Simbolismos vanguardistas no cinema

Por Diego Moldes


Recorde de Fausto, de Alexander Sokurov


 
O que é o simbolismo?

Ao contrário do que se lê em milhares de livros, o cinema não nasceu em 1895, com os irmãos Lumière, mas em outubro de 1888, em Leeds, quando Louis Le Prince realizou o primeiro filme da história. Cento e trinta e seis anos de história cinematográfica se passaram, portanto. A cinematografia ainda é uma forma de arte jovem em comparação com outras artes antigas, mas já possui tempo e uma produção vasta, fértil e diversa o suficiente para afirmar que suas linguagens heterogêneas e seus períodos de crise e esplendor, de vanguarda e decadência, são maiores do que aquilo que os historiadores do cinema podem registrar ou conhecer. Estamos falando de mais de meio milhão de longas-metragens e mais de um milhão de títulos, se incluirmos curtas e médias-metragens. Ninguém viu nem cinco por cento dessa produção: em uma longa vida, nenhum pesquisador consegue ver sequer cinquenta mil filmes. Em outras palavras, desconhecemos mais de noventa e cinco por cento do cinema mundial. Portanto, toda a nossa visão é inevitavelmente enviesada.
 
Nestes textos, tratarei, leitor, sobre os diferentes simbolismos de vanguarda na história do cinema. Mas, para fazê-lo adequadamente, precisamos primeiro explicar e definir o que é cinema de vanguarda, o que é um símbolo e o que é o simbolismo ou simbolismos.
 
Se considerarmos a vanguarda como a ruptura, experimental e transgressora, no caso do cinema, existem diversos movimentos históricos de vanguarda, dependendo da cinematografia nacional que analisemos. De maneira geral, no cinema ocidental (entendido como cinema europeu-estadunidense), poderíamos estabelecer três fases: as vanguardas do período entreguerras (lato sensu 1914-1939, stricto sensu 1919-1939), as do início do cinema moderno (no caso dos novos cinemas europeus, aproximadamente de 1957 a 1969; no caso do cinema estadunidense, de 1959 a c. 1975, com um período de grande transgressão de 1968 a 1973), e as do cinema de vanguarda da década de 1990, as do fim do cinema analógico e o início do cinema digital (de 1993 a c. 2000). Poderiam me perguntar: uma quarta fase poderia ser adicionada no início do século XXI? Sim, mas não é prudente fazê-lo, pois não há distância cronológica e cultural suficiente para analisá-lo com critérios históricos.
 
Um grande filme é quase sempre vanguardista, pois antecipa formalmente seus contemporâneos. Mas o que é um grande filme? O que separa um bom filme de um grande filme é a capacidade de surpreender o espectador, de inovar, de fazer um uso diferente e altamente desenvolvido da imaginação vanguardista. A imaginação é a chave para contar histórias e o único elo válido entre a narrativa e a poética, entre a arte do enredo e a arte poética.
 
No caso específico do simbolismo no cinema — isto é, na construção de filmes a partir de uma perspectiva simbólica, considerando seu enredo, estrutura e discurso a partir do símbolo e no símbolo — o que devemos esclarecer é o que é a imaginação simbólica no cinema e em que ela consiste. Só então seremos capazes de distinguir entre um filme com símbolos, isto é, simbólico, e um filme de símbolos, isto é, simbolista, coisas bem diferentes. Embora... espere. Você provavelmente está pensando, caro leitor, o que é um símbolo?
 
Um símbolo é um tipo de signo em que a relação entre a coisa (o significante) representada e seu significado (o que representa) é arbitrária e produto de uma convenção cultural. Esta seria a definição canônica. Para mim, o símbolo também é uma realidade universal, de natureza transcendente. Acredito, com René Guénon, que o símbolo é universal, inconsciente e hierofânico (hierofania: ato de manifestação do sagrado), como também afirmou Mircea Eliade. Portanto, o símbolo é uma realidade espiritual que escapa à semântica e à análise visual ou cinematográfica.
 
Ferdinand de Saussure escreveu o seguinte sobre o símbolo: “O símbolo tem como característica não ser jamais completamente arbitrário; ele não está vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o significante e o significado.” O que era verdade para o símbolo linguístico é igualmente verdade para o símbolo artístico ou visual e, portanto, para o cinematográfico. Porque, na realidade, não existe um símbolo cinematográfico, mas um símbolo apenas: “Os símbolos permanecem símbolos onde quer que sejam representados”, escreveu-me meu amigo Alejandro Jodorowsky. Isso significa que o símbolo, em uma obra cinematográfica ou literária, é a manifestação artística (visual, plástica, fílmica) por meio da imaginação de uma realidade espiritual. Ou seja, poética.
 
