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Para uma pequena história (literária) do nariz

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Por Enrique Héctor González   Era um homem a um nariz pregado, Era um nariz superlativo, Era um nariz túnica, de escriba, Era um peixe espada muito barbado.   — Francisco de Quevedo, A um nariz¹   Ilustração: Julia Soboleva Reinos deste e de outros mundos foram perdidos por um nariz, esses vãos, essa pirâmide, esse obsequioso prisma triangular que emerge supurado do mar do rosto como uma vela perpétua. Asa alerta, vivamente visível em certos rostos regidos pela simetria, esmagada ignomínia dos boxeadores, pequeno beliscão ou salto sutil em belas mulheres de todos os estilos, o nariz é também um objeto literário que tem sido motivo tanto de perversa ridicularização quanto de sinuosa insinuação, já que o humor e o amor tendem a ser forças de substância idêntica e conjunta na prosa literária. A sua ascendência, neste sentido, é quilométrica e qualquer recontagem apressada apenas passará por cima de algumas referências em poemas e romances aleatórios que talvez sirvam para ge...

Oppenheimer: uma explosão atômica diz mais que mil cenas

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Por Alonso Díaz de la Vega Ainda bem que me enganei: Oppenheimer (2023) não é a justificativa sobre a bomba atômica que muitos de nós temíamos, apesar de um medo baseado em pilares firmes. Tendo retratado Batman como um gentil anarcocapitalista que derrotou um movimento insurgente semelhante ao Occupy Wall Street e a evacuação das tropas britânicas de Dunkerque como um triunfo — Dunkerque (2017) foi lançado um ano depois da votação para que o Reino Unido deixasse a União Europeia mediante o Brexit — Christopher Nolan parecia ser o representante cinematográfico do laissez faire , o cineasta que fez uma filmografia da obsessão pela livre iniciativa. Oppenheimer , a história do homem que produziu as primeiras bombas atômicas da história, não contradiz totalmente essa noção, mas se apega tanto à biografia que chega a mostrar os crimes estadunidenses em Hiroshima e Nagasaki como a mensagem do que Washington realmente enviou à União Soviético: o mundo falará inglês.   Christopher Nolan...

Dubravka Ugrešić: uma escritora europeia (do Leste)

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Por Aloma Rodríguez Dubravka Ugrešić. Foto: Steye Raviez   Em As tempestades , 1 o escritor búlgaro Guéorgui Gospodínov imagina que, diante do futuro sombrio que se avizinha, toda a Europa faz um referendo para escolher a década em que viveremos para sempre: se não há futuro, escolhamos qual época do passado gostamos mais. Claro que é a forma mais arrasadora de ridicularizar a nostalgia. O livro inclui um mapa com os resultados do referendo por cada país (a Suíça escolhe o período do referendo). “Os anos noventa continuaram a ser a segunda força mais votada do continente, um sonho de sobra e, em certo sentido, um futuro brilhante para o império dos anos oitenta. Não podiam ser subestimados. Neles a República Tcheca e os três países bálticos entraram de cabeça, ainda embriagados pela independência conquistada em 1989, a Eslovênia e a Croácia também acabaram escolhendo a última década do século XX, com uma cláusula específica: a década deles só entraria em vigor no período subsequen...

Konstantinos Kaváfis: “apenas por essas coisas me adivinharão”

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Por Hector Iván González Konstantinos Kaváfis. Foto: Arquivo Fundação Onassis.   Nos 160 anos do seu nascimento e 90 anos da sua morte, a figura do escritor Konstantinos Kaváfis (Alexandria, Egito, 1863-idem, 1933) vem ganhando relevância por uma obra que condensa individualidade, reflexão filosófica e o homoerotismo. Como Franz Kafka ou Fernando Pessoa, o alexandrino desenvolveu sua poesia quase anônimo e sem ser reconhecido em vida. Chegou a publicar em revistas como Nea Zoí e Grámmata , bem como em alguns zines. Seu primeiro livro apareceu quando ele já tinha mais de quarenta anos (1904) e consistia em apenas catorze poemas; a este sucedeu uma segunda edição à qual se acrescentaram mais sete peças, em 1910. 1   Membro de uma família economicamente desfavorecida, o caçula de seis filhos ganhava o pão com um modesto cargo no Departamento de Águas do Ministério de Obras Públicas. Apesar de ter tido uma educação privilegiada — falava italiano, francês e inglês perfeitamente —,...

Sete poemas de Mary Oliver em “Evidência” (2009)

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    Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões)     Mary Oliver. Foto: Molly Malone Cook   COM UM AGRADECIMENTO AO TICO-TICO, CUJA VOZ É TÃO DELICADA E HUMILDE   Não vivo feliz ou confortável com a esperteza dos nossos tempos. As conversas giram em torno de computadores, as notícias são só sobre bombas e sangue. Esta manhã, nos campos frescos, vim a descobrir um ninho escondido. Continha quatro ovos malhados, quentes. Toquei-os. Então, fui-me embora, delicadamente, sentindo algo mais extraordinário que toda a electricidade de Nova Iorque.           UMA LIÇÃO DE JAMES WRIGHT ¹   Se James Wright pôde colocar no seu livro de poemas uma página em branco   dedicada “Ao Cavalo David Que Comeu Um Dos Meus Poemas”, estou pronta a segui-lo ao longo   do doce caminho que abriu através da aridez e sugerir que agora te sentes   sossegadamente em algum maravilhoso lugar selvagem, e escutes o silêncio.   Digo eu ser isto, t...

Boletim Letras 360º #545

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DO EDITOR   1. Olá, leitores! Venho lembrá-los que estão abertas as inscrições desde o dia 27 de julho para o próximo sorteio a ocorrer em 12 de agosto entre os apoiadores do Letras.     2. Foi em 2022 que com dica e ajuda de vocês qu e fizemos um clube de apoios com a meta de arrecadar fundos para o custeio com as despesas de domínio e hospedagem online do blog.   3. Sortearemos um leitor em agosto para levar dois livros: a nova edição em capa dura de Memórias póstumas de Brás Cubas publicada pela editora Zahar e Passeio ao farol , a nova tradução de um dos principais romances de Virginia Woolf publicada pelo selo Penguin/ Companha das Letras.   4. Para participar é simples. Envia R$20 via PIX e depois o comprovante para blogletras@yahoo.com.br (a nossa chave do PIX é este mesmo e-mail). 5. É isso: fica o convite. Agradecemos a todos que, direta ou indiretamente, têm feito esse caminho conosco. Se quiser saber mais detalhes, podem entrar nesta página ou em c...