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Miacontear - Meia culpa, meia própria culpa

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Por Pedro Fernandes Ilustração de Alan Carline. Fonte: Blog coletivo De chaleira Utilizando o tom confessional já impresso na máxima cristã (adaptada é verdade) que dá título ao conto, “Meia culpa, meia própria culpa” é o relato de Maria Metade - “meios caminhos, meios desejos, meia saudade”. A alcunha Metade  traz impressa as trilhas de sujeito errante. Mesmo sendo Metade, Maria não se conforma com essa situação que a realidade lhe impõe. E cria a outra metade da existência pelas vias do sonho - “Eu tinha a raça errada, a idade errada, a vida errada. Mas ficava no outro lado do passeio, a assistir o riso dos alheios. Ali passavam moças belas, brancas, mulatas algumas. Era lá que eu sonhava. Não sonhava ser feliz, que isso era demasiado em mim. Sonhava para me sentir longínqua, distante até do meu cheiro.” (p.41). Logo, o que essa personagem tem de diferente das personagens femininas que tivemos contato até agora em O fio das missangas é que esta não respeit...

A grande arte de Rubem Fonseca

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Por Javier Aparicio Maydeu Que em seus contos se cometam assassinatos? Isso por si só não condena sua literatura ao gênero noir . Que seus personagens favoritos são detetives? Na verdade, todo grande personagem de ficção o é um de uma forma ou de outra, não? Marcel é um detetive de aparências, Hans Castorp é um detetive de consciências, o Leopardo é um detetive de conflitos sociais, Charles Kinbote é um detetive de textos e imposturas e Nathan Zuckerman é um detetive de identidades. Todos são detetives porque servem a uma missão que chamamos de literatura . E o fato de policiais aparecerem em suas páginas não significa necessariamente que sua obra se prenda à ficção policial.   Por ela, também transitam escritores neuróticos, prostitutas de filmes noir , loiras deslumbrantes com lábios carnudos e vermelhos, saídas diretamente de uma pintura pop de Tom Wesselman ou das letras ardentes de uma bossa nova, pedófilos, desajustados e don juans , funcionários públicos corruptos, detetiv...

Os conselhos de escrita de Clarice Lispector

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Difícil é o ato de escrever. Algo que é recorrente entre todos que lidem, bem ou mal com a palavra escrita, aparece singularizado pela voz narrativa de Manual de pintura e caligrafia , de José Saramago. Também Clarice Lispector singularizou em várias circunstâncias da sua obra, os dilemas com o escrever . Diríamos mesmo que toda sua obra está às voltas com o alcance do centro nevrálgico do dizer por escrito. Mesmo o seu trabalho considerado mais próximo do tipo corriqueiro de organização de um enredo, A hora da estrela , um romance que tematiza igualmente os dilemas de um escritor em desenvolver a história desta jovem vinda da periferia do Brasil para sofrer e virar estrela  no olho do furacão. Benedito Nunes descreveu a escrita da autora de obras excepcionais da nossa literatura como um movimento incessante de vai-e-vem; “escrever é, para Clarice Lispector, submissão a um processo que ela não conduz e pelo qual é conduzida”. De fato. Mas, repousa qualquer coisa de racional numa es...

Palmyra Wanderley

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A autora é pioneira no Rio Grande do Norte. Basta que se cite que na leva de periódicos em territórios de pré- e -Modernismo, ela, juntamente com sua irmã, a também escritora Carolina Wanderley, conduziram a Via-Láctea , não apenas mais um, mas um dos periódicos que teve circulação na capital potiguar. A importância do periódico é que vem conduzido exclusivamente por mãos femininas numa época em que o destaque das mulheres em quaisquer campos ainda era de uma relevância. Sabendo que a vida literária da época estava na formação de grupos que objetivavam a divulgação de seus ideais, um periódico do tipo significa uma voz fêmea a ecoar em terras de voz masculina. O envolvimento com esse periódico relâmpago não fez Palmyra esconder-se e ter valor apenas pelas páginas da Via-Láctea . Encontraremos a autora publicando em tudo quanto é jornal e revista da época, mostrando que Palmyra tinha, sim, desenvoltura no meio literário da época. O...

sobre navegações

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John Karborn a primeira vez que saí de mim foi quando para atravessar o atlântico dos teus olhos. daí pra cá perdi-me não sei mais quem sou nau sem rumo (talvez) vaga levada pela correnteza do tempo * Acesse  o e-book  Palavras de pedra e cal  e leia outros poemas de Pedro Fernandes.

Miacontear - O adiado avô

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Por Pedro Fernandes  Van Gogh.  “ O homem velho com a cabeça entre as mãos ” “- Você não entende, mulher, mas os netos foram inventados para, mais uma vez, nos roubarem a regalia de sermos nós. E ainda mais explicou: primeiro, não fomos nós porque éramos filhos. Depois, adiámos o ser porque fomos pais. Agora, querem-nos substituir pelo sermos avós. ” (p.35) Esta é fala de Zedmundo, Zedmundo Constantino Constante, pai de Glória que acaba de ganhar um filho. Patriarca da família, ele se recusa a ir ao hospital conhecer o neto e se recusa a tê-lo dentro de casa. Novamente o espaço habitado em “O avô adiado” é o espaço da família marcado pela presença ativa do masculino de plenos poderes sobre a mulher.  O silenciamento do feminino é expresso em dois momentos distintos nessa narrativa. Primeiro, quando da recusa de Dona Amadalena, mãe de Glória, ao pedido intercessão a Zedmundo, para que ele se convença em dar vistas ao neto. Segundo, pelo estágio consta...