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De Afrodite a Vênus: reimaginando o mito da divindade feminina

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Por Giovanni Villavicencio   Ó mãe dos filhos de Enéas; volúpia de homens e deuses, [...] a ti quero de sócia na escrita desses versos, que sobre a natureza das coisas tento compor   — Lucrécio* Vênus deitada numa concha. Afresco de Pompeia.   Ao nos aprofundarmos na literatura greco-romana, a primeira coisa que descobrimos é a importância dada às deusas no interior dessas sociedades. Essa cosmovisão foi posteriormente rejeitada pelo cristianismo, pois embora a figura de uma divindade feminina tenha sido preservada, ela perdeu sua condição de deusa para ocupar um lugar secundário como a mãe de Cristo. Hoje gostaria de refletir sobre as continuidades e rupturas do mito da divindade feminina na antiguidade clássica, abordando o caso da deusa grega Afrodite e sua equivalente romana, Vênus, através de uma série de “reimaginações” de textos clássicos. Embora ambas as tradições vissem essa divindade como a deusa do amor, cada uma deu a ela traços específicos que se escondem s...

Mário Cesariny: o último dos surrealistas

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Por Miguel Ángel Flores Mário Cesariny, 1963. Foto: Eduardo Gageiro   À pergunta de qual foi a figura mais excêntrica, a mais controversa, a mais incômoda da poesia portuguesa do século XX, sem dúvida a resposta será: Mário Cesariny. O poeta, na última fase de sua vida, suprimiu o sobrenome paterno. A ele se deve a fundação do primeiro grupo surrealista em seu país. Era um homem que gostava de causar escândalos, de reações inesperadas, pouco afeito às cortesias com o próximo e que rejeitava elogios com um gesto azedo. Construiu sua lenda e de agora o seu mito. Numa atmosfera de sacristia e pudor cristãos, mostrava sem hesitações as suas preferências sexuais, o que lhe valeu a hostilidade do mundo oficial e o assédio da polícia política, a PIDE, que não perdeu oportunidade de o assediar, chegando mesmo a enviar-lhe um ofício em que foi avisado que estava proibido de sair à rua por ser considerado sujeito de maus costumes. O poeta classificou esse documento como um ato surrealista. Q...

Jerzy Skolimowski e o calvário exemplar: crítica a “Eo”

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Por Jorge Ayla Blanco   Em Eo (Polônia-Itália, 2022) — intenso opus 18 do lendário polonês de 84 vigorosos anos Jerzy Skolimowski ( Barreira , 1966; Ato final , 1970; O grito , 1978), com roteiro dele e de Ewa Piaskowska —, o autoconsciente burro de circo Eo (interpretado por cinco quadrúpedes diferentes) recebe apenas carícias e beijos de sua devotada proprietária acrobata Kasandra (Sandra Drzymalska) quando é arrancado desses braços e presumivelmente libertado por ativistas contra a tortura de animais em espetáculos, mas se trata de um alarde hipócrita que deixa desamparado o choroso burrico, devolvido à condição de escravo predestinado como besta de carga, iniciando uma série de vicissitudes e deslocamentos forçados que condenam o infeliz Eo às mais sofridas ou exultantes aventuras efêmeras, sua amistosa conivência com o régio cavalo branco de um estábulo, fugas geográficas, seu esmagamento com paus mortais, sua triste reabilitação ou sua migração para a Itália, traçando um ca...

O verão de Rimbaud: a fuga frustrada para Paris em plena guerra franco-prussiana

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Por Jaime Cedillo   O verão de 1870 foi mais monótono do que nunca na cidade francesa de Charleville-Mézières. A família de Arthur Rimbaud havia planejado passar algumas semanas no campo, mas a Guerra Franco-Prussiana acabara de estourar. Quando Napoleão III esgotava as suas últimas horas à frente do Segundo Império e a Terceira República estava prestes a ser proclamada, a única coisa que, por vezes, livrava o juvenil poeta do tédio eram os passeios pelas paisagens das Ardenas, região montanhosa repleta de bosques e campos na fronteira com a Bélgica.   Gostava de se perder nas margens do rio Meuse e imaginar os versos que dariam forma aos seus primeiros poemas, que começavam a ser celebrados e reconhecidos na sua escola. Sylvain Tesson, vencedor do Prêmio Goncourt de ficção breve em 2009, reivindica a genialidade do enigmático poeta em Un été avec Rimbaud . 1 Além de consignar episódios cruciais de sua vida, ouvir sua personalidade conturbada, esclarecer o contexto em que so...

William Carlos Williams: poesia e medicina

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Por Pablo Ingberg William Carlos Williams. Foto: Constantin Joffe Fundamental para a poesia estadunidense do século XX é o nome de um médico que trabalhou em sua cidade natal e em hospitais de Nova York durante grande parte de sua vida. William Carlos Williams deve os dois extremos ingleses de seu nome ao pai e ao intermédio espanhol de um irmão de sua mãe. Ela havia emigrado de Santo Domingo para os Estados Unidos para se casar com William George Williams, um inglês que, apesar de viver naquele país desde jovem, nunca mudou sua cidadania original: preferia o passaporte britânico para suas frequentes viagens de negócios à América Central e do Sul, em uma das quais conheceu aquela que seria sua esposa. Como o espanhol do pai era superior ao inglês da mãe recém-emigrada, o futuro poeta cresceu ouvindo menos o inglês do que o espanhol, e até o francês de alguns parentes maternos. Com o tempo, ele traduziria alguns poetas de língua espanhola para o inglês; entre eles, com a ajuda de su...

Boletim Letras 360º #546

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DO EDITOR   1 . Olá, leitores! O próximo sorteio entre os leitores apoiadores deste blog deve ocorrer em 12 de agosto.  Um leitor levará dois livros: a nova edição em capa dura de  Memórias póstumas de Brás Cubas  publicada pela editora Zahar e  Passeio ao farol , a nova tradução de um dos principais romances de Virginia Woolf publicada pelo selo Penguin/ Companhia das Letras. 2. Para participar é simples. Envia R$20 via PIX e depois o comprovante para blogletras@yahoo.com.br (a nossa chave do PIX é este mesmo e-mail). Feito isso, é aguardar o resultado, divulgado amplamente aqui no blog e nas nossas redes. 3. Obrigado aos que já se inscreveram e aos que direta e indiretamente fazem este projeto permanecer online da maneira como acontece hoje, livre, independente. Abraço a todos! Salman Rushdie. Foto: Abaca Press LANÇAMENTOS   O surgimento, a ascensão e a queda de um império e de sua criadora são os eventos que delineiam o  primeiro ...