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José Luís Peixoto

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José Luís Peixoto revela-se com uma singularidade, não inédita, mas da maneira que faz, a torna única, fundir a prosa com o poesia com o intuito de revelar certo universalismo das experiências particulares ou locais. Este é um traço, aliás, recorrente na prosa literária portuguesa de sua geração. No seu caso, por vezes esses dois limites da linguagem combinam-se para determinar o funcionamento da obra, isto é, são responsáveis pelo seu aspecto formal e estrutural. Este gesto decompõe as fronteiras imaginariamente desenhadas entre um modelo discursivo e outro. Está em toda sua literatura, desde Morreste-me  seu livro de estreia. Trata-se de uma escrita que põe em suspensão as maneiras de ser do escrito; está, em muitos casos, impregnada de uma musicalidade que recorda certo princípio da musculatura oral ou a reimaginação dessa oralidade pelo tecido da escrita. Algo herdado possivelmente de um gosto à parte de Peixoto: compor canções. Nesse segmento tem, ao longo de sua...

Os cus de Judas, de António Lobo Antunes

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Por Pedro Fernandes Há livros que oferecem uma resistência natural antes mesmo de começarmos sua leitura. Em torno dessas resistências as questões são variadas. Quando se trata de um livro que marca o fim do trajeto literário de um escritor, por exemplo. Digo isso pensando no recém-lançado Claraboia , de José Saramago, que comecei e ainda não fui ao fim como se estivesse poupando-me daquele sentimento que me invade toda vez que entro numa livraria: a finitude porque sei que o escritor não está mais a escrever nenhum livro que noutras ocasiões me fazia ir a livraria para ficar cá à cata dos dias acompanhando a chegada da novidade, como quem que amamos, de longe, escreve cartas, para nos dar contas do que se passa por algures. Outro modo de resistência é o próprio texto quem nos oferece. Não quero citar pela milésima vez os livros que me obrigaram a vários recomeços até que eu estivesse totalmente certificado de que eu havia conseguido captar seu leitor. Sim, grandes liv...

O pecado da caridade

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Las manos del mendigo . Oswaldo Guayasamín. Dos muitos males convencionados pelo cristianismo, a caridade parece ser ou tornado-se o carcoma que rói a tranquilidade humana. Acredito e muito no poder do próprio homem. Juntos, somos capazes de mover montanhas e a fé é totalmente dispensável nesse caso. Mas, tenho sérias dúvidas daquilo que realmente podemos fazer pelo outro sem o joguete dos interesses ou por livre e espontânea vontade. A ascensão da sociedade capitalista tem dado mostras de que o isolamento não nos faz bem e é por isso que vivemos em comunidade, porque disso até necessitamos, e as boas cabeças sabem claramente que não vivemos sem o outro. Isso, no entanto, não quer dizer que deixamos de ser criaturas menos individualistas; somos, sobretudo, criaturas individualistas: não posso viver só, mas cada um meta-se no seu quadrado. O único momento no qual damos mostra de compaixão (sentimento que antecipa a caridade) é quando todos estão na mesma canoa furada. A t...

Ler a Odisseia (parte III)

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Por Pedro Fernandes Detalhe de um vaso grego.  Pelike  ática de figuras vermelhas do Pintor de Licáon. Data c.-440. Boston, Museum of Fine Arts. Fonte: Portal Graecia Antiqua. (Na imagem) Ulisses no Hades. Ao seu lado o deus Hermes e à sua frente a sombra de Elpenor, antigo companheiro que morre quando da sua passagem pela ilha de Circe. A súplica de Elpenor se insere na trajetória do herói como prenúncio do fim de uma viagem a que qualquer um pode está destinado: o do esquecimento. Aponta para a conservação da memória como necessidade à própria existência. * Comumente nos referimos ao ato de viajar como um processo de fuga do lugar-comum e de renovação do tempo - “Viajar é preciso senão a rotina te cansa”, dirá a música. A experiência da viagem traz implícita ainda o exílio, o desejo pelo desconhecido, pelo crescimento espiritual, em busca de novas vivências e experiências. Se pensarmos mais entenderemos que a nossa própria vida é uma viagem terrena que dura o te...

James Joyce online

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James Joyce, Ulisses . Manuscrito autografado, p.1 (detalhe). Paris (1920). Fonte: The Rosenbach Museum & Library Está para chegar em breve ao Brasil mais uma tradução para Ulisses , o principal romance de James Joyce. A primeira versão do portentoso romance veio a lume em 1966 pelas mãos do filólogo Antonio Houaiss. Depois, em 2005, foi a vez da professora de literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bernardina da Silveira Pinheiro. A nova tradução vem pelas mãos do professor da Universidade Federal do Paraná, Caetano Galindo e sob revisão do tradutor Paulo Henriques Britto. Fora do Brasil, é significativa a confusão em torno da publicação de The cats of Copenhagen publicado no início desse ano pela ITHYS PRESS. Alegam que os da editora não detinham os direitos para a atitude tomada. O desfecho para isso? Não sabemos, mas temos acompanhado.   Confusões à parte e enquanto o novo Ulisses não chega por cá, no início deste mês a Biblioteca Nacional da Irla...

Uns patriotas

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Por Pedro Fernandes Não, não é erro de grafia. Mas, o novo livro de Nelson Patriota, Uns potiguares  (Editora Sarau das Letras) bem assim poderia ser chamado. Porque este é um livro com escolhas aleatórias ou afetivas do escritor. E suas leituras aí apresentadas dispensam qualquer rigor acadêmico. Ficamos diante de um leitor comum que escolhe por no papel e, portanto, abrir ao público, seu modo de ler e como que os diversos temas evocados nesse instante são por ele compreendidos ou como ele os entende do ponto de vista do próprio escritor o enforme de determinadas obras.  A atitude, entretanto, de Nelson é mais que válida. Talvez o cientificismo pesado da crítica literária tenha feito com os leitores comuns - esses que passaram para o espaço da intelectualidade desde meados do Romantismo - se dispersem. Evidente que se seguiu, além disso, uma pesada investida dos próprios de determinado período a se fecharem nos seus universos de palavras e se fixarem num entend...