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Mostrando postagens com o rótulo Manoel de Barros

Inventadas conversas: Guimarães Rosa, Manoel de Barros e o folclore

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Por Guilherme Mazzafera Ao retornar ao Brasil após a experiência alemã (1938-1942) e o período em Bogotá (1942-1944), João Guimarães Rosa dá início às viagens pelo interior do país, passando pelo sertão mineiro em 1945, na chamada “Grande excursão a Minas”, pelo Pantanal em 1947, e, novamente, pelo sertão mineiro (maio) e baiano (junho) em 1952. Destas últimas resultarão dois textos, “Uma estória de amor”, novela de Corpo de baile que tem como personagem central o vaqueiro Manuelzão, e “Pé-duro, chapéu-de-couro”, espécie de ensaio poético sobre um encontro de vaqueiros ocorrido em Caldas do Cipó (BA). A viagem ao Pantanal, no entanto, parece ser a que mais rendeu textos: “Sanga Puytã”, “Com o vaqueiro Mariano”, “Cipango”, “Ao Pantanal”, “Os índios – sua fala” e, possivelmente, teve alguma influência na composição de “Meu tio o Iauaretê”. Ao contrário da mais que famosa viagem ao sertão realizada em maio de 1952, que contou com a cobertura da imprensa carioca por mei...

Grandes miudezas a Manoel de Barros

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Por Pedro Fernandes Poucos poetas brasileiros terão alcançado entre os leitores a singularidade que Manoel de Barros alcançou, ainda que seja acusado de permanência no mesmo, sobretudo, na ocasião em que se esperou dele a tomada de outro impulso mesmo no seu pequeno universo de miudezas e não tomou. Certamente por escolha própria e sobre essas decisões pessoais não se deve dizer nada mais e acatá-las como um senso do poeta. Cada escritor, a certa altura, mede o já-feito e, mesmo que não tenha para si nenhum projeto literário, faz uma tomada de escolhas que já a própria obra lhe delega. Há na construção de sua obra uma coisa cara aos poetas de hoje e cara para outros nomes de seu tempo. Penso na poética de Thiago de Mello, por exemplo. Esbocemos o mal para depois dizer a estratégia adquirida pelo poeta pantaneiro. É que movido pelo excesso da aparição midiática, por uma necessidade de ser a todo tempo lembrado, por uma ambição sempre capaz de desatinar qualquer obra ou po...

Manoel de Barros, língua para brincar

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A poesia de Manoel de Barros, qualquer leitor atento poderá atestar, nasce no interior de um estágio eterno de infância. Entre a construção poética como um divertimento com palavras e a observação aguda das coisas simples, nesse oásis infante no interior da língua constrói-se pela brincadeira outra via de ler o mundo. Agora, como descrever com a linguagem do cinema esse universo? Há dois títulos (um deles comentamos por aqui ) que tomam a vida do poeta pantaneiro a partir da necessidade de, como a poesia sua, sair do trivial: Caramujo-flor , de Joel Pizzini e Só dez por cento é mentira , de Pedro Cezar. O primeiro título é um curta que traz a poesia de Manoel de Barros na voz de nomes como Ney Matogrosso e Aracy Balabanian, o depoimento de Antônio Houaiss sobre onde melhor situar, na linha da literatura brasileira, a obra do poeta, e a fala de gente como Fausto Wolff, amigo de Manoel. No longa de Cezar, a vida de Manoel é reinventada a partir de sua poesia e con...

Musicar Manoel de Barros

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Por Pedro Fernandes Manoel de Barros e o músico Márcio de Camillo. Foto: Arquivo pessoal de Márcio de Camillo. Não é para qualquer um o trabalho de musicar um poema. Alguns que são gerados para esse fim, outros nem tanto, que o diga João Cabral de Melo Neto, embora seja quase natural deste gênero literário que, com ou sem rima, longo ou curto, ‘portar’ certa musicalidade. Sim, e mesmo a poesia áspera de Melo Neto foi parar nas cifras da música.  Há resultados que não agradam ao ouvido. Mas, entre nós, a lista de trabalhos notáveis é generosa. Autores como José Miguel Wisnik e Caetano Veloso, por exemplo, já compuseram canções a partir de poemas Gregório de Matos; Raimundo Fagner musicou Florbela Espanca, Cecília Meireles, Ferreira Gullar; ou ainda Adriana Calcanhotto com Waly Salomão e tantos outros. Difícil é não existir alguém da música, neste país, que não tenha ido beber na inesgotável fonte literária. Agora, outro músico amplia a lista: Márcio de Camillo. Depois de u...

