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As Evas e as Marias da Amazônia de Milton Hatoum em “Relato de um certo Oriente”

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Por Henrique Ruy S. Santos Milton Hatoum. Foto: Olga Vlahou   Milton Hatoum nasceu em 1952, na cidade de Manaus, Amazonas. É autor, até o momento, de seis romances, um livro de contos, várias traduções e produções de cunho acadêmico, oriundas de sua atuação como professor de literatura em universidades brasileiras e estrangeiras. Chama a atenção, em sua produção escrita, a afeição por questões relacionadas à sua ascendência libanesa. De fato, como o próprio escritor declara em entrevista, ele sempre esteve imerso em uma atmosfera culturalmente versátil, em que o português e o árabe disputavam o posto de língua materna:   “Antes de mais nada, a noção de pátria está relacionada com a língua e também com a infância. O que mais marca na vida de um escritor, talvez seja a paisagem da infância e a língua que ele fala. Eu me lembro - a propósito do dilema: falar árabe ou falar português — de que minha mãe dizia que eu deveria falar português, porque a língua é a pátria.”   Uma...

Boletim Letras 360º #577

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    DO EDITOR   Olá, leitores! Nesta semana vocês começaram a conhecer os novos autores que publicarão no Letras a partir desse ano; saíram os textos de estreia de Vinícius de Silva e Souza e de Guilherme de Paula Domingos. Estejam atentos que virão outros nomes na semana seguinte.   Os estreantes foram os selecionados na chamada divulgada no início de 2024. Mas, se você tem interesse em publicar seu texto no blog, sabia que isso pode acontecer sem que seja um colunista? Conheça os interesses editoriais desta página, como organizar e enviar o seu texto, por aqui .   Esta edição do Boletim Letras 360º é dedicada integralmente à literatura feita por mulheres e reflete a recente reabertura desse território artístico para elas. Que assim continue, porque muito ainda falta para se aterrar do grande fosso que divide homens e mulheres. Da parte deste projeto, é um pequeno gesto para o 8 de Março deste ano. Um excelente final de semana! Deborah Levy. Foto: Colin McPhe...

Dalton por Dalton

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Por Marcelo Jungle   Terminar a leitura da Antologia Pessoal (Record, 2023. 448 p.) de Dalton Trevisan inevitavelmente nos leva a pensar sobre como o curso da vida dos escritores segue a obra.   Como se sabe, mesmo que já se tenha lido uma história, uma nova compreensão sempre poderá existir quando a relemos. A coletânea em questão é “pessoal” como só poderia ser, pois os contos foram escolhidos pelo próprio autor e devemos agradecer por isso aos ventos da longevidade. Assim, esse novo passo se mostra entusiasmante por motivações específicas: a escolha e consequente importância para o próprio autor e a cronologia que nos proporciona uma visão de sua evolução criativa. Para além, portanto, da função introdutória das antologias, mesmo os leitores experientes em Dalton e suas conquistas terão aqui uma boa oportunidade de seguir os movimentos que foram marcando sua carreira. O que não é pouco, para quem detesta seguidores.   No prefácio/ ensaio de Augusto Massi, que leva o ...

Hibisco Roxo, de Chimamanda Ngozi Adichie

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Por Guilherme de Paula Domingos Chimamanda Ngozi Adichie. Foto: Stephen Voss   Hibisco roxo é um livro sobre como o poder se exerce do mais forte sobre o mais fraco. Dispondo de estruturas como a Igreja, a colonização e as famílias patriarcais, brancos dominam negros, homens dominam mulheres, pais dominam filhos e governos dominam cidadãos.   Racismo   Os nigerianos sofreram um apagamento de sua cultura pelos colonizadores britânicos. Kambili, nossa protagonista, aprende com o pai — um fanático religioso — que a cultura dos brancos é superior. Culpa da obra missionária, que trouxe a religião católica como a correta. O pai de Kambili assimila para si os preconceitos trazidos pelos missionários e os reproduz sem ter a noção de que seu discurso se volta contra si mesmo.   Em casa é permitido falar o idioma igbo, mas em público, apenas o inglês, que “é mais civilizado”. Não se pode cantar nas Igrejas, porque “não é algo que um branco faria”. Os cantos na igreja também ...

Segredos de um escândalo ou como Hollywood coça o próprio umbigo

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Por Carlos Rodríguez   Se Hollywood fosse um homem, seria um malandro, alguém com tato para se mostrar um sedutor, mas que no fundo é um idiota. Imaginemos esse farsante sem o terno que o veste, feito com o melhor tecido; nu, ele cutuca o umbigo e encontra mais do que fiapos. Alguns têm escavado nessa região que pode acumular sujeira, suor, células mortas e bactérias. Ao cutucar a cicatriz, essa área sensível e desconfortável, reflete o insalubre. Essa comichão, que quando satisfaz dá prazer e às vezes é danosa, produziu marcas na pele de Hollywood.   A vista de sua fachada rasurada é fascinante e abismal, como em Sunset Blvd . (Billy Wilder, 1950), onde uma atriz de outrora, uma das grandes, é condenada a ser a relíquia de seu próprio mundo, um adereço com cheiro de velho, um terno surrado esperando no cabide até você acionar o gatilho do revólver que o devolve ao primeiro plano. Também pode ser uma ferida disfarçada, como ocorre em The Bad and the Beautiful (1952), que glor...

Via Ápia: cinco visões de uma realidade

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  Por Vinícius de Silva e Souza Após o sucesso com O sol na cabeça , Geovani Martins foi ousado ao partir para o gênero romance e valendo-se de uma narrativa tão complexa: a vida de cinco jovens periféricos durante um específico e nada curto ou pacífico período de 2011 a 2013 —, antes, durante e depois da ocupação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em favelas do Rio de Janeiro.  Em Via Ápia  Acompanhamos os irmãos Washington e Wesley e os três amigos Biel, Douglas e Murilo enquanto sonham, se apaixonam, transam, brigam e fumam. Enquanto vivem. “A sensação era de que a vida não dava tempo para pensar nem escolher nada”, esclarece a narrativa, “é sempre um dia depois do outro pra ver no que vai dar.”   Por esses cinco jovens, Geovani Martins faz um retrato nada isento da vida na favela da Rocinha. A maconha é recorrente, talvez até demais, se fazendo presente em todos os curtos capítulos, agora, muito mais do que o acessório da erva, o que mais transparece por...