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A pequenez de um homem comum

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Por Marcelo de Oliveira Villalba Sinclair Lewis. Foto: Edward Steichen Em inglês, para se referir ao que chamamos de pessoas comuns, aquelas que reúnem características, experiências e visão de mundo típicas do indivíduo médio, diz-se que elas são ordinary people . Em português, embora exista também esse sentido para a palavra “ordinário”, como nas expressões “acontecimentos ordinários” ou “reunião ordinária”, ao se referir a pessoas o adjetivo carrega sempre uma forte carga pejorativa. Quando qualificamos alguém como “ordinário”, queremos dizer que esse alguém, por seu comportamento e suas concepções, é reles, tacanho, grosseiro, chegando mesmo a ser considerado um mau-caráter. Se o sentido da palavra em inglês se ajusta ao protagonista de Babbitt , de Sinclair Lewis, por ele ser a encarnação dos valores medianos do cidadão americano, o sentido em português é ainda mais adequado para defini-lo. E mais: num tempo como o nosso, em que a experiência das classes médias no mundo inteiro tor...

Chuck e as multidões

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Por Ernesto Diezmartínez  “(Sou vasto.../ contenho multidões)”, diz Walt Whitman desafiadoramente, interrompendo-se, na seção final de seu poema imensamente íntimo, épico, cósmico “Canção de mim mesmo” (1855). Essas duas frases, que resumem quase de passagem o argumento central do grande poema americano por excelência, desempenham um papel central em A vida de Chuck (Estados Unidos, 2024), o décimo primeiro longa-metragem do cineasta de fantasia e terror Mike Flanagan, especializado em adaptar a obra de Stephen King para o cinema e a televisão.  De certa forma, essa mesma autodefinição whitmaniana se aplica ao autor de Carrie (1974), pois, embora sua merecida fama se deva aos seus famosos romances de terror — além do já citado Carrie , A hora do vampiro (1977), O iluminado (1980), O cemitério (1983), It: a coisa (1986) —, a realidade é que King escreveu diversas histórias de ficção científica ( A longa marcha [1979], O concorrente [1982]), alguns ensaios literários ( Da...

Uma feminazi no Quixote

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Por Yolanda Gándara  Gustave Doré. Ilustração para Dom Quixote . Cervantes apresenta em Dom Quixote um papel feminino muito diferente dos estereótipos até então dominantes na literatura; primeiro, pelo evidente confronto entre realidade e idealismo que permeia toda a obra e seus personagens, cujo paradigma feminino é Dulcinéia; segundo, porque, embora nem todos os seus personagens femininos sejam transgressores, eles ganham voz própria, em alguns casos por meio de um discurso verdadeiramente subversivo para a época — e até mesmo para o nosso tempo — como no caso da pastora Marcela. A história da “diabólica Marcela” é contada nos capítulos XII, XIII e XIV da primeira parte do livro. Nessa história, intercalada como uma novela pastoril, Cervantes nos apresenta uma donzela belíssima que vive em liberdade, cercada por pretendentes ávidos, e que defende seus princípios e objetivos sem precisar de proteção ou qualquer outro favor de qualquer homem. Começamos por ser apresentados a versã...

O estabelecimento da solidão: Ernest Hemingway e Edward Hopper

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Por Ricardo José Quiroz Álvarez  Edward Hopper, Nighthawks . Certa vez, conversando com um amigo sobre a solidão, ele me apontou que existe uma distinção na língua inglesa que permite que esse termo seja entendido de duas maneiras diferentes: loneliness e solitude . Embora ambas as palavras sejam traduzidas como “solidão”, em sua língua original elas não poderiam ser mais diferentes. A primeira expressão designa um caráter melancólico, isolado e sentimental; a segunda, por outro lado, está associada à solitude e ao estoicismo. No entanto, essa distinção linguística é um tanto ambígua se tentarmos aplicá-la, por exemplo, às pinturas do pintor estadunidense Edward Hopper. Como podemos definir a solidão que habita tantas de suas obras? Is it loneliness or is it solitude? Poderíamos fazer a mesma pergunta sobre alguns dos personagens contemporâneos de Hopper: o escritor Ernest Hemingway. As pinturas de Hopper contêm um estranho hermetismo. Uma abordagem semiótica que interprete os si...

Boletim Letras 360º #655

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DO EDITOR Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras. Edimilson de Almeida Pereira. Foto: Carlos Mendonça LANÇAMENTOS A poesia completa do mineiro Edimilson de Almeida Pereira ganha edição em dois volumes . É um instante de celebração oferecido pela Mazza Edições. A casa publica a obra do juiz-forano desde 1987 e foi responsável pela edição de alguns dos seus principais livros. Poesia & Agora - reunião organizada em dois volumes acondicionados numa caixa resgata títulos esgotados, estabelece a versão definitiva dos textos e os apresenta em ordem cronológica pela primeira vez. A obra traz posfácio assinado pela crítica literária e professora da Universidade Federal de Ouro Preto, Carolina Anglada, que destaca a maneira como a obra do autor tensiona temporalidades e territórios, convidando o leitor a uma leitura arguta e sensível do mundo contemporâneo. Para Anglada, esta reunião de 28 livros ...

Prólogo aos Prólogos, com um prólogo de prólogos

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Por Anuar Jalife Jorge Luis Borges. Foto: Dino Fracchia. Estas páginas ostentam um título apócrifo para se juntar, pelo menos na imaginação, às páginas de um autor essencial da língua espanhola. Essa é a alquimia do prólogo, que permite que uma nova substância se una a uma anterior e, no melhor dos casos, a transforme. Borges praticou essa arte com frequência ao longo de sua carreira literária, desde que escreveu o texto de abertura para a coletânea de poemas La calle de la tarde , de sua amiga Norah Lange, em 1925. Essa obra contínua está documentada em três coletâneas: Prólogos de la Biblioteca de Babel (2000), Biblioteca pessoal (1988) e Prólogos, com um prólogo de prólogos (1975), que celebrou seu 50º aniversário em 10 de janeiro.  O livro editado pela Torres Agüero Editora, reúne trinta e oito prólogos escritos entre 1925 e 1974 e inclui um borgiano “Prólogo de prólogos”, uma espécie de prólogo “elevado à segunda potência” — como o próprio contista o define. Neste texto...