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Mostrando postagens com o rótulo Os escritores

Andrea Camilleri, o escritor da memória italiana

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Por Paula Corroto  Andrea Camilleri. Foto: Leonardo Cedamo O sucesso literário chegou tarde para Andrea Camilleri (Sicília, 1925 — Roma, 2019), mas o que importa quando se consegue tornar seus romances, mesmo ambientados na Sicília, universalmente conhecidos, e seu protagonista, o detetive Salvo Montalbano,¹ um desses personagens irrepetíveis para sempre ancorados na memória do leitor?  Ele tinha quase 70 anos quando publicou A forma da água (1994), o primeiro livro com esse singular detetive, um excelente gastrônomo e ainda melhor investigador, capaz de caçar qualquer criminoso com deliciosas ideias que sempre apareciam nas páginas finais de seus romances. Desde então, ele escreveu outros mais de uma centena livros, incluindo os desta série — 37 ao todo —, mas também outros romances históricos e contemporâneos, além de livros de memória. O termo prolífico parece insuficiente para defini-lo.  A lâmpada radicalmente lúcida deste escritor, um fumante inveterado e um comun...

Sigrid Undset

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Por Alfonso Basallo Sigrid Undset. Foto: NTB Escandinávia, século XI. Um impulsivo marinheiro islandês chamado Viga-Ljot apaixona-se pela jovem norueguesa Vigdis, que retribui o seu amor, mas ele aproveita-se dela e viola-a. Os seus caminhos logo se separam; a jovem dá à luz um filho, supera circunstâncias terríveis e consegue restaurar a honra da família. Nutre um desejo de vingança contra Ljot, mas, como admitirá após o trágico final do romance, “amei-o mais do que qualquer outro homem”.   Na vida agitada do marinheiro, cheia de perigos e aventuras, a memória de Vigdis nunca se apaga completamente. Essa memória e o seu arrependimento transformam-no gradualmente, levando a um desfecho fatal que sela uma história comovente na qual Ulvar, o filho deles, desempenha um papel fundamental.  Sigrid Undset (1882-1949), autora de Fortællingen om Viga-Ljot og Vigdis (1909)¹, é universalmente conhecida pela trilogia de romances medievais que compõem Kristin Lavransdatter (1920-1922), am...

Philippe Jaccottet partiu à luz do inverno

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Por Pascal Maillard Philippe Jaccottet. Foto:  Ayse Yavas   Depois da morte de Philippe Jaccottet em 2021, viramos mais uma página na história da poesia. Sentimos que deixamos definitivamente para trás a literatura do século XX. Nascido na Suíça em 1925, Jaccottet foi o último de uma geração de grandes escritores. A geração dos anos 1920. Ele era um ano mais novo que André du Bouchet; dois anos mais novo que Yves Bonnefoy, falecido em 2016; cinco anos mais novo que Jean Starobinski, que nos deixou em março de 2019. Ele também era dois anos mais velho que Jacques Dupin, falecido em 2012.   Uma mesma geração. Quatro grandes poetas: Du Bouchet, Dupin, Bonnefoy, Jaccottet. E a amizade os unia. Jean Starobinski foi um dos maiores divulgadores de suas obras. Começaram a escrevê-las na década de 1950. Vários pontos em comum os uniam: o distanciamento do surrealismo; a desconfiança compartilhada em relação às imagens; uma poesia ética fundada no sujeito e na verdade do vínculo co...

Um novato chamado Balzac

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Por Carlos Yusti O escritor que imitaria sem hesitar, e que de alguma forma constituiria, em meu museu pessoal de mitos, um ideal, uma fonte inesgotável de inspiração, poderia ser Honoré de Balzac. Embora não o Balzac perseverante, obstinado, incansável e disciplinado que escreveu (sob a pressão de dívidas, credores e editores) uma obra literária profusa, e que, em muitas de suas páginas, conseguiu alcançar, com gênio indiscutível, enorme versatilidade literária e uma grandiloquência mais realista do que metafórica. Não. Minha inclinação é para outro Balzac, aquele que, devido a um ansioso apetite, adquiriu uma adiposa constituição, aquele Balzac preocupado em ser um dândi, e que, por causa disso, gastou fortunas em ternos chamativos ou luxos extravagantes e desnecessários; aquele Balzac que ansiava acima de tudo por sucesso financeiro, por ser um burguês menos imbecil e insuportável do que o burguês retratado em seus romances ou na vida real, com quem sempre conviveu à distância devid...

