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Pergunte ao pó, de John Fante

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Por Alejandro Jiménez Para ninguém é um segredo que a maioria de nós chegaram até John Fante graças a Charles Bukowski . Fante, ao meu ver, é o mais incrível e imperdoável caso de esquecido numa época; é uma página da literatura estadunidense que, todavia, hoje não alcança superar esse estigma, nem com as sucessivas reedições de sua obra, nem por toda a crítica a seu respeito produzida mesmo aquela escrita por críticos que fingem conseguir alcançar sua compreensão e retirar o escritor e a obra do tempo ou da realidade onde estão metidos. Mas, além disso, o caso Fante é o do escritor que – por superior ironia – a época o desconhece exatamente porque ele a conhece tão bem, tão descarnadamente bem, e bem à sua maneira, o que resulta num nome perigoso de desbravá-lo. A obra do escritor está inscrita entre aquelas sobre as quais é permitido afirmar que de maneira contundente que desenvolve uma preocupação com os destinos desses miseráveis que vivem à própria sorte, com a n...

Herberto, a tempestade que revolve a funda terra dos lagos mais estagnados - sobre Poemas canhotos (parte 2)

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Por Pedro Belo Clara Findamos a primeira parte deste diálogo com a poesia de Herberto Helder em Poemas canhotos falando sobre sensações (de inconformismo e de revolta) e, para agora, gostávamos de avançar sobre outras questões suscitadas pela leitura dessa obra; assim, são deveras interessantes os vislumbres que o próximo poema nos concede no que toca à imagem do poeta enquanto criador: “em boa verdade houve tempo em que tive uma ou duas artes poéticas / agora não tenho nada”. A incursão faz-se pela habitual frustração de quem cria, aliada até a uma certa inutilidade do propósito do acto, que de transcendente nada tem (“mas o mundo, não: nunca senti que o mundo estremecesse sob as minhas palavras escritas”), concluída, apesar de tudo, com o sentimento de dever cumprido (“e quando eu chegava ao fim das linhas escritas, / sabia que estava tudo feito, / sentia que deveria morrer ”). A herança do poema é retomada logo pelo seu sucessor, num período onde a temática se revel...

Boletim Letras 360º #126

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Haper Lee nos estúdios de gravação da adaptação de seu romance O sol é para todos , na década de 1960. Toda semana é muito importante para o Letras in.verso e re.verso. E porque esta tem gostos especiais, gostaríamos de dividir com os leitores os pontos ultrapassados graças ao empenho dos amigos. Pode ser? Primeiro: alcançamos o maior número de visitas no blog numa semana. E olha que nem publicamos textos com nomes que já sabemos fazer sucesso entre diversos públicos de leitores. Segundo: nossa página no Facebook alcançou 18 mil amigos! Sabem o que é isso para um blog que é sustentado apenas pela força de vontade de poucos braços e carinho de vocês? Pois é, demais! Terceiro: Trabalhamos na revisão de todo conteúdo do blog (revisitando textos antigos, removendo postagens desinteressantes, ilustrando textos que estavam sem imagem, enfim). É que já se aproxima do aniversário de 9 anos e gostaríamos de fazer muitos ajustes no espaço para entrar um novo ano com casa limpa e arrumad...

A tarde da sua ausência, de Carlos Heitor Cony

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Por Rafael Kafka Carlos Heitor Cony. Foto: Leo Ramos Conheci a obra de Carlos Heitor Cony muito recentemente, menos de um mês. Neste período, já li dois livros (o romance Pessach: uma passagem e a novela A tarde da sua ausência ) e já tenho mais um (o quase romance Quase memória ) na fila de leitura. Até o presente momento, tenho gostado demais da leitura de Cony por conta da simplicidade aparente que reina em seus textos sempre à serviço de um subentendido mais aprofundado, cheio de nuances e vida. A sua narrativa se delineia por frases curtas, certeiras, uma pontuação que aumenta a sensação de laconismo de uma narrativa que se propõe a dizer muito com pouco e cujo maior foco é o tempo e a memória. Em Pessach , o protagonista Paulo encara um panorama de quarenta anos de vida por um novo prisma, a possibilidade de entrar ou não em uma luta armada pela derrubada do regime ditatorial imposto pelos militares, com o nome de revolução, no ano de 1964, e que já durava bem uns...

Os limites invisíveis de Jarbas Martins

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Por Thiago Gonzaga   O poeta é o homem universal; tudo o que agitou o coração de um homem, tudo o que a natureza humana, em todas as circunstâncias, pode experimentar e produzir, tudo o que reside e fermenta num ser mortal – é esse o seu domínio que se estende a toda natureza. Arthur Schopenhauer Síntese e simplicidade demostram toda a aptidão criativa do escritor Jarbas Martins neste novo trabalho poético, que simboliza, também, um estado de espírito do  experiente bardo da cidade de Angicos: o da liberdade de criação através de haicais.  Arte originariamente japonesa, o haicai,  pela sua própria natureza, tem característica mais descritiva do que conceitual, por exemplo, e talvez por isto alguns críticos o encarem com certa reserva. Afrânio Peixoto, em seu livro  Miçangas  –  poesia e folclore , publicado em l93l, assim definiu o haicai: “Pequeno poema de três versos, de cinco, sete, cinco pés métricos, respectivamente, que r...

As devoradoras palavras de Roberto Menezes

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Por Alfredo Monte «.… é pegar pesado? Acho que não, sem sombra de dúvida, não...» 1 Fiquei tentado a enganar meu leitor, enfatizando o lado “história de vingança”, com toques macabros à Stephen King, de Palavras que devoram lágrimas, romance que faz parte da coleção digital Latitudes (e-galaxia). Não seria uma mentira nem algo descabido. Roberto Menezes não tem medo de incorporar o universo de King ou outras referências da indústria cultural  («ops, fiz de novo, como diria a britney»); no entanto, estaremos mais próximos da radicalidade e do efeito avassalador do texto do autor pernambucano (mas de vivência predominantemente paraibana, salvo engano) se o pensarmos na linhagem de um Paixão segundo G. H. (1964), de Clarice Lispector, ou de alguns filmes bergmanianos (como Através de  um espelho , 1961), no sentido de que derruba as escoras, que escava as fundações, que põe a nu os tapumes que cercam nossa condição humana. A própria narradora...