Carlos Drummond de Andrade e a poesia de todos os tempos

O livro de Carlos Drummond de Andrade, dentre as dezenas livros
de prosa e verso que publicou, que mais me diz de sua própria obra é o de
poesia A rosa do povo. Mas, toda superioridade
que dou a ele será vã se olharem para meu currículo de leitor e notar a
presença de apenas esse livro como um dos lidos ponta a ponta por mim. Como todo
mundo já deve ter feito – e está aí o caráter de liberdade da poesia – li já muitos
esparsos. Agora, se em vida eu conseguir ler apenas A rosa do povo terei, com plena convicção, lido aquilo que de mais
significativo produziu o poeta, afinal, todo escritor tem, em algum momento de
sua vida literária, aquilo que comumente podemos chamar por epifania. O limite
ou topo, para usar uma linguagem rasteira. Isso porque A rosa do povo assinala como o livro que atravessa a vida do poeta
e o seu tempo e num só instante é capaz de, para o leitor, alargar-lhe os
sentidos e as fronteiras da existência.
O
primeiro poema a causar celeuma entre os literatos do seu tempo foi “No meio do
caminho”, publicado originalmente na Revista de Antropofagia. Se os
modernistas assistiram a tudo com todo fulgor do movimento, sim, por Drummond,
não tendo participado diretamente do Grupo de 22, soube assimilar, do interior
de Minas Gerais, tão mais integralmente o que propunha o modernismo que os
próprios que tocavam o espírito moderno em São Paulo. Depois, talvez
incentivado pelos rasgos críticos do poema-enigma, o poeta decide por custear
uma edição de seus próprios textos. Também, o próprio Mário de Andrade, com
quem se correspondia já desde o nascimento de seu periódico A Revista terá
lhe aconselhado, ao saber do interesse repentino do poeta em destruir a
produção literária incipiente: “Você me falou que eu não me espantasse se um
dia você rasgasse o seu caderno de versos. Isso você não tem direito de fazer e
seria covardia. Você pode ficar pratiquíssimo na vida se quiser porém não tem
direito de rasgar o que já não é mais só seu, que você mostrou pros amigos e
eles gostaram.”¹ Isso porque Mário de Andrade tinha já conhecimento dos poemas
escritos por Drummond até aquele período e em alguns terá feito até sugestões,
como o poema “Nota social” (ver imagem acima, do datiloscrito), que sairá no
livro autocusteado.
E, em 1930, aparece Alguma
poesia, o livro que, em definitivo, revelou o poeta. Até então eram os
versos publicados esparsamente nas revistas literárias. Na edição, reaparece a versão
definitiva de “No meio do caminho”, seguido de outros clássicos como “Poema de
sete faces”, que inaugura a ideia do poeta gauche, “Infância”, “Quadrilha”,
entre outros. O livro de estreia foi suficiente para locar o autor no rol dos mais
importantes nomes da cena literária brasileira, como afirma Bandeira em carta:
“Muito obrigado pela remessa de Alguma poesia e da dedicatória do
delicioso poeminha da Política literária. O seu livro é dos mais puros da nossa
poesia. V. com mais três ou quatro são os poetas que me satisfazem: gosto desse
seu lirismo de aporrinhado e quanto à forma, à expressão não tenho nenhuma
restrição: nenhuma falta de gosto, nenhuma descaída, nenhuma palavra dessas que
a gente acha pau ou besta nos outros. Nenhum poema insignificante, tudo
medular. Por aqui a impressão geral (geral entre os nossos) é ótima: impressão
de raro e de sólido.”²
Alguma poesia traz
consigo já bem elaborado todos os trajetos temáticos pelos quais se guiará o
poeta nos livros seguintes.
A título de fazer um recorte da sua vasta obra, o Letras preparou um fôlder com os poemas mais conhecidos de Drummond, outros nem tanto, mas todos, indispensáveis para uma panorâmica de sua produção poética. Antecede a compilação dos textos, um ensaio do Professor Alcides Villaça escrito para a edição 25 da extinta Revista Entrelivros, que neste número propôs um dossiê sobre a obra do poeta mineiro. O ensaio se preocupa em ler o que Villaça denomina por enigma em Drummond.
Novidades em torno da obra drummondiana
Em 2009, foi apresentado um inédito com poemas de Carlos Drummond escritos antes do livro de 1930. A edição foi publicada agora, em 2012, pela Cosac Naify com título de Os 25 poemas da triste alegria. O Letras fez uma postagem sobre e trouxe alguns inéditos. Vá por aqui.
Também a Cosac Naify publica uma edição crítica com poemas que vão de 1930 a 1960, reunindo deste modo uma dezena de livros do poeta.
Notas:
1 Carta datada de 8 de maio de 1926. O texto está no livro Cartas a Mário, p.213-219, publicado em 2002 pela editora Bem-Te-Vi.
2 Carta datada de 8 de maio de 1930.
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