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Reivindicação de uma dama centenária

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Por José Homero Willa Cather. Foto: National Willa Cather Center Entre a variedade de clássicos da modernidade literária que nesta década celebraram e celebrarão um século desde a sua primeira publicação, poucos leitores, fora os conhecedores da literatura produzida nos Estados Unidos, se lembrariam de listar A Lost Lady (Uma mulher perdida). A efeméride do centenário da sua aparição na Alfred A. Knopf, em setembro de 1923, é um bom pretexto para incitar o leitor a descobrir esta obra-prima, uma das poucas escritas por mulheres incluídas na lista dos 100 grandes livros do mundo ocidental preparada pela Enciclopédia Britânica .   Devota de William Shakespeare, Cather sabia perfeitamente o que existe em um nome. Por esta razão, a melhor tradução do título A Lost Lady é Uma mulher perdida . Apesar de suas repercussões moralistas, o adjetivo “perdida” compreende um feixe de reverberações semânticas. Entre os vários méritos desta ourives da linguagem estão a configuração simbólica, as...

Temporada de furacões, a fracassada adaptação de Elisa Miller

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Por Alonso Díaz de la Vega   Depois de ler Temporada de furacões , de Fernanda Melchor, fiquei com uma preocupação mais ou menos resolvida no encontro com outras obras da escritora: seria aquele romance tão violento e célebre uma expressão de pornomiséria? 1 Tal como no caso da propaganda, acredito que a exploração baseada na pobreza, na miséria e no abuso é definida formal e politicamente. Importa quem olha e como descreve as coisas para descobrir suas intenções. Melchor não é uma autora burguesa que olha com medo para seus personagens, embora haja provocação e moralização em seu estilo ao descrever um povoado marcado repletamente de sadismo cotidiano. Há também algo místico que a aproxima de Juan Rulfo — até mesmo com Cormac McCarthy — na construção de um inferno nacional. É este elemento, juntamente com a poesia profana da voz narradora, o que distingue Temporada dos furacões de Páradais , o romance seguinte e meramente grotesco de Fernanda Melchor, ou a série melodramática c...

Descobrir e redescobrir Machado de Assis

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Por Pedro Fernandes Machado de Assis. Foto: Insley Pacheco, planotipia de Marc Ferrez.   Cada época redescobre as grandes obras da literatura de uma maneira distinta. E uma coleção reunindo todos os livros de Machado de Assis tal como publicados em vida talvez seja uma parte dentre os feitos de redescoberta para o século XXI da obra desse escritor. Há muito se mostra a sua relevância para a literatura universal, mesmo que essa qualidade tenha precisado sair da pena de parte importante da crítica estrangeira para os de casa entenderem o lugar do autor de  Memórias póstumas de Brás Cubas  (1881); não negamos que o reconhecimento, ao contrário do sucedido a tantos outros da sua estirpe, tenha lhe chegado em vida, mas essa amplitude, fora das esterilizantes fronteiras do nacional como se impôs aos nossos escritores, é relativamente nova e só aconteceu tão tardiamente quando se opera sua redescoberta como o autor de uma obra circunscrita no panorama mundial; além de certo bair...

Gabriela Mistral: a vanguarda arcaica

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Por Hernán Bravo Varela Gabriela Mistral. Arquivo Biblioteca Nacional do Chile. Antes de dar origem à estética modernista, Rubén Darío anunciou, a partir do final do século XIX, as vanguardas poéticas que viriam na América Latina. Seguindo esta lógica, o segundo Darío — esse renovador nostálgico de tanto prever o futuro — antecipará a produção mais íntima dessas vanguardas. A distância entre Azul (1888) e Canções de vida e esperança (1905) é semelhante à que haverá, por exemplo, entre Altazor (1931), de Vicente Huidobro, e Residência na Terra (1935), de Pablo Neruda: por um lado, a pirotecnia; de outro, a sisudez.   Assim, e na medida em que foi precursora, a própria obra de Darío separará a vanguarda oficial daquela “outra vanguarda” que, segundo José Emilio Pacheco, se caracteriza pela sua “poesia antipoética”, “realista e não surrealista”, escrita não para “bancar o pequeno deus” de Huidobro, mas para exibir “uma fraqueza e uma vergonha que, no entanto, pode ser expiada descr...

Boletim Letras 360º #559

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DO EDITOR   1. Olá, leitores! Até o fechamento da edição deste Boletim contamos oito inscritos para o último sorteio do ano entre os apoiadores do Letras que será realizado no próximo dia 11 de novembro.   2.   O sorteio contemplará quatro leitores que levarão um livro entre títulos disponíveis: Por que ler os clássicos , de Italo Calvino, edição especial capa dura com acabamento em tecido da Companhia das Letras; Mulherzinhas , de Louisa May Alcott, na lindíssima edição de luxo da Zahar; Orgulho e preconceito , também no mesmo projeto da mesma casa editorial; e Um, nenhum e cem mil , reedição da obra-prima de Luigi Pirandello pela Penguin, a que foi publicada pela extinta Cosac Naify.   3. Se interessa por algum desses títulos ou se quer apostar com a ajuda para presentear alguém, você envia PIX a partir de R$20 ou R$30 para incluir um nome de sua afeição.   4. Qualquer coisa, estamos sempre disponíveis nas redes ou através do e-mail blogletras@yahoo.com.br, qu...

A vida à margem: crime e delito na literatura

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Por Juan Camilo Rincón Ilustração: Kiki Kogelnik.   Em 1929, o escritor argentino Roberto Arlt descreveu o que representavam os crimes de periferia: “Mas todos estão, no fundo, satisfeitos de que a vida é assim; essa vida que, para eles, só é suportável pelos crimes que a tornam vermelha.”   Os pequenos meliantes urbanos que alimentavam “a vida dramática, a existência sórdida” nas favelas marginais são os protagonistas de artigos que o autor publicou no jornal portenho El Mundo e depois compilados no livro Tratado de la delincuencia. Aguafuertes inéditas (1996).   Arlt, considerado hoje um dos escritores mais importantes do seu país, retratou nessas curtas colunas a inutilidade das leis, o trabalho da polícia e dos advogados, a indignação social e as formas de perpetrar um crime.   Essas questões também alimentaram sua ficção, na qual “explorou muito bem a fronteira, as irmandades criminosas, com objetivos disparatados e que ao mesmo tempo são tão típicos da l...