Bom, a própria definição contém intrinsecamente dois problemas aparentemente insolúveis. Primeiro, o reconhecimento das próprias limitações da linguagem escrita: existe a crença de que a imagem cinematográfica só pode ser plenamente explicada por meio da própria imagem cinematográfica, ou seja, somente as imagens podem explicar em sua totalidade — cf. defendido, por exemplo, por Jean-Luc Godard em História(s) do cinema — as palavras, devido às suas próprias limitações ontológicas, não conseguem explicar outra realidade intangível (mas descritível) como é a imagem em movimento. As limitações intrínsecas à linguagem escrita também são evidentes ao se analisar os símbolos em uma obra de arte. Um símbolo só pode ser plenamente analisado e explicado por meio de outro(s) símbolo(s). (cf.  Ludwig Wittgenstein no Tractatus Logico-Philosophicus).
 
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Além disso, “todo símbolo é reversível”, disse-me Jodorowsky, um conceito presente em todas as mitologias tradicionais, sejam elas cosmogônicas — da Grécia ou do Gênesis hebraico, por exemplo, ao Abhidharma budista ou ao Bhagavata Purana do hinduísmo — teogônicas, antropogênicas, fundacionais ou escatológicas (grande parte da ficção científica moderna utiliza mitos e símbolos tradicionais para explicar o fim do mundo).
 
As narrativas cinematográficas modernas frequentemente recorrem ao símbolo, integrado em uma ficção não simbolista, simplesmente para tornar crível o mito (do grego μθος, mythos, “relato”, “história”). Um mito para explicá-lo, contê-lo, torná-lo explícito e relacioná-lo. Uma relação arbitrária que, no entanto, o espectador, assim como os leitores têm feito há séculos, compreende rapidamente, uma vez que tal símbolo está inserido em uma narratologia coerente, isto é, em um relato (mythos). Por exemplo, um punhal, do tamanho de uma faca, “simboliza o desejo de agressão, a ameaça não formulada e inconsciente. Servo do instinto da mesma forma que a espada do espírito, o punhal denota, com seu tamanho, o poder ‘curto’ da agressão, a falta de visão elevada e autoridade superior”. Dependendo do tipo de história e do tamanho do punhal, seu simbolismo torna-se reversível, como nos disse Alejandro. Assim, a faca de cozinha com a qual Norman Bates assassina Marion Crane em Psicose (1960) não é a mesma faca em Sangue ruim (1989), ou a faca cerimonial de sacrifício que vemos em antigas culturas ameríndias, como Apocalypto (2006) explica sobre a cultura maia iucatecana (a usual era uma faca de sílica, com a qual o sacerdote arrancava o coração do sacrificado e logo o decapitava). Um símbolo reversível, de símbolo mortuário a símbolo do sagrado, do divino. Meu caminho não é estruturalista e, embora tenha lido textos de Lévi-Strauss, minha leitura e visualização do cinema simbolista não são de forma alguma científicas ou uma exegese da antropologia estrutural.
 
A noção de símbolo e cinema
 
Em 1964, Gilbert Durand publicou A imaginação simbólica. O livro foi um marco no estudo do simbolismo das imagens e da imaginação como força motriz e propulsora dos símbolos do inconsciente expostos em toda obra de arte: "O símbolo é, pois, uma representação que faz aparecer um sentido secreto; é a epifania de um mistério.” Mais uma vez, a noção de símbolo está ligada ao misterioso, ao espiritual oculto que emerge na realidade visível ou sensível. Essa definição de símbolo, embora incompleta, é perfeitamente aplicável ao cinema se considerarmos que epifania vem do grego epiphanéia, que significa “aparição” termo-chave para a compreensão do símbolo no cinema em geral e no filme de terror em particular, não apenas em sequências de assassinatos ou mutilações, mas também em todas as ocasiões em que essa aparição parece que vai se materializar e não se materializa: a ausência da aparição também gera uma tensão psicológica, a da “não aparição”. Este é o germe do cinema de terror. Durand busca estabelecer uma definição a priori do que é um símbolo: “signo que remete para um indizível e invisível significado e, deste modo, sendo obrigado a encarnar concretamente esta adequação que lhe escapa, e isto através do jogo das redundâncias míticas, rituais, iconográficas, que corrigem e completam inesgotavelmente a inadequação”.
 
