Postagens

Mostrando postagens com o rótulo Escritores e escrituras potiguares

A mesma fome, de Marize Castro

Imagem
Por Pedro Fernandes Algo nasceu agora sem raça, sem sexo. Possui uma alegria inolvidável. Está no mesmo patamar dos seres e das coisas que se dilatam e se aprofundam dentro de si mesmos. A tarefa mais ardilosa para o poeta que deixou de ser uma entidade sensível e suscetível às variações e virações das musas é a de existir. Quer dizer, não é que as musas tenham deixado o mundo pelo seu excesso de balbúrdia, mas o tempo da demasia deixou-nos um bocado mais alheios e céticos à suscetibilidade das entidades que noutro plano regem (de alguma maneira) nossa condição actancial de existir. Poetas de toda estirpe podem estar suscetíveis a isso. O preço que se paga por tanto não é só o levante dos individualismos – é a abolição dos sentidos, dentre eles, a possibilidade de abrir-se sensivelmente aos objetos de prazer, como a poesia, e a multiplicação do banal e da barbárie. Que no passado se condenassem os poetas pela mesma condição de marginais que uns pou...

Diva Cunha: a viva carne da palavra

Imagem
Por Márcio de Lima Dantas A escritora Diva Cunha desponta na cena literária norte-rio-grandense ainda quando professora de literatura portuguesa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde editou sua dissertação de mestrado, uma pesquisa sobre o mito sebastianista na literatura portuguesa, cujo título é Dom Sebastião: a metáfora de uma espera (1979). Publicou os seguintes livros de poesia: Canto de página (1986), A palavra estampada (1993), Coração de lata (1996),  Armadilha de vidro (2004) e Dádiva  (2017). Dizer da poesia de Diva é anunciar em voz alta uma dívida para com o feminino, é a palavra nominando um débito para com esse gênero, é o resgate corajoso de uma mulher em plena maturidade cronológica e detentora dos artifícios formais capazes de engendrar um efeito poético no qual estão soldados sensibilidade e reflexão acerca da condição feminina. Com efeito, na poesia de Diva, o signo poético é habilmente trabalhado para causar o resulta...

Paulo de Tarso Correia de Melo: poeta-maior

Imagem
Por Márcio de Lima Dantas A obra reunida do poeta Paulo de Tarso Correia de Melo ( Talhe rupestre : poesia reunida e inéditos. Natal: EDUFRN, 2008) comprovou o que a crítica mais especializada, não impressionista, e exigente, já sabia: é o nosso poeta-maior. Claro que temos bons poetas, oriundos das melhores cepas, porém muitos carecem de um fôlego lírico mais denso, capazes de manter a mesma alta voltagem estética em cada livro que publica, bem como a capacidade de manusear formas poéticas advindas de múltiplas tradições da literatura ocidental. Eis dois dos principais atributos do nosso poeta: tanto manuseia com propriedade o verso de fatura tradicional quanto as formas livres e brancas, desprovidas da sintaxe normativa. Acrescenta-se a isso uma notável capacidade de transfigurar por meio do discurso poético o prosaico do cotidiano, elevando as coisas ditas banais a uma categoria no qual se inscreve o primado do digno, da beleza e do lugar no qual se pode extrair um c...

Auroras femininas

Imagem
Por Márcio de Lima Dantas O Rio Grande do Norte detém no seu sistema literário uma pequena plêiade de poetas dignas de constar em qualquer rol de boas mulheres escritoras. Esquecendo as canônicas Auta de Souza, Palmira Wanderley ou mesmo Nísia Floresta (como poeta), que não suportam uma segunda leitura, nem muito menos serem traduzidas para língua nenhuma, servindo apenas para que se repita os lugares-comuns de sempre, à falta de outros nomes existentes. Por que o humano não tolera o vazio é que se justifica o lugar ocupado por essas três personagens nas rumas de antologias publicadas aqui entre nós. Longe de mim destituí-las do valor histórico que compete a cada uma, agora dizer que têm valor estético é um acinte à Érato, musa da poesia lírica. Nem inventem. Respeito enormemente Nísia Floresta como ensaísta e como autora de belos livros de literatura de viagem, agora querer fazê-la poeta, é pouco compreender o fenômeno literário. Assim sendo, prefiro me restringir ao ...

