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A resistência suave do algodão em rama: autoria e crítica nos “Relatórios” de Graciliano Ramos

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Por Vera Romariz Fac-símile dos dois relatórios escritos por Graciliano Ramos no período em que foi prefeito em Palmeira dos Índios, interior de Alagoas. Imagem do Blog da Boitempo Editorial. Os dois relatórios do escritor Graciliano Ramos, publicados no livro Viventes das Alagoas (1962), foram produzidos entre 1929 e 1930, traindo um diálogo entre o texto informativo e o literário, com discreto hibridismo de discursos. Emerge dessas poucas páginas o relato de sua vida pública, fugaz mas significativa, com traços esparsos de uma crítica da realidade social que jamais abandonou; e os vetores críticos de seu texto são o humor e uma subjetividade ácida, anti-institucional, incomuns em documento de convenção tão normatizada pelas instituições, cuja tradição cultural o modela. Relatar supõe construir uma “narração ou descrição verbal ou escrita, ordenada e mais ou menos minuciosa do que se viu, ouviu e observou”, segundo o velho dicionário de Aurélio Buarque. Nesse sentido, ...

A prisão de um comunista que provavelmente não militava

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Por Luiz Sávio de Almeida   Graciliano Ramos em foto tirada durante o período em que esteve preso. Arquivo do DOPS. Rio de Janeiro, 1936. É praticamente demonstrado que o Partido Comunista se estruturou em Alagoas a partir de 1928, somando antigos anarquistas de 1919 e novos componentes. É em 1928 que se funda a primeira célula, na rua São José, residência de Américo Sapateiro que, posteriormente, irá pertencer à Ação Integralista. Antes, ocorriam contatos a partir de Recife e Bahia, sendo possível que Américo tenha realizado a coordenação que resultou na célula em sua casa. Após a greve de Jaraguá e dos demais acontecimentos que marcaram a história da esquerda em Alagoas nos finais da segunda década do século passado, o movimento operário, segundo apreciação de um jornal de feição comunista (editado esporadicamente, desde 1927) havia perdido força, especialmente após o controle – aduzimos – policial das reuniões operárias e do pacto entre maltistas e democratas p...

Duas palavras sobre as imagens (ou vice-versa:) duas imagens sobre as palavras

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Por José Carlos Avellar Cena de São Bernardo . Os amigos discutiam a precariedade do Grêmio Literário e Recreativo, queriam abrir uma biblioteca, “a instrução é indispensável, a instrução é uma chave, a senhora não concorda, D. Madalena?”. Paulo não concorda, “biblioteca num lugar como este! Para quê?”. Acha que não se deve confundir “instrução com literatura de papel impresso”. Madalena concorda com ele: “Assisti um dia destes a uma fita no cinema, e creio que aprendi mais do que se visse aquilo escrito. Sem contar que se perde menos tempo”. No quarto de pensão, grudadas na janela, as moças espiam o capítulo da novela na televisão da casa em frente. Num canto, alguém lê um romance e a todo instante fecha o livro. Interrompe a leitura, olha a capa, abre o livro, lê algumas linhas, volta a ver a capa. Gostava de livros com figuras, e aquele só tinha uma figura na capa. O menino ainda não tem nome nem aprendeu a ler, mas ganhou um livro e está encantado com o presente. ...

Passagens de Graciliano Ramos na Maceió dos anos 30

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Por Simone Cavalcante* Maceió dos anos 30 e o movimento dos intelectuais. Na imagem, da esquerda para a direita: Graciliano Ramos, Aluisio Branco, Théo Brandão, José Auto, Rachel de Queiroz e Waldemar Cavalcante. A passagem de Graciliano Ramos por Maceió durou seis anos e, nesse período, muitos episódios podem ser alinhavados para revelar o mosaico cultural dos anos 30. Os trilhos dos bondes, os itinerários dos canais e das lagoas e os automóveis conduziam uma população, com pouco mais de cem mil habitantes, revelando seus costumes de época – os bate-papos nos cafés e nas praças, os banhos e mar e de bica, as matinês dramáticas e dos folguedos natalinos. É nesse ambiente, em plena ebulição, que o escritor se estabelece com a família. Maceió dos anos 30 começava a assistir à vitória do meio urbano sobre o rural e ainda enfrentava problemas antigos: funcionamento precário da educação e da saúde pública, abastecimento deficiente de água e fornecimento de luz elétrica, amontoam...

A coerência na literatura infantil de Graciliano Ramos

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Por Maria Heloisa Melo de Moraes Folha de rosto da 1ª edição. Desenho de Nelson Boeira Faedrich. Referido sempre como um escritor de linguagem enxuta, despojada, Graciliano Ramos representa para a literatura brasileira uma literatura adulta, voltada para a temática da condição humana, universalizando-se a partir de personagens e cenários regionais. O autor de romances como Vidas secas , Angústia , São Bernardo , com personagens densos e marcantes, é, no entanto, pouco citado como autor de histórias para crianças. Suas produções voltadas para o público infanto-juvenil, porém, apresentam uma proposta ideológica que em anda difere do que caracteriza sua literatura para adultos: a opção por temas universais, questões sociais, a apresentação do ser humano com suas verdades, suas mazelas, seus medos. Em 1937, logo que sai da prisão, Graciliano escreve A terra dos meninos pelados , que recebe neste mesmo ano o prêmio de literatura infantil do Ministério da Educação (MEC). É publicad...

“Luciana” e “Minsk”: contos exemplares do mestre Graciliano Ramos

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Por Enaura Quixabeira Rosa e Silva 1ª edição de Insônia , de Graciliano Ramos. Graciliano Ramos inicia a carreira literária escrevendo sonetos, publicados sob o pseudônimo de Feliciano de Olivença. Em 1915, no Rio de Janeiro, trabalhava como revisor em três jornais: Correio da manhã , A tarde , e O século . Nesse mesmo ano, incursiona pela narrativa por meio de vários contos inéditos. De volta a Alagoas, evolui a literatura brasileira com textos romanescos extraordinários como São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas secas (1938). Na obra Insônia (1947), composta por treze narrativas curtas, destacam-se dois contos, “Luciana” e “Minsk” que revelam um narrador carregado de ternura e compreensão  pelo humano. Colocados um na sequência do outro, os contos trazem como personagem principal uma criança, uma menininha de tenra idade, que ainda não sabe ler, nem alcança o ferrolho da porta, mas que, segundo o tio Severino, “sabe onde o diabo dorme”. E a palavra de tio...