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Coetzee: a maldição de escrever

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Por Rafael Narbona J. M. Coetzee. Foto: Murray White J. M. Coetzee já é, sem dúvida, um clássico. Não porque tenha recebido o Prêmio Nobel, mas porque conseguiu penetrar nos estratos mais profundas da consciência humana com uma prosa cuidadosamente refinada, onde a concisão e a precisão se unem à introspecção e ao lirismo. Com este texto concluo o meu percurso por alguns dos livros que antecederam a atribuição do Nobel em 2003.   Alguns apontam que a Trilogia de Jesus carece do interesse de seus romances da maturidade, mas acredito que ainda reflita um firme compromisso com a inovação. Coetzee não se limitou a repetir uma fórmula. Cada livro constituiu um exercício de renovação e autocrítica. É a atitude que caracteriza os grandes criadores.   Dostoiévski e a maldição da escrita¹   A literatura alimenta-se de literatura. Daí, o escritor sul-africano faz de Dostoiévski o protagonista de uma de suas ficções. O escritor russo possuía um enorme talento e uma personalidade obs...

Boletim Letras 360º #560

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DO EDITOR   1. Olá, leitores! Até o fechamento da edição deste Boletim contamos nove inscritos para o último sorteio do ano entre os apoiadores do Letras . No início da semana lançamos o desafio de acrescentar duas novas apostas: os títulos O homem que matou o escritor , de Sérgio Rodrigues, edição da Companhia de Bolso publicada recentemente; e Se um viajante numa noite de inverno , de Italo Calvino, edição especial em capa dura com acabamento em tecido, da Companhia das Letras. Mas isso se alcançarmos 16 inscrições.   2. O sorteio acontece hoje, 11 de novembro, no início da noite, quando começamos a divulgar os sorteados nos stories em nossas contas no Instagram e Facebook . Bom, até lá podemos chegar ou não ao número de participantes que daria seis e não quatro chances de brindes.   3.   Além dos títulos possíveis, revisamos que estão confirmados: Por que ler os clássicos , de Italo Calvino, edição especial capa dura com acabamento em tecido, da Companhia das Le...

Wallace Stevens, esse faisão perdendo-se em meio da folhagem

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Por Juan F. Comperatore Wallace Stevens. Foto: Bettmann   Há indivíduos que passam a vida inteira tentando combinar áreas incompatíveis de sua personalidade como se estivessem entre facções rivais, enquanto outros lidam sem grandes obstáculos com a contradição e talvez nunca a vivenciem como tal. Após sua morte, ocorrida em 2 de agosto de 1955, após duas semanas em coma, muitos colegas de Wallace Stevens ficaram surpresos com os obituários que destacavam o exímio labor literário do poeta. “Com a morte de certos homens”, observou, “o mundo volta à ignorância”.   Embora a sua atividade não fosse de forma alguma secreta — não se permitira a tal vaidade —, também não era motivo de conversa entre pares ou subordinados. “A poesia”, disse ele, “não é um assunto pessoal”. Seu perfil lacônico indica que ele cultivou uma imagem que não condizia com as aparências do poeta maldito ou do acadêmico circunspecto. Preferia manter a fachada de um afável executivo e só ocasionalmente era visto...

Reivindicação de uma dama centenária

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Por José Homero Willa Cather. Foto: National Willa Cather Center Entre a variedade de clássicos da modernidade literária que nesta década celebraram e celebrarão um século desde a sua primeira publicação, poucos leitores, fora os conhecedores da literatura produzida nos Estados Unidos, se lembrariam de listar A Lost Lady (Uma mulher perdida). A efeméride do centenário da sua aparição na Alfred A. Knopf, em setembro de 1923, é um bom pretexto para incitar o leitor a descobrir esta obra-prima, uma das poucas escritas por mulheres incluídas na lista dos 100 grandes livros do mundo ocidental preparada pela Enciclopédia Britânica .   Devota de William Shakespeare, Cather sabia perfeitamente o que existe em um nome. Por esta razão, a melhor tradução do título A Lost Lady é Uma mulher perdida . Apesar de suas repercussões moralistas, o adjetivo “perdida” compreende um feixe de reverberações semânticas. Entre os vários méritos desta ourives da linguagem estão a configuração simbólica, as...

Temporada de furacões, a fracassada adaptação de Elisa Miller

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Por Alonso Díaz de la Vega   Depois de ler Temporada de furacões , de Fernanda Melchor, fiquei com uma preocupação mais ou menos resolvida no encontro com outras obras da escritora: seria aquele romance tão violento e célebre uma expressão de pornomiséria? 1 Tal como no caso da propaganda, acredito que a exploração baseada na pobreza, na miséria e no abuso é definida formal e politicamente. Importa quem olha e como descreve as coisas para descobrir suas intenções. Melchor não é uma autora burguesa que olha com medo para seus personagens, embora haja provocação e moralização em seu estilo ao descrever um povoado marcado repletamente de sadismo cotidiano. Há também algo místico que a aproxima de Juan Rulfo — até mesmo com Cormac McCarthy — na construção de um inferno nacional. É este elemento, juntamente com a poesia profana da voz narradora, o que distingue Temporada dos furacões de Páradais , o romance seguinte e meramente grotesco de Fernanda Melchor, ou a série melodramática c...

Descobrir e redescobrir Machado de Assis

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Por Pedro Fernandes Machado de Assis. Foto: Insley Pacheco, planotipia de Marc Ferrez.   Cada época redescobre as grandes obras da literatura de uma maneira distinta. E uma coleção reunindo todos os livros de Machado de Assis tal como publicados em vida talvez seja uma parte dentre os feitos de redescoberta para o século XXI da obra desse escritor. Há muito se mostra a sua relevância para a literatura universal, mesmo que essa qualidade tenha precisado sair da pena de parte importante da crítica estrangeira para os de casa entenderem o lugar do autor de  Memórias póstumas de Brás Cubas  (1881); não negamos que o reconhecimento, ao contrário do sucedido a tantos outros da sua estirpe, tenha lhe chegado em vida, mas essa amplitude, fora das esterilizantes fronteiras do nacional como se impôs aos nossos escritores, é relativamente nova e só aconteceu tão tardiamente quando se opera sua redescoberta como o autor de uma obra circunscrita no panorama mundial; além de certo bair...