux Correspondant et autres nouvelles inédites (Editions de Fallois, Paris, 2019) —, que farão deliciar, inclusive eu, todos aqueles para quem a origem, a essência e o resultado de À procura do tempo perdido é uma das maravilhas do mundo.   É natural que o que Fraisse compilou vale pouco em si mesmo. São exercícios para aqu...

Cecilia

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Por José Larraza Em A rosa púrpura do Cairo (Woody Allen, 1985), Cecilia (Mia Farrow) se refugia diariamente no cinema para escapar de um marido violento e de uma vida odiosa durante os anos da grande depressão americana. Escolhe sonhar e consegue graças ao cinema. O mundo real tem sido um berçário para Cecilias — não necessariamente tão infelizes quanto a personagem — cuja vida não se explica sem uma sala de cinema. Muitas ainda continuam aqui; ninguém iguais a elas reconhece a tristeza destes tempos e a força balsâmica do cinema. Assim foi uma grande parte de sua vida. É que os filmes de hoje não são o que eram, o cinema de antes era outra coisa, não há artistas como aqueles... Muitos de nós crescemos com a mesma cantilena repetida por mães, tias, avós — domina o gênero feminino — e outras Cecilias em potencial cujo maior entretenimento sempre foi devorar filmes; de adolescentes nas lotadas sessões dominicais, jovenzinhas nas exibições paroquiais, equilibradas nos galinheiros, secre...

Stephen Crane e a comunidade leitora

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Por Pablo Medel   Stephen Crane, fotografia de estúdio, Atenas, 1897. Arquivo Universidade Syracuse.   Estamos em Nova York. Final do século XIX. 1890, para ser mais exato. Enquanto no centro de Manhattan estão sendo levantadas as primeiras pedras do que será o majestoso Carnegie Hall, nos bairros do sul as ruas do Bowery afundam cada vez mais na miséria. Pelo local, um garoto desengonçado de 19 anos de Nova Jersey, um tanto rebelde e apaixonado por beisebol, vagueia em busca de histórias. Ele trabalha como redator no New York Tribune por recomendação de um de seus quatorze irmãos. O jovem Stephen Crane acaba de abandonar a escola pela segunda vez, mas desta vez o faz dominado por uma certeza: quer ser escritor.   É mais do que provável que Stephen Crane carregue debaixo do braço uma cópia do novo romance que Émile Zola acaba de publicar. O título, A besta humana , define perfeitamente o movimento literário defendido pelo naturalista francês do outro lado do Atlântico. ...

Três grandes escritores ucranianos de agora (3)

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Por Mercedes Monmany Yuri Andrujovich Foto: Kateryna Lashchykova   Desde o início do século atual, dois escritores do que outrora se chamava Leste Europeu e que hoje são considerados os gênios mais inspirados vindos daquelas latitudes, até bem pouco tempo envoltos nas trevas de uma ignorância extraplanetária (“vindos daquelas regiões nebulosas, daquelas que os manuais e livros raramente falam, cada vez tinha que recomeçar do início; mesmo que seja difícil, ou doloroso, explicar quem sou, é preciso tentar”, dizia com tristeza o grande poeta polonês Czesław Miłosz no início do seu livro Minha Europa ) têm estado entre os mais privilegiados na hora de se difundir através de várias e sempre esplêndidas obras.   Um seria o polonês Andrzej Stasiuk (Varsóvia, 1960) e outro o ucraniano Yuri Andrujovich (Ivano-Frankivsk, 1960). Amigos e cúmplices literários, separados por uma tênue fronteira que outrora os unia, ambos começaram como poetas e se movem como peixes na água, indistintament...