Marcel Proust: o aroma dos meninos em flor

Por Luis Antonio Villena

Marcel Proust (sentado), Robert de Flers (à esquerda) e Lucien Daudet (à direita), c. 1894.


 
A ideia terá aparecido — certamente — a partir de um homem apaixonado pelos jovens que pagava e frequentador assíduo de bordéis masculinos, alguns ligeiramente camuflados como banhos turcos, onde chegava a cenas sadomasoquistas. Tudo isso foi negado por Céleste Albaret, sua última e dedicada empregada e cuidadora, mas seu testemunho, nisso, valeu muito pouco. O Barão de Charlus, como personagem, tem algo do próprio Marcel Proust no mais íntimo. Jupien, aquele que comanda o bordel no romance, era na verdade Albert Le Cuziat, a quem o escritor deu a grande mobília da casa de seu pai, e que tinha dois estabelecimentos com prostituição masculina em Paris, o famosíssimo Hôtel Marigny e os Banhos du Ballon d’Alsace.
 
O nome de Le Cuziat — amigo de Marcel, se quiserem, um amigo secreto — aparece em numerosos relatórios da polícia parisiense, que fiscalizava esses estabelecimentos, muitas vezes com clientela distinta, até que foram fechados — os que permaneceram — após 1956. Em um desses documentos sobre o Hôtel Marigny (Rue de l’Arcade 11), datado de janeiro de 1918, o nome de um dos frequentadores assíduos aparece com muita clareza: “PROUST Marcel, 46 anos, rentista, 102 Boulevard Haussmann.” Céleste poderia não atestar, mas aí estava e ainda está o relatório... Então foi só o romancista que foi atrás do chofer Agostinelli, aquele que retirou do Ritz um garçom suíço durante a guerra, chamado Henri Rochat, ou apenas o visitante das casas dos meninos?
 
Isso nos leva a aceitar a frase de William C. Carter em seu livro Proust in Love [Proust apaixonado, em tradução livre]: “Olhando para sua vida amorosa, parece justo dizer que Proust nunca teve um relacionamento sexualmente satisfatório com um parceiro o qual amasse”. O Proust dos vários amores venais não é incerto, mas o jovem que amou e desejou, desde cedo, seus amigos da melhor sociedade, o jovem daquelas “jeunes filles en fleur”, mais como meninos em flor, foi plenamente real e efetivo, como também o demonstra uma riquíssima correspondência que nunca deixou de aparecer. Vale uma rápida revisão.
 
Desde os tempos do curso de Filosofia no notável Liceu Condorcet (1888), Proust começa a buscar amigos que compartilhassem de seu sentimento e sensibilidade homoeróticos. Em alguns só encontraria a amizade, provavelmente não isenta de flertes, não raro entre os jovens sozinhos, mas em outros — dois em particular — encontrou uma resposta óbvia, embora a partir de hoje devamos considerar que não era o que Marcel, no fundo, desejava.
 
Um dos primeiros que conhecemos foi Jacques Bizet (1872-1922), que morreu tragicamente um mês antes de Proust. Jacques — existem cartas muito ternas escritas para ele — acabou por ser médico e homem de negócios, mas também viciado em ópio e morfina, o que o levou talvez ao suicídio. Ele era filho de Georges Bizet, autor da ópera Carmen. Sua relação sentimental com Proust é certa, embora não saibamos se avançou além disso. Bizet era primo de Daniel Halévy, outro dos rapazes pretendidos por Marcel sem sucesso. O conde Robert de Billy (1869-1953) se tornaria embaixador da França no Japão.
 
Marcel também não teve sorte amorosa, mas por um tempo ele foi um amigo próximo daquele que o apresentou a Ruskin e daquele que — pelo seu título — marcou a entrada de Marcel no “beau monde”, isto é, na aristocracia dos Guermantes. O amigo aristocrata foi Robert Pellevé, Marquês de Flers (1872-1927). Robert de Flers será outro dos amados e desejados de Marcel, mas pouco mais.
 
