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Julio Cortázar, Carlos Fuentes, García Márquez e Vargas Llosa: o big bang do Boom

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Por Pablo de Santis Como toda palavra nascida no ruidoso país das onomatopeias, o termo boom prefere conotar em vez de denotar. Sob o disfarce de um balão de desenho animado, sugere um sucesso inesperado, uma descoberta, um fenômeno espontâneo. O Boom da literatura latino-americana teve todas essas características de surpresa e assombro. Mas também teve uma dose de cálculo e conspiração, como se pode verificar pela correspondência recolhida em As cartas do Boom dos seus quatro autores centrais: Julio Cortázar, Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez.¹ O chileno José Donoso e o cubano Guillermo Cabrera Infante, outros dois autores muito próximos ao Boom, não aparecem como autores do livro, mas os seus nomes são frequentemente citados nas cartas dos seus colegas ou nas notas de rodapé.   Encontradas e organizadas por quatro editores meticulosos e cuidadosos, essas cartas se parecem menos com qualquer outro volume de correspondência do que com uma biografia coral...

A estreia de Clarice Lispector

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Por Pedro Fernandes Clarice Lispector em foto da formatura, dezembro de 1943. Perto do coração selvagem saiu num ano de grande evidência na vida de Clarice Lispector. Depois de iniciar as atividades como repórter de A noite , em 1943 casa-se com Maury Gurgel Valente, forma-se em Direito pela antiga Universidade do Brasil e se torna legalmente brasileira depois de o governo de Getúlio Vargas despachar a requerida cidadania pela escritora. Foi o primeiro livro de Clarice e logo associado, devido ao estilo introspectivo, aos romances de Virginia Woolf e de James Joyce. Deste último, sim, admitiria mais tarde, mas não pela sua mão e nem influência. 1 Lúcio Cardoso, amigo, principal incentivador e primeiro leitor do romance, sugeriu o uso da epígrafe retirada de Retrato do artista quando jovem e da qual derivou o título deste então reconhecido como um marco inaugural de outra dimensão da literatura brasileira.   A concepção e realização do livro possui uma trajetória errática. O en...

Boletim Letras 360º #564

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DO EDITOR   Olá, leitores! O Letras se organiza para a sua costumeira pausa de descanso no fim de ano. A semana seguinte é a última com entradas diárias e depois disso, as edições deste boletim sairão reduzidas, sem as seções suplementares. A nossa presença nas redes continua e vez ou outra também por aqui. Tudo regressa ao normal em meados do mês de janeiro de 2024. Quer receber o conteúdo do blog em primeira mão, entre para o nosso grupo no Telegram . Agradeço a companhia até aqui, tenham um excelente passagem de ano e, continuem conosco! Moacyr Scliar. Foto: Arquivo Folhapress   LANÇAMENTOS   O ano de 2023 finaliza com três novos títulos da obra de Marguerite Duras inéditos ou em nova tradução no Brasil .   1. Em Savannah Bay  se tece na relação amorosa entre as duas únicas personagens que aparecem no palco — Madalena, uma mulher que já atingiu “o esplendor da idade”, e uma Jovem, não nomeada; talvez sua neta. Como através de um espelho, essa relação se ...

Wisława Szymborska e Kornel Filipowicz: as cartas de amor e humor entre a poeta e o romancista

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Por Nuria Azancot Wisława Szymborska e Kornel Filipowicz, 1973.   Anos mais tarde, quando Kornel Filipowicz (1913-1990) já havia morrido, a própria Wisława Szymborska (1923-2012) recordava, numa conferência em homenagem ao escritor, como o viu pela primeira vez “por volta de 1946 ou 1947. Não lembro onde estava, mas a impressão que causou em mim. Loiro grisalho, bronzeado, vestia calça azul e uma camisa de um maravilhoso amarelo claro. Pensei: ‘Meu Deus, que homem lindo.’ Mas esse encontro não teve consequências naquele momento. Durante muitos anos apenas nos olhamos de longe.”   Quando se reencontraram, em 1965, ela acabara de ler uma antologia de contos de Filipowicz intitulada Menina com uma boneca ou sobre a necessidade de tristeza e solidão e pensou: “Igual a mim. Eu também preciso de tristeza e solidão.” Mestre do conto e da novela, dizia-se que era o único autor polonês que aprendeu a escrever com Anton Tchekhov e que sua prosa, “concisa e magistral”, “não envelhece”, ...

Ricardo Piglia e o que fazer com desprolixidade do real

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Por Flavio Lo Presti Ricardo Piglia. Foto: Divulgação de 327 Cuadernos .   Quando Ricardo Piglia escreveu Respiração artificial era um jovem desencantado, num contexto assustador. Ele havia abandonado a revista Los Libros , ganhava a vida ministrando cursos particulares e tentava pensar numa questão que aparece obsessivamente na textura do romance: como narrar acontecimentos reais? Ao seu redor, Rodolfo Walsh e Haroldo Conti haviam desaparecido, e um aparato de censura tão difuso quanto ameaçador, filtrava as produções culturais, obrigando as pessoas a escreverem sem assinatura, ou com nomes falsos. Essa experiência se combina com uma sensação registrada literalmente no romance ora citado: a de escrever “porcaria”, o fracasso diante do mandato (não destinado por ninguém além dele mesmo) de ser escritor.   Com essa sensação, uma imagem começou a se transformar no germe do romance que foi inicialmente intitulado com um verso de Jorge Luis Borges, A prolixidade do real : a de u...

Hlynur Palmason e a dissolução agônica

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Por Jorge Ayala Blanco   Em Terra de Deus (Vanskabte Land/ Volaða land, Dinamarca-Islândia-Suécia-França, 2022), o desarmante terceiro filme do autor dinamarquês Hlynur Pálmason ( Irmãos do inverno , 2012; Um dia muito claro , 2019), Lucas (Elliott Crosset Hove, exausto), um jovem padre dinamarquês do século XIX é enviado no meio de um verão sem noites para construir a primeira igreja no sul da implacável Islândia e opta por fazer a viagem por terra desde o norte para tirar fotos enquanto anda, com a ajuda de um tradutor (Hilmar Gudjonsson) e o difícil guia de patriarcal barba branca em parte inacessível Ragnar (Ingvar Eggert Sigurdsson).   Os três completam a façanha de uma jornada através de planícies, montanhas íngremes, rios caudalosos e horizontes que desaparecem, embora entrando em crise físico-moral ao longo da jornada e desabando em agonia, mas conseguindo ressuscitar no porão do bem-adaptado agricultor Carl (Jacob Lohmann), sendo bem cuidado pela filha mais nova ai...