Uma estéril semeadura

Por Luis Castellví Laukamp

Donato Ndongo. Foto: Atilano Garcia



Donato Ndongo é a voz literária mais proeminente da Guiné Equatorial. Nascido em Niefang em 1950, passou quase toda a sua vida adulta exilado na Espanha. Seu primeiro romance, As sombras de tua memória negra (trad. livre [1987]), tornou-se leitura essencial para quem busca compreender o colonialismo espanhol naquele país. Seu segundo romance, Os poderes da tempestade (trad. livre [1997]), examina os efeitos do regime ditatorial de Francisco Macías (1968-1979), o primeiro governo após a independência, na Guiné Equatorial. Seus terceiro e quarto romances, O metrô (trad. livre [2007]) e Quem matou o jovem Abdoulaye Cissé? (trad. livre [2023]), focam na migração africana para a Espanha.

Quem matou o jovem Abdoulaye Cissé? foi inicialmente concebido como um conto para ser incluído no livro Estéril semeadura (trad. livre [2025]). Depois, Ndongo publicou-o como um romance independente, e o livro permaneceu com quatro contos: “Mikue”, “Premonição”, “Estéril semeadura” e “Regresso a Mengong”. A peça final, que aborda tanto a diáspora quanto o retorno à África, toca nos temas presentes nos dois romances mais recentes de Ndongo. “Premonição” e “Estéril semeadura”, que se concentram na geração guineense equatorial exilada na Espanha na década de 1970, dialogam com o seu romance interessado em Macías. “Mikue” reflete o interesse de seu autor pelas mulheres como sujeito literário.

Com apenas 370 palavras, “Mikue” é mais um microconto do que um conto. Escrito em prosa lírica, apresenta uma mulher a chegar aos cinquenta anos. A inocência e os sonhos de sua juventude já se perderam. Ela suportou os desafios da vida — órfã ainda jovem, vários de seus filhos morrem — juntamente com os fardos da tradição patriarcal, que permite aos homens tomarem as decisões-chave na vida das mulheres. No início da narrativa, a protagonista se aproxima da velhice em solidão. Em uma coletânea de contos com um texto de abertura tão breve, seria de se esperar que “Mikue” servisse como uma espécie de prólogo. Se fosse esse o caso aqui, sua conexão com o restante do livro seria sutil, elíptica. E, no entanto, talvez a vida dessa mulher seja o primeiro exemplo de semeadura na terra árida evocada pelo título do livro.

Ambientado em 1979, “Premonição” narra outro tipo de semeadura: a dos exilados equatorianos na Espanha após o fim do regime de Macías. Chegam notícias de que o ditador foi derrubado por um golpe, mas há uma confusão generalizada sobre suas consequências. O protagonista, Aurelio Atebá, está ansioso para contribuir com as mudanças necessárias para tornar a Guiné Equatorial um país viável. Ainda assim, ele duvida que o novo líder traga liberdade e democracia. A história captura as esperanças e incertezas de uma geração equatoriana perdida, dividida entre a rejeição de sua terra natal — o regime de Macías perseguia agressivamente intelectuais — e o racismo que enfrentaram na Espanha durante o final do período franquista e o início do período pós-franquista.

“Estéril semeadura” retorna ao personagem de Aurelio Atebá e apresenta seu amigo Ananías Esono, outro fictício exilado equatoriano na Espanha. O personagem de Esono é um dos destaques do livro. Ndongo oferece um rico retrato intelectual (completo com leituras e afinidades ideológicas) de um marxista africano pós-colonial na década de 1970. O retrato da desilusão desse idealista ao ver regimes socialistas como a URSS, Cuba, China e Coreia do Norte oferecerem apoio a Macías é devastador. O mesmo pode ser dito sobre as cenas em que ele implora em vão a diplomatas cubanos e chineses, na esperança de influenciar as posições de seus governos. O final da história — descrevendo os intelectuais exilados da Guiné Equatorial que se apressam em retornar para servir ao novo líder — é ao mesmo tempo sóbrio e revelador. Para leitores interessados nos desafios enfrentados pelas nações africanas pós-coloniais, esta é a história que oferece os melhores insights.

A visão panafricanista de Ndongo emerge em “Regresso a Mengong”, o conto que encerra o livro. Após vinte e um anos na França, Thibaut retorna a Camarões, ansioso para se reintegrar ao seu país natal e ouvir as histórias ancestrais de sua terra natal após um longo silêncio. No avião, ele simultaneamente relembra os motivos pelos quais deixou Camarões, suas duas décadas na França, seu casamento e filhos, e as interações e frustrações tanto em sua vida europeia quanto na África. O protagonista é levado por suas memórias, habitando três ou quatro planos temporais e espaciais diferentes enquanto está no ar. Este texto, por sua extensão, é mais uma novela do que um conto, com uma estrutura que reflete o estilo narrativo de Ndongo, reminiscente das tradições orais Fang. Como o mbom nvet (trovador), o escritor não se limita a recontar eventos em ordem linear, mas transmite os motivos, pensamentos e memórias de seus personagens. O resultado é uma narrativa multifacetada, de planos complexos e intrincados.

Mas, nenhum desses contos alcança o brilhantismo dos três primeiros romances de Ndongo, que representam o ápice da literatura africana contemporânea em língua espanhola. Ainda assim, elas continuam sendo a obra de um artesão altamente qualificado, cujo estilo é tão rico e refinado como sempre. Comparado aos seus romances, Estéril semeadura oferece uma perspectiva menos subjetiva e mais sociológica e política sobre o desastre pós-colonial na Guiné Equatorial e em outros países africanos. Essa perspectiva, por si só, já torna o livro digno de leitura. Além disso, a metáfora central que permeia a narrativa é altamente relevante no contexto panafricano mais amplo da atualidade, dada a emigração imposta a tantos jovens africanos. Ao mesmo tempo, no caso da Guiné Equatorial, o solo é particularmente árido, já que os esforços dos intelectuais exilados de Ndongo fracassam após a queda de Macías do poder.

Um dos intelectuais que retornou ao país em 1979 foi Leandro Mbomío (1938-2012), um renomado escultor equatoriano. Ndongo dedica este livro à memória de Mbomío: “Semeador em terra baldia, não foi profeta em sua terra”. Lido predominantemente no exterior, onde sua obra vem conquistando crescente reconhecimento, Ndongo é ainda menos profeta em sua terra natal do que Mbomío. A obra-prima do escultor, Elat Ayong (União das Tribos), agora recebe visitantes na Biblioteca Nacional da Guiné Equatorial, uma instituição que, surpreendentemente, não possui um único livro de Ndongo. 


* Este texto é a tradução livre de “A barren sowing”, publicado inicialmente, aqui, em Africa is a Country.

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

Memória de minhas putas tristes, de Gabriel García Márquez

11 Livros que são quase pornografia

Boletim Letras 360º #642

Sátántangó, de László Krasznahorkai

Dez poemas e fragmentos de Safo

Com licença poética, a poeta (e a poesia de) Adélia Prado