"Carla Lescaut" e a narrativa potiguar no inicio do século XXI

Imagem
Por Thiago Gonzaga “Seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta/romancista já passou por ele antes de mim”. Sigmund Freud Na já famosa obra Literatura em perigo , o filósofo e linguista búlgaro radicado em Paris, Tzvetan Todorov, defende que, o texto literário tem muito a dizer sobre o ser humano, principalmente porque se permite incursionar para além do censurável, revelando assim o indivíduo, o particular, entre outras coisas. Esta é umas das capacidades de incursão que o escritor realiza, adotando o ponto de vista do outro e tentando desvendar os mistérios íntimos do ser humano. Ora, analisemos, apesar de a literatura não ter o compromisso de retratar a realidade, ela é desenhada a partir da verossimilhança, favorecendo a apreensão e compreensão de certo tempo, de um espaço, dos acontecimentos construídos e reconstruídos. Por conseguinte, levará o leitor a refletir, e modificar, a sua leitura de mundo e, de alguma forma, analisar a sua própria...

A poesia reflexiva e existencial de Paulo Lima

Imagem
Por Thiago Gonzaga Quanto mais verdadeiro, mais poético. Novalis O famoso escritor argentino Jorge Luis Borges disse certa vez que, dos diversos instrumentos que o homem usa, o mais assombroso é, sem dúvida, o livro. Para o renomado escritor, o livro é uma espécie de extensão da memória e da imaginação. Retomo o pensamento borgiano depois de ler o livro O ser e a existência   do poeta Paulo Lima. Objeto artístico de muita qualidade visual, a obra contém poemas ateados de modo significativo, ambientados em cenários poético-fotográficos de lugares fantásticos, por onde o autor viajou e registrou através de suas lentes, numa poesia impregnada de lembranças de um mundo visto e vivido, uma poesia quase imagética ou, diria, que se funde à imagem. O ardor do escritor pelos versos e pela fotografia o influencia profundamente e isso está registrado num livro riquíssimo de beleza visual, com versos repletos de sonhos e vida, e que em alguns momentos revelam ce...

Os limites invisíveis de Jarbas Martins

Imagem
Por Thiago Gonzaga   O poeta é o homem universal; tudo o que agitou o coração de um homem, tudo o que a natureza humana, em todas as circunstâncias, pode experimentar e produzir, tudo o que reside e fermenta num ser mortal – é esse o seu domínio que se estende a toda natureza. Arthur Schopenhauer Síntese e simplicidade demostram toda a aptidão criativa do escritor Jarbas Martins neste novo trabalho poético, que simboliza, também, um estado de espírito do  experiente bardo da cidade de Angicos: o da liberdade de criação através de haicais.  Arte originariamente japonesa, o haicai,  pela sua própria natureza, tem característica mais descritiva do que conceitual, por exemplo, e talvez por isto alguns críticos o encarem com certa reserva. Afrânio Peixoto, em seu livro  Miçangas  –  poesia e folclore , publicado em l93l, assim definiu o haicai: “Pequeno poema de três versos, de cinco, sete, cinco pés métricos, respectivamente, que r...