Luis Cernuda, o solitário

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  Por José Antonio Montano Luis Cernuda. Foto: Tomás Montero Torres   Em um de seus últimos poemas, “Epílogo”, escrito dois anos antes de sua morte, Luis Cernuda (1902-1963) fala de sua “existência sombria e solitária”. A obscuridade era relativa, pois, embora não a percebesse, era iluminado por seu exemplo, que ainda nos alcança. O isolamento, sim, era absoluto: porque se separava e porque estava separado. Mas isso, que foi ruim (ou difícil) para sua vida, foi bom para sua obra: preservou-a. Aconteceu com ele como a magnólia que descreve em Ocnos : “era precisamente essa vida isolada da árvore, esse florescer sem testemunhas, que conferiu à beleza uma qualidade tão elevada”. 1 Cernuda foi uma das minhas primeiras fidelidades, e continua sendo. Escrever sobre ele continua sendo um exercício de admiração.   Acima de tudo, admiro sua integridade, tanto pessoal quanto artística. Como se manteve firme, incorruptível, diante das dificuldades. Em outro poema no fim da sua obra...

Sylvio Floreal de trás para a frente — uma nota imprevista da alma

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Por Lucas Paolillo   Nesse saco de gatos que é a filosofia, Nietzsche foi o gato que mais miou, arranhou, revolucionou e depois saiu airosamente com uma porção de unhas desses felinos cravadas no crânio, o que lhe proporcionou a maior apoteose que um espírito como o seu poderia ambicionar — a loucura!     — Sylvio Floreal.   Sylvio Floreal. Foto: A Cigarra , 1927.   Sylvio Floreal é um personagem de difícil enquadramento. Acertar na medida para apreciar os seus escritos é tão desafiador quanto compreender a sua figura. Conforme veremos, ambas não são muito dissociáveis. No entanto, se essa dificuldade se faz visível, é apenas porque a invenção que ele fez de si mesmo cumpriu, de um modo ou de outro, seus propósitos. Observação, é bom que se diga, devida à jornada de Floreal ser movida por muita invencionice e imaginação caudalosa. De início, suas intervenções na vida literária se fizeram sobretudo pela via da performance verbal, teatral, disseminadora de ornamen...

Salvatore Quasimodo: nômade da morte

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Por Maria Teresa Meneses Salvatore Quasimodo. Foto: Mario De Biasi.   O filho do ferroviário   Gaetano Quasimodo, chefe da estação Ferrovie dello Stato em Ragusa, cidade ao sul da Sicília, recebeu ordens de viajar a Messina para restaurar a rede ferroviária, que havia sido desativada após o devastador terremoto de 28 de dezembro de 1908. Por 37 segundos, o terreno do Estreito de Messina (que abrange as províncias de Messina e Reggio Calabria) tremeu com tanta força que ceifou a vida de aproximadamente cem mil pessoas que foram pegas pela catástrofe enquanto dormiam. Depois o violento despertar às 5h20 da manhã, muitos dos que haviam corrido aterrorizados, buscando o céu aberto da praia para escapar de serem esmagados pelos prédios da cidade, sucumbiriam minutos depois, afogados por grandes ondas que se elevavam a quase dez metros de altura em ambos os lados do Estreito. Toda a dor do mundo estava concentrada em Messina.   Nos versos de “Milão, agosto de 1943”, outras ruí...

Três séculos de Giacomo Casanova, a pena mais indócil

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Por Diego Malpede J.H.W. Tischbein. Retrato de G. Casanova (detalhe) No dia 2 de abril de 2025, completaram-se 300 anos que Giacomo Girolamo Casanova nasceu no coração de Veneza. Ele provavelmente nasceu na Via Malipiero, ao lado da Igreja de São Samuel e antigamente chamada de “della Commedia”, em uma família de artistas de teatro. A mãe era atriz e o pai era ator e dançarino, mas o próprio Casanova e vários estudiosos indicam que seu verdadeiro pai era o nobre veneziano Michele Grimani. Foi criado pela avó e desde a adolescência estudou direito na Universidade de Pádua e depois religião, com o objetivo de se tornar abade.   Que seu nome ainda seja usado hoje para descrever alguém interessado apenas em conquistar mulheres constitui, se a linguagem pode ser enganosa, um grande erro, ou pelo menos um mal-entendido; de qualquer forma, a palavra em questão é, sem dúvida, o legado mais trivial do nosso homem. Casanova não foi apenas um indivíduo complexo, único e multifacetado, com múl...