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O Grande Gatsby é um título ruim?

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Por Juan Tallón F. Scott Fitzgerald Foto: Brown Brothers   Em maio de 1924, pouco mais de um ano antes de O Grande Gatsby ser publicado, Francis Scott Fitzgerald trabalhava febrilmente no livro, recusando-se a ler qualquer coisa além de Homero e da literatura e história homérica de 540 a 1200. “E rogo a Deus para não ver uma viva alma por seis meses; meu romance é cada vez mais extraordinário; sinto-me completamente no controle de mim mesmo e posso finalmente satisfazer meu desejo de solidão”, escreveu da França ao romancista Thomas Boyd; acabara de chegar com dezessete malas, na esperança de encontrar uma casa generosa com mordomo e cozinheiro para ele, a mulher e a filha.   Ele se encontrava tomado pela excitação e, em agosto daquele ano, confessou a Maxwell Perkins, diretor editorial da Scribner’s: “meu romance é mais ou menos o melhor romance uma vez escrito nos Estados Unidos”. Um autor nunca sente tamanho entusiasmo por sua obra, não dessa maneira, quando a obra ainda ...

“Dias de pedra”, de Isabelle Scalambrini: uma herança poética

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Por Wesley Sousa A vida é uma pedra de amolar: desgasta-nos ou afia-nos, conforme o metal de que somos feitos. — George Bernard Shaw   Em Como ler um poema , Terry Eagleton define que o material ao qual chamamos de “poema” tem certas características mais ou menos consensuais. No aspecto da criação e da técnica criativa, ele menciona da seguinte maneira: “Um poema é uma declaração moral, verbalmente inventiva e ficcional, na qual é o autor, e não a impressora ou o processador de textos, que decide onde terminam os versos” (p.32, tradução minha) Iniciar com esta afirmativa é, aqui, quase uma obviedade se vista de imediato.   A cadência dos versos, a rítmica que se sobrepõe às rimas etc. não é algo simples — e a poética pressupõe uma conexão maior do que o ímpeto formal de deslocamento sintático e do verso. O poema, mesmo se fosse algo fácil de escrever, disso não deriva que a poesia que emerge nos versos seja clara quanto se pensa. Para o crítico inglês: “É certo que a prosa ge...

Boletim Letras 360º #633

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Halldór Laxness LANÇAMENTOS   Publicado em 1957, dois anos após Halldór Laxness receber o prêmio Nobel de literatura, livro conduz o leitor até as paisagens islandesas e os pequenos detalhes da vida cotidiana nas ruas de Reykjavík no início do século XX .   Em Os peixes também sabem cantar acompanhamos a vida de Álfgrímur, um menino órfão criado pelos avós adotivos em um casebre humilde nos arredores da então futura capital da Islândia. Sua narrativa sinuosa se apoia na memória coletiva, nos mitos e nos valores compartilhados para descrever a construção de identidade, tanto individual como nacional. A obra é, ao mesmo tempo, um romance de formação do jovem Álfgrímur e da nação islandesa. De um lado temos uma sociedade em transição na pequena ilha do Atlântico Norte que à época oscilava entre as amarras coloniais e a busca por autenticidade; do outro, um protagonista moldado pela sabedoria tradicional islandesa, mas que se vê atraído pelo brilho ilusório da fama representada p...

O rinoceronte e a metamorfose coletiva

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Por Juliano Pedro Siqueira Eugène Ionesco. Foto: Micheline Pelletier O período do pós-guerra despertaria profundos temores em um mundo que acabara de ser desfigurado pela destruição em massa. Acompanhado do horror, da incerteza e da descrença na razão, emergiu-se uma série de questionamentos existenciais e morais, tendo como pano de fundo a literatura, a filosofia, a arte, a psicanálise e o teatro, que buscaram os fundamentos que levassem a entender o homem a partir de seus símbolos, fanatismos e contradições.   Correntes como o existencialismo, que a exemplo, explorou conceitos como angústia, em Sartre, tempo, em Heidegger, suicídio, em Camus; e do teatro do absurdo, com Samuel Beckett, Arthur Adamov e Eugène Ionesco; além, claro, dos estudos antropológicos de Sigmund Freud, promoveriam um grande debate intelectual no ocidente, submetendo à dúvida o progresso moral, racional e existencial do homem.   Com o advento de movimentos filosóficos de cunho materialista e relativista...

Manuela Porto e suas histórias revivem

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Por Marcelo Jungle “E se tivesse nascido morto? Oh! Que sorte, que sorte tamanha! Não se atrevia a perguntar isso, mesmo que tivesse a quem.” Essa é a pergunta essencial do conto “Um filho mais”, de Manuela Porto, incluído na inédita coletânea Histórias familiares e outras histórias (2025). Lançada pela destemida editora PONTOEDITA, o livro reúne toda a obra literária desta hoje desconhecida autora portuguesa. Estão compilados os livros de contos Um filho mais e outras histórias e Doze histórias sem sentido , mais a novela Uma ingénua: a história de Beatriz , publicados entre 1945 e 1952. Manuela viveu grande parte de sua vida durante o mais longo regime autoritário da Europa ocidental, iniciado em 1926 e que só foi definitivamente encerrado em 1974. Esse período abarca o conhecido salazarismo, referente a António de Oliveira Salazar, figura central do regime, oficialmente chamado de Estado Novo.   O título poderia ser somente Histórias Caseiras , porque é esse sentimento que se ...

Mickey 17: excêntrico, multipolar e sobrecarregado

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Por Alonso Díaz de La Vega Em uma circunstância extraordinária, me senti forçado a assistir a  Mickey 17 (2025) uma segunda vez para escrever sobre o filme. Minha primeira impressão não foi de uma película incompreensível ou difícil, mas apenas sobrecarregada e, portanto, confusa. Ao longo de quase 140 minutos, pelo menos 30 são dedicados a explicar um mundo que depois desaparece da tela: Mickey Barnes (Robert Pattinson), um “dispensável” — como são chamados em 2054 os trabalhadores de alto risco dispostos a serem clonados com a memória intacta — nos conta nesta meia hora os muitos detalhes de sua vida, suas decisões e seu contexto. Na verdade, o título do filme aparece em vinte minutos depois de ouvirmos como Mickey e seu amigo Timo (Steven Yeun) se envolvem com um agiota que empresta pelo prazer de cortar com uma serra os que não lhe pagam; como o fracasso deles com uma loja de macarrão os obriga a fugir para o espaço, e como Mickey, que não possui habilidades nem muita int...