Durand também dá importância à tese sobre o símbolo do pensador Paul Ricœur quando, em A simbólica do mal, classifica todo símbolo concreto em três dimensões: a cósmica, a onírica e a poética (no sentido de invisível e inefável). Ricœur define desde o início a noção inicial de símbolo: “O sonho e seus análogos se inscrevem, assim, numa região da linguagem que se anuncia como lugar de significações complexas, onde outro sentido a um só tempo se revela e se oculta num sentido manifesto ou imediato; chamemos de símbolo essa região de duplo sentido”. E imediatamente a seguir, Ricœur acrescenta que para ele um símbolo é “a manifestação de algo mais que vem à tona no sensível — na imaginação, no gesto, no sentimento — a expressão de um fundo, como a revelação do sagrado, do qual também se pode dizer que se revela e se oculta”. O cinema simbolista oscila, com sucesso variável, entre essas dimensões do símbolo, o cósmico, o onírico e o poético. A tese de Ricœur me parece coerente. E, talvez mais relevante para a nossa compreensão do símbolo no cinema, Durand estabelece uma classificação, utilizando vários métodos hermenêuticos, das diferenças entre signo, alegoria e símbolo — o que Durand chama de os modos de conhecimento indireto. Remeto o leitor a essas distinções para não confundir termos comumente usados, como signo, alegoria e símbolo.
 
Serei guiado mais pela intuição, pelas leituras acumuladas e pelas repetidas visualizações de filmes, do que pelo uso de um aparato metodológico preciso. Durante o desenvolvimento da cinefilia e da crítica, já na era do cinema mudo e ao longo das décadas de 1930 e 1940, mas especialmente após a influência da crítica francesa a partir da década de 1950, entendia-se que um filme não deveria ser analisado ou julgado apenas pela perspectiva do objeto em si, mas como o resultado de um processo, inserido no corpus fílmico de um autor. Desde meados da década de 1990 — com a disseminação da internet (c. 1994-95) e do formato DVD (desde 1997) — e a introdução massiva das plataformas VOD (a partir da década de 2010), quando a política de autor parece ultrapassada e, em muitos aspectos, artificial e desnecessária, surgiu a possibilidade de assistir a toda a filmografia de um cineasta de uma só vez, em sequência. As novas tecnologias permitem que qualquer pessoa acesse quase todos os filmes de um diretor ou roteirista, em praticamente qualquer hora e lugar. Assim, ao concentrar a visualização de suas obras em poucos dias ou semanas, a perspectiva muda significativamente.
 
Deixe-me dar um exemplo. Um crítico que começou a assistir aos filmes de Hitchcock em 1950 poderia escrever sobre eles e modificar sua perspectiva ao longo dos anos, assistindo-os uma ou várias vezes, não muitas, até a aposentadoria do mestre dos mestres. Agora, a tecnologia nos permite assistir aos cinquenta filmes do gênio inglês inúmeras vezes. Ou assistir e rever em uma única semana os meros dez longas-metragens que David Lynch lançou nos seus trinta e cinco anos de atividade. Nossa visão de um corpus inteiro de filmes muda invariavelmente. Ou deveria. É verdade que as cinematecas e seus ciclos de exibições já existiam antes, e era possível assistir a esses filmes uma ou duas vezes. É verdade. Mas não era possível parar cenas, retroceder ou avançar, congelar a imagem em busca de algo que nos escapasse ou permanecesse oculto (um símbolo, por exemplo), ou ativar, quando disponível, as opções de comentários em áudio, nas quais o diretor, o roteirista, o produtor ou o ator de plantão comentam, com graus variados de sucesso, as sequências que se desenrolam diante de nossos olhos. Até mesmo alguns formatos domésticos, tanto o DVD quanto o Blu-ray, permitiram a criação de ensaios visuais que acompanham e complementam a exibição e a análise de filmes no âmbito doméstico. E isso abriu opções pedagógicas de uma maneira que mesmo agora apenas conseguimos vislumbrar.
 
Em suma, a recepção de obras cinematográficas mudou. E isso beneficiou os cineastas mais densos ou reflexivos, aqueles que acreditaram na metafísica e no cinema como meio de representá-la, empregando tropos, figuras retóricas e, às vezes, até símbolos. Para o ensaísta, que décadas atrás dependia de sua memória — corretamente descrita como traiçoeira porque é —, agora tem uma tarefa mais fácil e, ao mesmo tempo, mais exigente e complexa. Nada é, ou deveria ser, sujeito ao acaso ou ao capricho, porque, repito, qualquer pessoa pode analisar qualquer filme a qualquer momento. Para o bem ou para o mal. O que se perde na magia daquela primeira memória se recupera quando se trata de facilitar nossa análise.

