Bastarden: um cinemão tal e qual

 Por Toni Sánchez Bernal




 
A crítica ideal para este filme seria breve: “Vejam, não importa o que aconteça”. Nada mais. Para quê falar da portentosa narrativa, da excelência técnica com que é filmada ou das atuações maravilhosas que nos proporciona? O mais importante é que estamos perante duas horas imensas que qualquer um verdadeiramente apaixonado por cinema (não o espectador comum) saberá apreciar.
 
Que ninguém aqui entenda um possível pedantismo da minha parte, mas há algo que é óbvio: Bastarden (2023) é um filme maduro. Seu tom adulto e nada complacente com a sensibilidade que impera hoje pode incomodar o grande público (talvez daí a injustiça de não ter sido indicado ao Oscar). Na tela vemos uma história que se passa no século XVIII e nem é preciso dizer que recria fielmente o período. Claro que aqui haverá quem reclame, levante bandeira e grite aos céus porque o enredo não se adaptou aos sentimentos do século XXI.
 
Mas isso não terá nada a ver com o filme, infelizmente. Quem se aproximar dele encontrará uma espécie de faroeste magnífico. Verdadeiramente magnífico.
 
Do que se trata? O rei dinamarquês Frederik V declara que as terras selvagens da Jutlândia devem ser colonizadas e cultivadas para que a civilização possa se espalhar e gerar novos impostos para a Casa Real. No entanto, ninguém se atreve a seguir o decreto do rei. Essa terra significa morte: um lugar cheio de lobos famintos e castigado por uma natureza brutal e implacável. Mas no final do verão de 1755, um soldado solitário chamado Ludvig Kahlen decide que essas terras lhe proporcionariam a riqueza e a honra que ele sempre desejou.
 
Este é o novo filme de Nikolaj Arcel, responsável pelo igualmente notável O amante da rainha, que depois da passagem por Hollywood (onde foi engolido e não lhe foi permitido desenvolver o seu talento) regressa ao seu país natal para dar vida a uma história inspirada por acontecimentos reais. Nesta ocasião, sua direção tem ecos de Ford, ao qual ele homenageia traçando atrevidamente mais de um plano. Ele também combina com muita sabedoria a arte de dar espaço aos atores, mas ao mesmo tempo deixar que brilhar a parte técnica.
 
Embora seja preciso reconhecer que o elenco está tão inspirado que é impossível não sentir que os intérpretes tomam as rédeas de tudo. Mas é claro que ter Mads Mikkelsen como protagonista confere ao filme um carisma poderoso. Que classe, que porte, que tudo. Enquanto assiste, o espectador não pode fazer nada além de admirar esse homem que realiza tal façanha.
 
Claro, é justo mencionar que o resto do elenco não fica atrás. Principalmente Amanda Collin e Simon Bennebjerg, que têm uma missão complicada: ser inimigo de um Mads Mikkelsen tão imensurável não deve ter sido fácil. Outro ator talvez tivesse se sentido intimidado inconscientemente, mas ele sabe defender muito bem sua parte.
 
A tentação de continuar falando sobre o filme é grande. É uma daquelas obras que convidam a relembrar passagens, a enumerar seus incontáveis benefícios e também a recomendá-la incessantemente. Sim, Bastarden é muito bom.

A melhor coisa que este autor pode fazer por agora é encerrar sua análise para que o leitor possa verificar por conta própria o filme. Numa época em que não existem muitos filmes eminentemente cinematográficos (parece estranho dizer isso, mas espero que se entenda) é preciso ressaltar que ainda existem criadores que confiam no cinema puro e simples dirigido ao público adulto. 


* Este texto é a tradução livre de “La tierra prometida: un peliculón, así tal cual”, publicado aqui, em Zenda.

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