Trakleanas

Por Eduardo Galeno

Paul Klee. Angelus Descendens. 1918.



Heidegger foi um dos que aproximaram poesia e pensamento.
Sim.
Provável que Trakl a tenha procurado.
Nesse motivo de interação, a suspensão da língua dá o seu modo de aparecer.
E o que chegam?
As tentativas e as frustrações.
 
Viciado em cocaína e ópio,
farmacêutico formado
e em pleno rebuliço da guerra de 14,
espreitava também sua irmã;
significava a total adesão
ao lusco-fusco existencial.
 
Entrar em Trakl é tão simples quanto lê-lo:
imagens límpidas, mas igualmente
fogosas. Enjambement certeiro.
O universo é um embarcar na interioridade e,
sempre salvaguardando a palavra,
ecoa a risca entre o verbo e a estrela. Absorve.
 
Lemos Salmo e, infiltrados na floresta escura, nas figuras
(que servem a ele como empecilhos no papel de luta contra a floresta)
nos vemos deslocantes da ideia sobre a unidade da escuta.
Georg fora destinado a cumprir o eon do declínio pelas esferas que o construíam:
a luz, a taberna,
o vinhedo, o aposento.
 
Aí, na primeira estrofe, se quebra já o inexprimível
trajeto da queda. A luz é fraca, os sentidos são aguçados pela destemperança
— à Rimbaud —, a plantação permanece seca, a casa é mascarada.
O cosmos conversa com o poema.
O poema, flama, emudece a natureza.
Mas a natureza grita os nomes para ele.
 
O panteísmo é um tipo de subterfúgio que a sociedade burguesa legou
para reinterpretar o fracasso (o silêncio eterno).
“Oh, nosso paraíso perdido.”
situação que não só destrói o mito,
mas que o abre para a abertura do Poema.
“De quartos cinzentos saem anjos com asas sujas de excrementos.” fecha.
 
Enquanto a roda do mundo rola como se não pudesse ouvir sua voz,
Trakl regurgita pelas próprias palavras que aprendeu o mistério do símbolo.
O significado disso, e fim, é que a sua ação é ação de desejo (em outras palavras: redenção)
Trakl parece mais um rockstar como Morrison do que um poeta como Rilke.

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