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Há um cinema que poderíamos chamar de Símbolos sem simbolismo, um cinema no qual diretores como Murnau, Vertov, Fritz Lang e Hitchcock se destacaram a partir da década de 1920. Suas filmografias estão repletas de símbolos visuais de todos os tipos, que explicam mais sobre a psicologia de seus criadores do que qualquer variedade de palavras. Qualquer cinéfilo pensa em Lang ou Hitchcock e sua mente se enche de símbolos de seus filmes. David Lean também o fez desde o pós-guerra. Mas neles, os símbolos são integrados a uma narrativa, que prevalece sobre a poética. O símbolo é um meio, não um fim.
 
Nos primórdios do cinema moderno, de meados da década de 1950 ao início da década de 1960, podemos acrescentar a essa tendência Antonioni, Fellini, Georges Franju e Polanski, na Europa e Kubrick nos Estados Unidos. Essa lista de cineastas, que cultivam símbolos, mas não são simbolistas, é acompanhada, na década de 1970, no último país, por cineastas como David Cronenberg, David Lynch (Eraserhead, A estrada perdida, Cidade dos sonhos) e Terry Gilliam; e a partir do início da década de 1980, por Tim Burton; assim como por Lars von Trier na Dinamarca (Elemento de um crime e Medeia) e, na década de 1990, no Canadá, por Vin Cenzo Natali (Cubo).
 
Quanto aos simbolistas clássicos, avant la lettre, é essencial mencionar os dinamarqueses Benjamin Christensen (Häxan: a feitiçaria através dos tempos) e Carl T. Dreyer, o principal expoente do simbolismo transcendental (O vampiro, A paixão de Joana d'Arc, A palavra etc.); o pintor Fernand Léger, que dirigiu o curta-metragem Balé mecânico, de 1924; e o René Clair de Entr'acte (1924), cujo simbolismo dadaísta foi apoiado por um balé de Francis Picabia, com música de Erik Satie e coreografia de Jean Börlin. Todos os três aparecem no curta, assim como Marcel Duchamp. É claro que é preciso acrescentar o simbolismo surrealista (certamente, o surrealismo, instaurado em 1924, não é mais que um epígono e uma variante onírica do simbolismo que ele encerra), presente em quase toda a filmografia de Buñuel (Um cão andaluz, A idade do ouro e O anjo exterminador seriam seus filmes mais simbolistas), o puro simbolismo vanguardista de Jean Cocteau, e o que eu chamaria de realismo simbolista do cineasta paradoxal, Robert Bresson.
 
Como simbolistas modernos, Alain Resnais (O ano passado em Marienbad), Franklin J. Schaffner (O senhor da guerra, simbolismo medieval e sua conexão posterior com Bronwyn, de Cirlot, o ápice da poesia simbolista em espanhol), Andrei Tarkovski, que cultiva maravilhosamente símbolos e ícones russos em sua filmografia excepcionalmente curta, seu amigo Sergei Parajanov (símbolos da Armênia, Ucrânia e Geórgia) e Aleksandr Sokurov (Mãe e filho, FaustoArca russa) são incontornáveis. O georgiano Tengiz Abuladze é o autor de O apelo, baseado em poemas de Vazha-Pshavela, possivelmente o filme mais simbolista do cinema soviético, juntamente com Sombras de nossos antepassados esquecidos, A cor das romãs e A lenda da Fortaleza de Suram, obras-primas de Parajanov.
 
Dentro da escola de vanguarda polonesa, a partir da década de 1950, três nomes se destacam: Wojciech Jerzy Has (O manuscrito de Zaragoza, O sanatório ampulheta), Jerzy Kawalerowicz (A sombra, Madre Joana dos Anjos, Faraó) e Jerzy Skolimowski (O grito é seu filme mais simbolista). E seus vizinhos da destacada escola tchecoslovaca da década de 1960: František Vláčil (o impressionante Marketa Lazarová, ou também O Vale das Abelhas) e Juraj Herz (O cremador).
 