Só dez por cento é mentira

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Há várias maneiras sérias de não dizer nada mas só a poesia é verdadeira Manoel de Barros Apresentado no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, Só dez por cento é mentira , roteirizado e dirigido por Pedro Cezar, é um original mergulho cinematográfico na biografia inventada e nos versos fantásticos do poeta sulmatogrossense Manoel de Barros. Na sinopse de apresentação do filme – elogiado pela crítica e premiado várias vezes em festivais como II Festival Paulínia de Cinema 2009 e o V Fest Cine Goiânia 2009 – entende-se que seja este um videodocumentário que “ultrapassa as fronteiras convencionais do registro documental. Utiliza uma linguagem visual inventiva, emprega dramaturgia, cria recursos ficcionais e propõe representações gráficas alusivas ao universo extraordinário do poeta”. O filme se constrói alternando sequências de entrevistas inéditas do escritor, versos de sua obra e depoimentos de “leitores contagiados” por sua literatura compondo, des...

Pelos 96 anos de Manoel de Barros

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Hoje, 19/12, Manoel de Barros completa exatos 96 anos. Já desde o começo da manhã estivemos publicando fragmentos de O livro das ignorãças  na nossa fan page no Facebook. Justa homenagem, é verdade. Mas, ao revirar alguns livros na estante, no instante de procura por este livro, encontramo-nos com um pequeno livro, quase um opúsculo, do escritor Ondjaki, há prendisajens com o xão (o segredo húmido da lesma e outras descoisas ), livro que, olhado de relance, tem uma proximidade medonha com o tom poético do poeta brasileiro. Evidente que dedo de Ondjaki está já aí nesse reinventar de palavras. Pois então, recortamos desta edição o poema de abertura, dedicado a Manoel de Barros e uma nota do autor sobre o encontro seu (de certo modo foi um encontro) com o próprio autor d' O livro das ignorãças . Chão palavras para manoel de barros apetece-me des-ser-me; reatribuir-me a átomo. cuspir castanhos grãos mas gargantadentro; isto seja: engolir-me para mim poucochinho a cada ve...

Os desenhos de Manoel de Barros

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Pedro Fernandes Anoto coisas em pequenos cadernos de rascunho. Arrumo versos, frases, desenho bonecos. Manoel de Barros, entrevista para José Castello Já tem alguns anos que o diretor Pedro Cezar filmou Só dez por cento é mentira , filme que descobri já algum tempo, mas ainda não tive oportunidade de ver. Está, desde então, na extensa lista do que preciso assistir. O filme é um trabalho em torno da biografia a partir da obra de Manoel de Barros; o título, aliás, é aproveitamento de uma famosa frase do poeta pantaneiro. É fato que não irei comentar o filme, se ainda não o vi. Mas, começo me referindo a essa obra, porque foi a partir da sua descoberta, que também descobri Manoel de Barros desenhista. Sim, o poeta é um desenhista. Já usei essa frase noutra ocasião: quando se publicaram, encartados à quinta edição do caderno-revista 7faces , os desenhos de outro poeta, os de Márcio de Lima Dantas.  Repito não apenas a expressão. Retomo ainda a ideia que elaborei para o texto de p...

No Pantanal com J. G. Rosa

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Por Manoel de Barros Andamos para ver a roça de mandioca. Tatu estraga muito as roças por aqui. Há muito tatu, Manoel?  Eles fazem buraco por baixo do pau-a-pique, varam pra dentro da roça, revolvem tudo e comem as raízes. Remédio contra tatu é formicida. Fura-se um ovo, bota formicida dentro e esquece ele largado no solo da roça. Rolinha passa por cima e nem liga. Mas o tatu espuga, vem e bebe o ovo. Sente a fisgada da morte num átimo e sai de cabeça baixa, de trote para o cerrado, pensando na morte... Homem é igual, quando descobre sua precariedade, abaixa a cabeça. Já sabe que carrega sua morte dentro, seu formicida. Essa é nossa condição  - Rosa me disse. Falou: eu escondo de mim a morte, Manoel . Disfarço ela. Lembra o livro do nosso Alvaro Moreira? A vida é de cabeça baixa? Deveria de não ser - ele disse.  Chegamos perto da metafísica. E voltamos. Havia araras. Havia o caramujo perto de uma árvore. Ele disse:  Habemos lesma, Manoel. Eu disse: caramujo é q...

A vida e a poesia de Manoel de Barros

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Falar sobre Manoel de Barros é falar da palavra enquanto instância infinita de sentidos. Sua poesia se constrói num denso território semântico mas preenchido de nadas. É o poeta da simplicidade, dos simples, de quem vê o cotidiano com olhos aguçados de poesia. Nascido em Cuiabá, Mato Grosso, em dezembro de 1916, o ofício de poeta confunde-se com o de advogado nunca exercido e o de fazendeiro, tarefa para a qual mais adequou-se pela possibilidade de melhor aproximar-se da construção de um território fértil para sua obra. Pode-se dizer que o poeta é filho da terra. Tinha somente um ano de idade quando o pai decidiu montar a fazenda no Pantanal mato-grossense e, cresceu brincando no terreiro da frente de casa, pés descalços, entre os currais e as coisas simples, elementos juntados, mais tarde, na composição de tons com que pinta os versos.  Aos oito anos de idade foi para o colégio interno de Campo Grande e depois para o Rio de Janeiro. O próprio poe...