Oito poemas de amor do antigo Egipto¹
Por Pedro Belo Clara
 
  
 I.
 
 Quando me dá as boas-vindas
De braços bem abertos
Sinto-me como aqueles viajantes que regressam
Das longínquas terras de Punt.²
 
 Tudo se muda: o pensamento, os
sentidos,
Em perfume rico e estranho.
 
 E quando ela entreabre os lábios
para beijar
Fico com a cabeça leve, ébrio sem cerveja.
 
  
 II.
 
 Se eu fosse uma das suas aias
Sempre às ordens
(Nunca afastadas mais do que um passo)
Poderia admirar
A resplandecência
Do seu corpo
Inteiro.
  
 Se eu fosse quem lhe lava a roupa,
só por um mês,
Seria capaz de lhe retirar dos véus
Os perfumes que se entranham.
 
 Por menos do que isso assentaria
de bom grado
E seu anel seria, o selo no seu dedo.
 
  
 III.
 
 Hora de refeição: tempo de ires
embora?
Temo que o estômago seja a tua única amante!
 
 Para quê a pressa? Porquê ir
comprar roupa
A uma hora destas? Porquê inquietares-te, meu amor,
São finas as cobertas da minha cama.
  
 Tens sede?
Toma o meu seio,
Exuberante.
 
  
 IV.
 
 Um botão de lótus a sua beleza
E dois frutos o seu peito.
 
 O seu rosto é como uma armadilha
numa floresta de meryu
E eu, um pobre ganso selvagem,
Um pobre ganso selvagem a pôr a cabeça dentro da água
Para morder o isco.
  
   
  
 Mesmo quando as aves levantam voo
Em ondas e ondas de grande debandada
E nada vejo, fico cega
Porque presa a ti e ausente
Dois corações obedientes no seu bater
A minha vida ligada à tua
A tua beleza o elo.
 
   
 
 Com sinceridade confesso o meu
amor;
Amo-te, sim, e desejo amar-te ainda mais de perto;
Como dona da tua casa,
O teu braço colocado sobre os meus.
 
 Mas ai de mim, que são libertinos
os teus olhos.
Digo ao meu coração: “O meu amo
Foi-se embora. Durante
A noite foi-se embora
E deixou-me. Sinto-me um túmulo.”
E a mim própria pergunto: Não fica nenhuma
Sensação, depois de vires até mim?
Mesmo nenhuma?
 
 Ai de mim, sofrendo por esses
olhos que te afastaram do rumo certo,
Sempre tão libertinos.
E apesar disso confesso com sinceridade
Que andem eles por onde andarem
Se vierem ter comigo
Eu volto de novo à vida.
  
  
 VII.
 
 A andorinha canta: “Aurora
Para onde foi a aurora?”
 
 Assim acaba também a minha noite
feliz
Com o meu amor na cama a meu lado.
 
 Imagine-se a minha alegria ao
ouvir o seu murmúrio:
“Jamais te deixarei”, disse-me.
“Com a tua mão na minha passearemos
Pelos mais belos caminhos.”
 
 Além do mais ele quer que o mundo
saiba
Que de todas as suas mulheres eu sou a primeira
E por isso já não sofre o meu coração.
  
  
 VIII.
 
 Encontro o meu amor a pescar
De pés nos baixios.
 
 Tomamos juntos o pequeno-almoço
E bebemos cerveja.
 
 Ofereço-lhe a magia das minhas
coxas
O meu conjuro enfeitiça-o.
 
 Notas:
1 Os poemas apresentados, onde a voz feminina ocupa grande destaque, datam de entre 1567 a.C. e 1085 a.C. A sua autoria, infelizmente, já há muito se perdeu. As traduções aqui apresentadas são de Helder Moura Pereira em Poemas de Amor do Antigo Egipto (Assírio & Alvim, janeiro de 2011 – 2.ª edição, revista); as notas adicionais são minhas.
 
 2 Antigo reino com o qual,
historicamente, o Egipto mantinha relações comerciais. Somente pela graça dos
manuscritos egípcios sabemos hoje da sua existência. Porém, permanece uma
incógnita o lugar onde, exactamente, tal reino se situava, sendo o denominado
“corno de África” a região geralmente aceite. Estendendo-se pela actual Somália
e partes do Sudão, Eritreia e Etiópia, entre outros, exportava ouro, resinas
aromáticas, ébano, marfim, canela e animais selvagens.
De braços bem abertos
Sinto-me como aqueles viajantes que regressam
Das longínquas terras de Punt.²
Em perfume rico e estranho.
Fico com a cabeça leve, ébrio sem cerveja.
Sempre às ordens
(Nunca afastadas mais do que um passo)
Poderia admirar
A resplandecência
Do seu corpo
Inteiro.
Seria capaz de lhe retirar dos véus
Os perfumes que se entranham.
E seu anel seria, o selo no seu dedo.
Temo que o estômago seja a tua única amante!
A uma hora destas? Porquê inquietares-te, meu amor,
São finas as cobertas da minha cama.
Toma o meu seio,
Exuberante.
E dois frutos o seu peito.
E eu, um pobre ganso selvagem,
Um pobre ganso selvagem a pôr a cabeça dentro da água
Para morder o isco.
Em ondas e ondas de grande debandada
E nada vejo, fico cega
Porque presa a ti e ausente
Dois corações obedientes no seu bater
A minha vida ligada à tua
A tua beleza o elo.
Amo-te, sim, e desejo amar-te ainda mais de perto;
Como dona da tua casa,
O teu braço colocado sobre os meus.
Digo ao meu coração: “O meu amo
Foi-se embora. Durante
A noite foi-se embora
E deixou-me. Sinto-me um túmulo.”
E a mim própria pergunto: Não fica nenhuma
Sensação, depois de vires até mim?
Mesmo nenhuma?
Sempre tão libertinos.
E apesar disso confesso com sinceridade
Que andem eles por onde andarem
Se vierem ter comigo
Eu volto de novo à vida.
Para onde foi a aurora?”
Com o meu amor na cama a meu lado.
“Jamais te deixarei”, disse-me.
“Com a tua mão na minha passearemos
Pelos mais belos caminhos.”
Que de todas as suas mulheres eu sou a primeira
E por isso já não sofre o meu coração.
De pés nos baixios.
E bebemos cerveja.
O meu conjuro enfeitiça-o.
1 Os poemas apresentados, onde a voz feminina ocupa grande destaque, datam de entre 1567 a.C. e 1085 a.C. A sua autoria, infelizmente, já há muito se perdeu. As traduções aqui apresentadas são de Helder Moura Pereira em Poemas de Amor do Antigo Egipto (Assírio & Alvim, janeiro de 2011 – 2.ª edição, revista); as notas adicionais são minhas.

 
 
 
 
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