Ficcionistas potiguares, de Manoel Onofre Jr, um livro pioneiro

Imagem
Por Thiago Gonzaga Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é sem dúvida, o livro. Jorge Luis Borges O escritor Manoel Onofre Jr. tem desempenhado importante papel na pesquisa, exposição e promoção da literatura potiguar, principalmente nos últimos 35 anos. Desde a publicação da obra Estudos norte-rio-grandenses (Prêmio Câmara Cascudo de 1978) o autor vem pesquisando e divulgando novos nomes, especialmente, os que praticam a prosa. Assim, ao mesmo tempo em que desenvolve sua já laureada carreira como contista, cronista e ensaísta, o estudioso também organiza obras decisivas e extremamente importantes para a nossa história e cultura literária. Além do premiado livro referido anteriormente, destacamos, também, Contistas potiguares , Salvados - livros e autores norte-rio-grandenses , (que, ano passado, chegou à sua terceira edição), Alguma prata da casa  e Ficcionistas potiguares , livro sobre o qual falamos neste text...

A poesia potiguar na virada do milênio

Imagem
Por Thiago Gonzaga A poesia não quer adeptos, quer amantes. Federico García Lorca Bastante interessante e válido o trabalho organizado pelo poeta areia-branquense Anchieta Rolim, Poemas de Amigos . Publicado recentemente em formato digital, traz uma boa seleção de poemas de uma das melhores safras que o Rio Grande do Norte tem na atualidade, em se tratando de poetas. Ler Poemas de Amigos  me fez relembrar uma frase dita certa vez por Umberto Eco, que definiu o efeito poético como a capacidade que um texto oferece de continuar a gerar diferentes leituras, sem nunca se consumir de todo. Esta é a sensação causada pela leitura do trabalho, em que constam poemas de Anchella Monte, Jarbas Martins, Clauder Arcanjo, Marcos Silva, Jota Medeiros, François Silvestre, Mário Gerson, Lívio Oliveira, Shauara David e muitos outros, onde o signo verbal se transforma a cada nova leitura. Os escritores aí reunidos parecem estar em sintonia quando intuito é deixar um bel...

Damião Nobre e sua trilha sonora literária

Imagem
Por Thiago Gonzaga Antes de qualquer coisa, música. Paul Verlaine Se existe um gênero literário que pode ser classificado quase que exclusivamente como de origem brasileira é a crônica. Deixando de lado o aspecto de erudição do ensaio ou a objetividade do artigo, a crônica nos relata assuntos cotidianos, principalmente de fatos mais pessoais, relacionando-os a contextos locais, como política, futebol, carnaval e música. Não é de admirar que, no Brasil, tenhamos  tantos cronistas ilustres como Machado de Assis,  Carlos Drummond de Andrade,  Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Luis Fernando Verissimo e  outros grandes nomes. No Rio Grande do Norte, na seara da crônica, há uma tradição relativamente nova, se comparada, por exemplo, à poesia. Temos excelentes cronistas, como Newton Navarro, Berilo Wanderley, Dorian Jorge Freire, Manoel Onofre Jr, Vicente Serejo, Clotilde Tavares, Sanderson Negreiros e Woden Madruga, este último, um ícone da crônica ...

Mossoró e Tibau em Versos: Antologia Poética de David de Medeiros Leite e José Edílson Segundo

Imagem
Por Thiago Gonzaga A literatura do Rio Grande do Norte esteve carente durante anos de antologias poéticas. Nossa história literária comprova que poucos livros foram publicados com esta característica, destacando-se as antologias de Ezequiel e Rômulo Wanderley. Todavia, elas se sobressaem mais pela condição de registro histórico do que pela qualidade literária. No final dos anos noventa vieram as antologias de Assis Brasil e Constância Lima Duarte e Diva Cunha com um panorama do que se tinha publicado no estado até então. Essas foram antologias com um rigor mais critico.  Veio também uma antologia temática –  Poesia Viva de Natal  – organizada por Manoel Onofre Jr. No inicio do século XXI, junto com  um número expressivo de editoras e uma nova geração de escritores no Estado surgiram a necessidade de novos trabalhos do gênero.  Pois, além da importância histórico-literária, antologias são fontes de referência e consulta para pesquisadores ...