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Boletim Letras 360º #612

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Mário Cesariny. Foto: Eduardo Tomé   LANÇAMENTOS   Anunciada em 2020, sai agora, enfim, a primeira antologia brasileira com a poesia de Mário Cesariny .   Nascido em 1923, em Lisboa, Mário Cesariny é o grande nome do Surrealismo em Portugal. Desenvolveu uma obra múltipla na qual se cruzam práticas diversas, tais como pintura, colagem, poesia, escrita, ensaio, teatro e crítica de arte. Sua produção, que recusa dogmas de movimento, é um grito pela liberdade, pela imaginação e pela poesia. O navio de espelhos reúne um conjunto significativo de sua arte poética, selecionado e apresentado por Maria Prado Lessa, professora da USP e especialista em sua obra, que também assina um ensaio sobre o autor. São cerca de 80 poemas feitos ao longo de cinco décadas de atividade que buscam formar um panorama da poesia escrita de Cesariny. O livro entrega a Coleção Atlântica, dedicada à poesia portuguesa e coordenada por Sofia Sousa Silva. Você pode comprar o livro aqui .   A HarperCo...

Brutalidade e vazio ainda vivos em “O peso do pássaro morto”

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Por Vinícius de Silva e Souza   Cinco anos depois, reli o romance de estreia de Aline Bei. A primeira leitura, feita quando ainda era mero calouro do curso de letras, foi impactante e cheia de floreios. Já hoje, tanto tempo depois, profissional formado e pesquisador na área de literatura, retomei o livro simplesmente por me ver na pior posição que um leitor pode se encontrar: terminar a leitura de um livro no Kindle, no meio de um trajeto, e não ter mais nada para ler depois. Entre os tantos títulos no aparelho, escolhi reler esse.   E o que primeiro chamou atenção foi a estrutura em versos: na primeira leitura, pareceu um artifício sensacional e inovador. Já agora, em alguns momentos, me foi muito funcional, quando a autora traz palavras precisas e construções originais, dignas da brincadeira linguística que apenas a poesia consegue realizar, enquanto em outros, a sensação de que uma prosa tradicional seria mais adequada veio com força. Pareceu que a autora apenas bateu a tec...

A ópera da Terra ou a linguagem de Gaia: Krakatoa, de Veronica Stigger

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Por Thiago Roney Veronica Stigger. Foto: Eduardo Sterzi   Krakatoa , o novo livro de Veronica Stigger, conta a história do Fim , partindo do último frame do filme Teorema , de Pier Paolo Pasolini, a partir de dentro e de fora dos vulcões, após o grito desesperado do pai de família nu, atordoado, caminhando sobre o vulcão Stromboli, para, com isso, contar a história de outros fins . Melhor dizendo, Krakatoa conta a história, a partir de dentro e de fora dos vulcões, da coisa viva vista e ouvida que culminou em O grito pelo artista norueguês Edvard Munch, para, assim, contar a história do “grande grito da natureza”. Quer dizer, Krakatoa conta a história do grito inebriante e catastrófico do vulcão Krakatoa durante sua erupção em 1883, que deu origem ao “filho” do vulcão, o Anak Krakatoa, em 1927, na Indonésia, para, dessa maneira, contar a história do “feto infernal gestado pela Terra”. Isso significa que, como afirma um certo Eduardo no próprio livro, Krakatoa “não é um romance”...

Uma versão fiel de Pedro Páramo

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Por Ernesto Diezmartínez   Minha afirmação vale como garantia: Pedro Páramo (México, 2024), estreia na direção do multipremiado diretor de fotografia mexicano Rodrigo Prieto, é a melhor versão cinematográfica já feita do romance de mesmo nome de Juan Rulfo, publicado pela FCE em 1955.   Para começo de conversa, esta é uma boa notícia, porque seria preciso dizer que, em geral, a obra de Rulfo não tem tido muita sorte com a sétima arte, embora, até o momento, existam pouco mais de trinta roteiros, enredos e adaptações cinematográficas baseadas ou inspiradas em obras rulfianas, sem contar duas séries de televisão: La caponera (2000) e a recente El gallo de oro (2023). Há duas exceções distantes a esta lamentável regra: o enredo quase borgesiano escrito por Rulfo para o curta-metragem El despojo (1960), dirigido por Antonio Reynoso com fotografia hierática em preto e branco de Rafael Corkidi, e o memorável texto escrito a posteriori para o irrepetível clássico poético-experi...

Max Ernst, poeta da colagem

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Por José de la Colina Max Ernst, 1934. Foto: Man Ray   Quando Max Ernst (Brühl, 1891 – Paris, 1976) era um menino de cachos loiros e olhos celestiais, seu pai — professor de uma escola para surdos e pintor por hobby — fez um retrato dele em tons melosos de azul, rosa e dourado, e intitulou de O menino Jesus , doce carpinteiro ... ou algo parecido. Max pode ter ficado tocado por aquele tipo de pintura kitsch à qual anos mais tarde prestaria irônicas homenagens em algumas de suas obras (por exemplo, a pintura a óleo que mostra a Virgem Maria dando umas palmadas no menino Jesus), mas detestava aquele retrato pintado por o pai, em quem se via como um monstrinho de doçura, ou seja, um exemplo perfeito do que Freud teria rotulado de pervertido polimorfo. E assim que terminou os estudos básicos, em 1918, deixou o retrato acumular poeira em algum sótão escuro e se dedicou a estudar filosofia na Universidade de Bonn, a exercitar sua insônia lendo Nietzsche ou Baudelaire e a imitar as pinc...

Baumgartner, de Paul Auster

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Por Henrique Ruy S. Santos Paul Auster. Foto: Kate Orne   O jovem György Lukács, num dos mais belos ensaios de A alma e as formas , afirma que “o gesto é o salto por meio do qual a alma avança de um para o outro, trocando os fatos sempre relativos da realidade pela eterna certeza das formas. O gesto, para dizer numa palavra, é aquele único salto por meio do qual o absoluto se faz possível na vida” (Lukács, 2017, p. 66).   Pode-se dizer que Baumgartner , último romance de Paul Auster — que faleceu em 30 de abril de 2024 —, publicado no Brasil pela Companhia das Letras com tradução de Jorio Dauster, é a história do esboço de um gesto ou talvez o esboço da história de um gesto. É a história de uma tentativa de criar as formas necessárias para se chegar a uma compreensão do outro e a uma compreensão de si mesmo sem o outro. Nesse contexto, os principais defeitos do livro — sua falta de coesão estrutural, sua insossa errância narrativa, sua indecisão quanto ao que fazer dos te...