O movimento de vanguarda mais simbolista da década de 1960 é o Groupe Panique, fundado em Paris em 1962 e liderado por Alejandro Jodorowsky, Fernando Arrabal e Roland Topor. Começaram com o teatro, a poesia e as artes plásticas, mas logo migraram para o cinema por iniciativa de Jodorowsky, que filmou Fando e Lis em 1967. Seu cinema evoluiu de um simbolismo apavorante para um simbolismo psicomágico, com O topo, A montanha sagrada e Sangue real marcando essa evolução. A montanha sagrada, “uma enciclopédia de símbolos”, nas palavras de seu diretor, é talvez o filme com o número mais heterogêneo de símbolos do maior número de diferentes tradições culturais, tanto do Oriente quanto do Ocidente. Arrabal (Viva a morte, Irei como um cavalo louco), fortemente influenciado por seu teatro, cultiva um simbolismo entre o apavorante e o patafísico. Topor, que se recusa a dirigir, escreve roteiros e faz a direção de arte de filmes altamente simbólicos, como a animação Planeta fantástico, de René Laloux, o escandaloso Marquês, de Henri Xhonneux ou O inquilino, que Polanski dirigiu com base no romance mais famoso de Topor.
 
No início da década de 1970, o simbolismo irrompeu em cena com o belga Harry Kümel e seu Malpertuis, e o britânico Robin Hardy com o filme cult O homem de palha. O escritor francês Georges Perec codirigiu Um homem que dorme na França, baseado em seu romance homônimo. E dentro da tradição grega de símbolos ortodoxos, floresce o cinema de Theo Angelopoulos, inspirando-se na mitologia grega por meio de um intelectualismo quase pós-moderno: Reconstituição, A viagem dos comediantes, Os caçadores, Paisagem na neblina, Um olhar a cada dia e A eternidade e um dia.
 
Entre aqueles que classifico como simbolistas contemporâneos, os mais notáveis na Espanha são o grande Víctor Erice, em quem simbolismo e o pictórico andam de mãos dadas (O espírito da colmeia, O Sul), e Manuel Huerga (o brilhante curta-metragem Brutal ardour, um sublime simbolismo experimental); na Austrália, Peter Weir, cujo simbolismo gera um mistério feérico (Piquenique na montanha misteriosa) ou apocalíptico (A última onda); na Hungria, Béla Tarr (com suas magistrais alegorias em preto e branco Sátántango e A harmonia Werckmeister, entre outras); no México, Carlos Reygadas, cuja maravilhosa Luz silenciosa se inspira em Dreyer; no Canadá, Atom Egoyan (um simbolista impuro e alternativo, como pode ser visto em Exótica, O doce amanhã e Ararat); na Bélgica, o subestimado e incompreendido Amargo, de Hélène Cattet e Bruno Forzani, que combina simbolismo com horror e cinema experimental em um curioso exercício de cinema de vanguarda; na Itália, Michelangelo Frammartino (As quatro voltas); na França Leos Carax (Holy Motors); em Israel Ari Folman (O congresso futurista, baseado em Stanislaw Lem); na Turquia Nuri Bilge Ceylan (Sono de invero) e, muito especialmente, Reha Erdem (Kosmos); na Coreia do Sul destaca-se Park Chan-Wook, que utiliza um simbolismo altamente codificado em gêneros de suspense, como vemos em Old boy, Segredos de sangue ou A criada (embora o cinema coreano não seja ocidental, o cinema deste diretor me parece como tal).
 
Velha juventude, dirigido por Francis Ford Coppola baseado no conto de Mircea Eliade, uma coprodução romena, alemã, francesa, italiana e estadunidense amplia a lista; e nos Estados Unidos, além da possível inclusão de O abrigo, de Jeff Nichols, três grandes nomes: Terrence Malick, cujo simbolismo panteísta produziu obras-primas (Terra de ninguém, Além da linha vermelha, A árvore da vida, O novo mundo), mas cujas produções recentes têm mostrado sinais de esgotamento formal e certa insistência criacionismo religioso; Darren Aronofsky, cujo simbolismo narrativo sempre mantém um critério rigoroso, apesar da incompreensão de muitos espectadores (quatro maravilhas simbólicas: Pi, Fonte da vida, Cisne negro, Mãe); e, mais recentemente, Robert Eggers, diretor dos elusivos A bruxa, O farol, O homem da Norte e o remake de Nosferatu, filmes nos quais o simbolismo popular e pagão é usado como contraponto à moralidade dominante para gerar medo, mal-estar, admiração e inquietação nos espectadores.
 
Em síntese, a imaginação simbólica aplicada a uma obra cinematográfica permite a criação de filmes simbolistas, mais poéticos do que narrativos, essencialmente simbólicos em seu conteúdo, forma e sintaxe. Esta será a contribuição do simbolismo, como poética cinematográfica de vanguarda, para a história do cinema. 


* Este texto é a tradução de “Simbolismos vanguardistas en el cine”, publicado aqui, em Jot Down.

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