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Mostrando postagens com o rótulo Rafael Bonavina

Deixa disso, camarada, me dá um clássico

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Por Rafael Bonavina Figl-Migl. Foto: Guy Johansson I   A abertura deste poderia ser uma expressão como “os anos passam, os bons livros ficam”, porém cada vez mais vemos livros sendo proibidos, tirados de circulação, censurados e até destruídos. Então será que os bons livros de fato ficam ou apenas estão ficando ? Esse apagamento do passado parece marcado pela suspeição e pelo medo, como uma tumba que, aberta, pode revelar algum tipo de maldição ou vírus desconhecido. Em certo sentido, podemos dizer que é uma parte importante do trabalho dos intelectuais a preservação dessa fortuna cultural que se encontra em constante xeque.   No entanto, aceitar a ideia de uma literatura canônica sem quaisquer ressalvas seria ignorar as importantes discussões que vêm sendo feitas nas últimas décadas acerca das bases excludentes desse conceito. Diversas culturas são excluídas disso que se convencionou chamar de cânone, criado como uma espécie de legitimação do domínio cultural eurocêntric...

Entre a cruz e a foice: estudo do ensaio “Sonhos e fantasias”, de Dostoiévski

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Por Rafael Bonavina   Como se sabe, Fiódor Dostoiévski manteve uma coluna chamada Diário do escritor de 1876 até a sua morte em 1881, e alguns textos ainda foram publicados postumamente. Nessa seção, o escritor publicava diversos tipos de textos, como ensaios, críticas literárias, comentários políticos e filosóficos, respondia às cartas dos leitores (reais ou fictícios) e polemizava com os escritores de outros jornais, tanto conservadores quanto liberais. Também é no Diário do escritor que alguns dos seus contos mais conhecidos são publicados pela primeira vez, como o célebre “Sonho de um homem ridículo”.   Os textos não-ficcionais apresentam uma característica que nos será muito interessante, pois contrariam uma lógica fragmentária ao lidarem com as questões candentes do seu tempo. Ou seja, o autor de Crime e castigo não se detinha sobre um único assunto sem se desviar dele, tratando-o como um objeto isolado; pelo contrário, Dostoiévski tece reflexões sólidas que transitam...

O estranho caso dos poemas de Gullar que não chegaram à URSS

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Por Rafael Bonavina   Ferreira Gullar, 1965. Foto: França. Arquivo Correio da Manhã (Reprodução) O grande poeta maranhense Ferreira Gullar é um daqueles escritores que, apesar de sua obra importantíssima, ainda se encontra praticamente não traduzida; só aqui e ali encontramos algumas traduções de excelente qualidade. Porém, é preciso chamar a atenção para um caso bastante peculiar em que alguns de seus poemas poderiam ter alcançado outro idioma, mas morreram na praia, ou melhor, na neve. Para isso, começaremos por uma breve explicação de como Gullar foi parar na União Soviética em plenos anos 1970.   Como sabemos, o poeta maranhense era bastante incômodo para a Ditadura Militar por causa da sua atuação política, tanto poética quanto militante; diga-se de passagem, que não se tratava de um ator de segunda categoria, e sim de importância fundamental naquele momento. Por exemplo, sua voz grave e impactante era muito requisitada para a narração de filmes do Cinema Novo, como Maior...

Slovo patsaná, a série

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Por Rafael Bonavina A dissolução da União Soviética não foi apenas um trauma para os que a vivenciaram e sentiram na pele os vários efeitos da dissolução de um país. É claro que isso não aconteceu da noite para o dia, foi um processo histórico que pouco a pouco minou as fundações dessa sociedade até que o edifício como um todo ruiu. Em outras palavras, a infraestrutura implodia e levava consigo a superestrutura. Não é à toa que a transição gerou — e ainda gera — muito debate a respeito das suas causas e consequências. Como não poderia deixar de ser, o polêmico tema também foi tratado na cultura, e vemos diversos poemas, romances, filmes e séries que o desenvolvem.   Um dos casos mais interessantes feitos nos últimos anos é a série de oito episódios Slóvo patsaná: krov na asfálte (2023), dirigida por Zhora Kryzhovnikov. Apesar do seu imenso sucesso na Rússia e em diversos países pós-soviéticos, a série não conseguiu atingir o Ocidente com a mesma potência, em muito por causa da gra...

Verdades às gargalhadas: a sátira aguda de Zóschenko

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Por Rafael Bonavina Mikhail Zóschenko. Foto: V. Presniakov Ao longo de toda a história da literatura russa moderna, e inclui-se aqui também a soviética, a censura foi uma desagradável e permanente instituição da vida literária. Em alguns momentos, claro, os atentos olhos dos censores fizeram vista grossa para alguns excessos e para as críticas feitas nas obras publicadas. Já em outros, a censura parecia a espada de Dâmocles, sempre pronta a cair sobre algum desavisado, e até mesmo um avisado, mas inconveniente.   Apesar desses breves momentos de respiro nessa longa história de mordaças, a sátira sempre esteve sob estrita vigilância, pois esse tipo textual é capaz de incomodar profundamente os defensores de pensamentos totalitários com sua cáustica derrisão. Além disso, quando habilidosos, os satíricos conseguem trazer à tona as contradições da sociedade por meio de coisas do cotidiano. Uma conversa no trem, uma reunião de colegas, uma visita desagradável… todos esses são excel...

Do mito à literatura, uma nova tradução de Meletínski

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Por Rafael Bonavina Eleazar M. Meletínski, meados de 1950. Foto: Lidia Iakovlevna Guinzburg.   Recentemente foi lançada uma nova tradução da obra do importante pesquisador russo Eleazar M. Meletínski (1918–2005) que complementa o seu material já publicado no Brasil. Meletínski foi um dos mais importantes estudiosos da poética histórica e da relação entre literatura e mito, seus livros continuam editados na Rússia e no mundo até hoje e são amplamente lidos pelo público interessado. O reconhecimento da sua contribuição para o campo fica evidente pela honrosa homenagem da Universidade Estatal Russa de Humanidades (RGGU), que deu seu nome ao Instituto de Estudos Superiores de Humanidades (IVGI).   No Brasil, a obra de Meletínski já conta com uma importante tradução para o nosso idioma do livro Os arquétipos literários (originalmente publicado em 1994), ainda usado como bibliografia fundamental para muitas disciplinas e cursos universitários. Apesar de ser relativamente curto, o ...