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O século das luzes, de Alejo Carpentier

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Por Pedro Fernandes Alejo Carpentier. Foto: Ulf Andersen   O Século das Luzes foi como ficou reconhecido o longo período de transformações intelectuais e filosóficas centradas no advento da razão como dimensão única de compreensão do mundo e que se irradia desde a Europa a partir do século XVIII. Centrado na França, alguns dos novos ideais iluministas primavam pela liberdade individual, o progresso, o fim da monarquia e separação entre a Igreja e o Estado, contribuindo para a série de revoluções que varreram o Ocidente de lés a lés no curso de pelo menos dois séculos de história.   Alejo Carpentier recorre ao mesmo designativo do que bem poderíamos chamar de uma era para o seu livro de 1962 porque o seu interesse fundamental é compreender como o ideário da Ilustração alcança o Novo Mundo quando este em sua grande parte se encontrava integrado ao velho continente ora como um vasto campo de recursos para o seu progresso, ora como zonas de disputas territoriais, ora ainda um ter...

O quarto ao lado, de Pedro Almódovar

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Por Paula Vázquez Prieto   Num hospital de Manhattan, Martha (Tilda Swinton) acaba de receber más notícias. A esperança em seu novo tratamento contra o câncer se esvazia como o balão esquecido de um aniversário distante. Não resta muito tempo e a isso se soma o prognóstico de uma agonia lenta e dolorosa. Quem chega para visitá-la é Ingrid (Julianne Moore), uma amiga de juventude, quando ambas eram atiradas e imprudentes, e desfrutavam da aventura e da escrita. Martha como correspondente de guerra e Ingrid como romancista partilharam anedotas e amantes apaixonados, como agora compartilham a nostalgia e uma amizade reconquistada. Para Ingrid, a morte é o tema do seu último romance; para Martha, a realidade que está por vir.   Enquanto observa a neve cair pela enorme janela de seu quarto, Martha cita as últimas falas de Os vivos e os mortos , filme de John Huston baseado no famoso conto de James Joyce. “Cai debilmente no universo, e cai debilmente, como o final inevitável, sobre...

Navilouca

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Por Eduardo Galeno Do original de Auto da barca do inferno (1517)   O teatro de Gil Vicente é a monarquia de Portugal. Pode parecer estranho nomear assim de supetão um objeto que é formado numa gestação complexa — as letras e as significações das letras, que são tão maleáveis —, mas a dinastia de Avis (no poder do rei transmutado pelas enunciações vicentinas) transfere a imagem teológica para a poética.   A ideia do humanismo perante a moralização ad infinitum dos costumes, que era preconizado através do ensejo e do uso do tropo alegórico, não é precisa para elencar os traços de um auto . O caráter de humano era calculado pela lógica aristotélica de hierarquia no representamen , ou seja, mesmo com o misto de qualidades da extração social (baixas e altas) no bojo da peça, Auto da barca do inferno situava exatamente o viés do contrassenso no lugar platônico do diálogo : a homologia , dizia Lyotard, e também a unicidade do referente ( salvação )   Fato é: a possibilidade ...

Um poeta na fila do feijão

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Por Thiago Teixeira Carlos Drummond de Andrade. Arquivo de Pedro Augusto Drummond Não sei se nos anos de 1940 ainda se passava pela cabeça de algum poeta encastelar-se como aquele Beneditino que ficava longe do estéril turbilhão da rua (ainda que se tenha taxado a vindoura geração de 45, que já começava a aparecer, como conservadora e um tanto parnasiana), afinal, já naquela altura o turbilhão da rua passou a ser fonte de poesia, e o que o poeta buscava era mesmo sujar o brim branco na primeira esquina. Sei apenas que foi nesses anos 40 que Drummond lançou Sentimento do mundo , 1 no qual o vemos em angústia por perceber entre si e o trabalhador braçal uma distância insuperável, como fica claro em “O operário no mar”. “Quem sabe se um dia o compreenderei?”, pergunta-se, explicitando o distanciamento em relação ao operário, esse agente histórico tão importante no século XX. Um mar separa Drummond do operário, mesmo com toda a vontade de se unir a ele, de modo que mesmo no político livro...

Boletim Letras 360º #616

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DO EDITOR   Ficamos fora da web , pelo menos esta nossa página, durante uma semana: da sexta-feira, 29 de novembro, à sexta-feira, 6 de dezembro. Isso nunca acontecera nestes 17 anos online. Foi uma falha na transição entre servidores que hospedam o domínio do Letras o motivo do problema. Assim, as nossas publicações diárias saíam, mas não chegavam a vocês.   Uma semana de labuta e alguma angústia para conseguimos sair da caldeira escura do apagamento. Um dia este projeto acabará, afinal, nada é eterno. Mas, por aqui, ainda não estamos preparados para isso. Agradecemos àqueles que, preocupados, nos procuraram nas nossas redes e torceram pelo nosso pronto retorno. Toda energia positiva, sabemos, deve ajudar em horas como essas. Deu tudo certo e aqui estamos.   Aproveitamos esta entrega do Boletim Letras 360º para agradecermos ainda pelas ajudas que muitos de vocês enviaram ao Letras nas aquisições com o nosso link durante os dias de Black Friday da Amazon. Reiteramos aqu...

Como ficar quieto em alemão

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Por Alejandro Zambra Adolfo Couve   Macedonio Fernández é meu escritor favorito de dois em dois anos. Admiro naturalmente seu humor e sua elegância singular, mas por vezes a relação malogra, por assim somos nós, leitores: por vezes pedimos a um escritor o que jamais quis nos dar. Macedonio é brilhante, mas nem sempre desejamos esse brilho, porque nem sempre somos, como queria ele, “leitores artistas”. Releio Papeles de Recienvenido [Papéis de um recém-chegado] e Continuación de la nada [Continuação do nada], os livros de Macedonio que voltaram a ser reunidos há alguns meses pela editora espanhola Barataria, em uma coleção mais que necessária na qual também comparecem Martín Adán, Juan Emar e outros gênios da vanguarda latino-americana. Rapidamente descubro que neste ano me cabe amar Macedonio. E me parece estranho que às vezes não goste.   Seja como for, devo esclarecer que sempre — nos anos que quero e nos que não quero — rio de suas piadas. Esta é muito boa: “O bezerro Ton...