Postagens

Boletim Letras 360º #549

Imagem
Roque Larraquy. Foto: Pablo García LANÇAMENTOS   Um novo livro do escritor argentino Roque Larraquy chega ao Brasil .   O insólito literário é a chave de leitura que consegue dar conta dos absurdos da história recente humana, perpetrados pelos processos de colonização europeus. E Roque Larraquy tece com maestria seu insólito, adicionando temas caros à ficção científica nesta crítica a facetas argentinas que esse país desejaria esquecer. A telepatia nacional , como nas melhores histórias da literatura fantástica, insere nomes reais em uma trama ficcional complexa. Inicia com o sequestro de índios da Amazônia peruana em 1930, que são levados, através do Brasil, a Buenos Aires. O objetivo? Replicar em solo portenho o projeto asqueroso europeu que gerou lucros imensos no século XIX: um zoológico humano. Contudo, se esse enredo parece focar no passado, não se engane! Larraquy se vale de tais acontecimentos com o intuito de minar nossas certezas sobre a diferença entre o real e o i...

O jogo do poder

Imagem
Por Aida Míguez Barciela   Isabelle Merteuil e Cécile Volange. Ilustração para As relações perigosas .   Em A prima Bette , Balzac expandiu com seu domínio habitual da narrativa o destino da bruxa má de As relações perigosas , de Pierre Choderlos de Laclos. A grande cortesã — a mais bela, a mais criminosa — é punida no romance com uma morte que gela o sangue, a morte destinada a mostrar fisicamente o horror do monstro moral que já sabíamos qual era. Valérie está em seu leito de morte com sua beleza arruinada; a Marquesa Isabelle de Merteuil perde um olho e seu rosto fica desfigurado. É a revanche de seu ex-amante; é a vingança de seu cúmplice e rival naquele reino de vício e lascívia que nunca tem fim (mas acaba).   Vamos confessar. Não nos é fácil odiar aquela feiticeira astuta que joga apenas para agradar a si mesma: a Marquesa de Merteuil brinca de esconde-esconde para exercitar sua inteligência e demonstrar sua liberdade; joga para zombar de tudo e de todos e para pod...

Praga e a outra literatura alemã

Imagem
Por Alberto Gordo   No início da década de 1970, o prestigiado crítico de arte Josef Paul Hodin (1905-1995) encontrou uma velha caixa de metal cheia de manuscritos no porão de sua casa em Hampstead, Londres. Ele próprio havia jogado fora os romances e contos que escreveu nos anos 1930, enquanto percorria a Europa. Havia deixado sua cidade natal, Praga, no início da década, e chegaria a Londres em 1944, depois de passar por Berlim, Paris e Estocolmo. No final da guerra, a sua promissora carreira como escritor, interdita por Adolf Hitler quando o ditador ainda estava apenas a despontar, era definitivamente uma coisa do passado. Como judeu, sofrera as implicações do estopim Goebbels: “O judeu, quando escreve em alemão, mente”. Seus pais foram assassinados em Auschwitz. E com o passar dos anos ele se tornaria um dos críticos mais respeitados do Reino Unido.   Na década de oitenta, Hodin, biógrafo de artistas como Edvard Munch ou Oskar Kokoschka, publicou na Alemanha esses primei...

Eva Vitja e a imaginação disruptiva

Imagem
Por Jorge Ayala Blanco Em Loving Highsmith (Suíça-Alemanha, 2022) — multi-revelador film 2 da roteirista e documentarista germano-suíça Eva Vitija, primeiro longa documentário, depois de My Life as a Film ou How My Father Tried to Capture Happiness (ambos de 2015) ou Storm & Co (2013), com roteiro dela, de Sabine Gisiger e Andrés Veiel — se evoca e invoca a figura cult da escritora texana de romances policiais com cenário europeu Patricia Highsmith (1921 -1995) tomando como base suas evasivas entrevistas e reportagens de TV em contraste com as profusas confissões pessoais dos cadernos e diários da autora de entre 1941-1955 que foram publicadas post mortem e lidas de forma muito seletiva com uma formidável e sensual voz em off da estrela inglesa Gwendoline Christie (da série Game of Thrones ) e as indiscrições saborosas ou ressentidas de suas agora muito antigas ex-amantes, especialmente Marijane Meaker, também uma romancista estadunidense de rosto comprido e magro, a bonachona...

O gaviero Álvaro Mutis

Imagem
Por Mario Benedetti Álvaro Mutis. Foto: Ulf Andersen O colombiano Álvaro Mutis é uma das vozes literárias mais significativas do panorama ibero-americano. A compilação de seus poemas escritos entre 1948 e 1988, intitulada Summa de Maqroll el Gaviero , significa que o leitor irá mergulhar nele, numa região criada como uma barreira contra a morte.¹   O dicionário define a palavra gaviero como “grumete que nos navios a vela sobre ao cesto da gávea, a fim de avistar a terra”. Mutis, como Maqroll, também esquadrinha o horizonte e o acaso, em busca de um futuro aprazível, nem premente ou forçado. “E eu que sou homem de mar”, diz Maqroll, “para quem os portos apenas foram transitório pretexto de amores efêmeros e rinhas de bordel, eu que ainda sinto em meus ossos o balanço da grande vela a cujo alto extremo subia para olhar o horizonte e anunciar as tempestades [...]”.   No entanto, quando o Gaviero começa, “sem propósito deliberado, um exame de sua vida”, esse avanço interior acaba ...

Eureka, Poe!

Imagem
Por Christopher Domínguez Michael Em seu incompleto elogio a Edgar Allan Poe, a segunda peça de Los raros (na edição ampliada de 1905), Rubén Darío já adivinhava a influência “profunda e transcendente” que, mais de meio século depois de sua morte, difundiu aquele gênio. Mas Darío, como tantos de seus contemporâneos, ainda não podia conhecer a influência de Poe no novo século. Ninguém como o autor de Os assassinatos da Rua Morgue (1841) seria tão importante para aquele velho ramo da literatura que é a poética, graças a Baudelaire, Mallarmé e Paul Valéry, quanto para a cultura popular. Ao lado do poeta perturbado em sua imemorial torre de marfim pelos mistérios da pura poesia, Poe também inspira o mais modesto e consagrado dos roteiristas cinematográficos. Não há nenhuma série televisiva ou filme associado ao terror, ao crime ou à investigação policial, que os moderníssimos tenham feito operar como competência da metafísica, alheias ao toque de Poe.   Pouco se sabe, no entanto, ape...