Apenas dois amigos dessa época — já na década de 90 do século XIX — eram realmente mais que amigos, embora a relação verdadeira não pareça ter preenchido a mais profunda e um tanto obscura sensualidade de Marcel: Reynaldo Hahn e Lucien Daudet, ambos mais jovens que Proust. Ligeiro compositor e admirado, Reynaldo Hahn (1874-1947) nasceu em Caracas, filho de pai alemão e mãe venezuelana de origem espanhola. Discípulo de Massenet, Reynaldo, que chegou a morar em Madri durante quase um ano, foi amigo e confidente de Marcel ao longo da vida, quase o único que teve livre acesso ao apartamento do fechado escritor asmático, mas a relação sentimental consumada mal chegou a dois anos.
 
Uma foto de Reynaldo (1894) jovem com bigode é dedicada “À mon petit Marcel”. Proust chamava Hahn de “Mon cher petit Binibuls”. Mas, sem dúvida, a relação amistosa-sentimental mais completa — e conhecida — de Proust (um ano depois do famoso retrato de Blanche, com a gardênia na lapela) ocorre com Lucien Daudet (1876-1946) de suave ar afeminado. Jean-Yves Tadié diz “rosto terno e um tanto efeminado”. Lucien era filho do escritor Alphonse Daudet e irmão mais novo do político nacionalista Léon. Parece que Lucien se apaixonou pela “palidez lunar” de Proust com quem teria amizade e sexo, embora também não parecesse ser o que Marcel almejava.
 
Amigo do pintor Whistler e depois de Jean Cocteau, Lucien teve uma carreira literária ocasional, que termina em 1941 com uma biografia de seu pai. A relação Proust-Daudet fica tão clara que o cronista (homossexual) Jean Lorrain a comenta. Proust, cavalheiresco, desafia-o para um duelo que nunca foi realizado. A famosa foto de 1893 que mostra Marcel sentado no meio de Flers e um delicado Daudet em pé, diz quase tudo. Mas não terminou.
 
Os mais impossíveis (mas amigos) “meninos em flor” seriam os aristocratas de um pouco mais tarde, desde o príncipe romeno Antoine Bibesco ao visconde Robert d’Humiéres, o marquês Boni de Castellane (gay) ou o belo Armand de Gramont, Duque de Guiche, em cujo casamento em 1904 um discreto Proust é descoberto. Todos esses elegantes e refinados são modelos possíveis para Saint-Loup e aqueles desejados em vão por Marcel. Os rapazes em flor preenchem, de uma forma ou de outra, a vida sentimental do romancista entre 1888 e 1905. Mas faltava a Proust algo que o conduzisse a um mundo, vimos, menos dizível.
 
O primeiro poema sobrevivente de Proust (um soneto), dedicado ao impossível Daniel Halévy, entre cujos papéis foi encontrado, intitula-se, não por acaso, “Pédérastie” — falamos à maneira grega, é evidente — ​e data de novembro de 1888.
 
Pederastia
 
Se tivesse uma grande bolsa cheia de ouro ou dinheiro de cobre
com coragem em minha mente, lábios ou mãos
deixando minha vaidade — cavalo, livro ou senado —,
Fugiria, ontem, esta noite ou amanhã
para um campo de framboesa — esmeralda ou carmim.
Sem rústicos tédios, vespas, geadas ou orvalho
Gostaria de sempre mentir, viver ou amar
com uma doce criança, Santi, Pedro ou Fermín.
Fora com o tímido desprezo dos homens prudentes!
Neve, pombas! Cantem, olmos! Amarelo, maçãs!
Até minha morte eu quero respirar seu perfume!
Sob o ouro dos sóis vermelhos, sob a madrepérola das luas
Quero... desaparecer e pensar que estou morto
longe das sentenças fúnebres de importunas virtudes! 


* Este texto é a tradução livre para “Marcel Proust: el aroma de los muchachos en flor”, publicado aqui, em El Cultural.

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

11 Livros que são quase pornografia

Elena Garro, uma escritora contra si mesma

Dez poemas e fragmentos de Safo

Boletim Letras 360º #639

Com licença poética, a poeta (e a poesia de) Adélia Prado

O manuscrito em que Virginia Woolf anuncia o seu suicídio