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Mostrando postagens de agosto, 2022

“O Poderoso Chefão”, como Francis Ford Coppola transformou um romance comum numa obra-prima do cinema

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Por Winston Manrique Sabogal Al Pacino e Marlon Brando em cena de O Poderoso Chefão . Paramount Pictures. O filme O Poderoso Chefão , de Francis Ford Coppola, é um dos melhores exemplos de uma grande versão literária. Como o sucesso de uma adaptação não costuma estar em seguir à risca a obra escolhida, mas em captar sua essência, que o diretor a leva para o seu campo, se é mesmo infiel à história, ao romance ou à peça, para encontrar a versão indicada para a linguagem cinematográfica. Um escritor cria um mundo em palavras escritas, dá vida a algumas criaturas e escreve algumas histórias para elas e as dota de biografias que o leitor completa com sua leitura. Um diretor de cinema recria essa narrativa e geralmente dá ao espectador um mundo fechado, mas Coppola o faz um participante da história.   Mario Puzo (Nova York, 1920-1999) publicou seu romance O Poderoso Chefão em 10 de março de 1969, e logo se tornou um êxito de vendas. Um livro sem maiores aspirações do que se tornar um Best-s

Oscar Wilde contra a parede

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Por Mercedes Alvarez Oscar Wilde e Alfred Douglas, 1893. Arquivo: British Library   Em 1895, sob a Lei de Sodomia que vigorava na Inglaterra desde os tempos de Henrique VIII e no auge da popularidade de sua carreira, Oscar Wilde foi julgado por conduta indecente. Não há necessidade de se deter em reflexões sobre o puritanismo hipócrita que a rainha Vitória converteu em marca registrada de sua monarquia. Em 1885, a mulher que reinou sessenta e três anos havia ajustado os cravos sobre o comportamento impudico. Nesse ano, não só a sodomia, mas qualquer ato de afeição entre homens era passível de condenação. As penas continuaram de pé após sua morte, e alcançaram o discípulo mais brilhante de Wittgenstein: Alan Turing escolheu o suicídio aos 41 anos, após ser submetido à castração química.   Décadas antes, em 1891, um já renomado Oscar Wilde conheceu Lord Alfred Douglas, e começou o que mais tarde e da prisão, em um texto de inusual beleza intitulado De Profundis , o escritor chamaria sua

Ascensão ao cânone

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Por Christopher Domínguez Michael   O maior elogio que posso fazer ao livro de Álvaro Santana-Acuña sobre como Cem anos de solidão foi escrito e como se converteu em um “clássico global” é que quase todas as minhas inquietações, discordâncias e mesmo exasperações com o sociólogo de origem canária e seu García Márquez, encontram-se no terreno da discordância fértil. Talvez o mais irritante esteja no começo de Ascent to glory. How ‘One hundred years of solitude’ was written and became a global classic , quando o professor do Whitman College, imitando Harold Bloom — que, por sua vez, serviu-se do positivismo, de Joaquim de Fiore e da Santíssima Trindade quando dividiu toda a literatura moderna em Era Aristocrática, Era Democrática e Era do Caos¹  —, decide, por sua vez, dividir a literatura latino-americana do século XX em três gerações: as da Forma Breve, da Forma Híbrida e do Romance per se , a monopolizada pelo “realismo mágico”, o boom e Cem anos de solidão (1967). Como no caso do

Sete poemas de Miguel Torga

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Por Pedro Belo Clara Miguel Torga. Foto: Eduardo Gageiro.     LIVRO DE HORAS ( O Outro Livro de Job , 1936)   Aqui, diante de mim, Eu, pecador, me confesso De ser assim como sou. Me confesso o bom e o mau Que vão ao leme da nau Nesta deriva em que vou.   Me confesso Possesso De virtudes teologais, Que são três, E dos pecados mortais, Que são sete, Quando a terra não repete Que são mais.   Me confesso O dono das minhas horas. O das facadas cegas e raivosas, E o das ternuras lúcidas e mansas. E de ser de qualquer modo Andanças Do mesmo todo.   Me confesso de ser charco E luar de charco, à mistura. De ser a corda do arco Que atira setas acima E abaixo da minha altura.   Me confesso de ser tudo Que possa nascer em mim. De ter raízes no chão Desta minha condição. Me confesso de Abel e de Caim.   Me confesso de ser Homem. De ser um anjo caído Do tal Céu que Deus governa; De ser um monstro saído Do buraco mais fundo da caverna.   Me confesso de ser eu. Eu, tal e qual como vim Para dizer que s

Boletim Letras 360º #494

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, no sábado, 20, foi anunciado nas redes sociais do Letras quais os novos títulos que substituíram o sorteio da edição especial do Ensaio sobre a cegueira : As convidadas (Silvina Ocampo); Outono (Karl Ove Knausgård) e A intuição da ilha (Pilar del Río).   2. Aproveito essa ocasião para estabelecer uma nova data para sorteio; ao invés de ser hoje, 27, ser no próximo sábado, o primeiro do mês de setembro. É uma maneira de divulgar melhor entre os demais leitores e entre os novos possíveis interessados.   3. Para se inscrever e participar dos sorteios basta apoiar o Letras — todas as informações aqui . E, não esqueça, outra das possibilidades de apoio é na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados aqui; você ganha desconto e ainda ajuda ao Letras com as despesas de domínio e hospedagem na web sem pagar nada mais por isso.   4. Bom final de semana com descanso e boas leituras! Enzo Maqueira. Foto: Paula Moneta.   LANÇAMENTOS   A Ponto

Baudelaire e os jovens

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Por Ignacio Echevarría Charles Baudelaire. Foto: Félix Nadar.   Nascido trinta anos antes de Rimbaud, que o considerava “o primeiro vidente, rei dos poetas, um verdadeiro deus”, a figura de Baudelaire não foi atravessada, como a de Rimbaud, pelo mito da juventude. E isso apesar da atração que o romantismo e alguns de seus heróis exerceram sobre Baudelaire.   Quando jovem, ele próprio cumpriu todos os requisitos que, desde o início do século XIX, caracterizam o jovem artista: era rebelde, dissoluto, bagunceiro; confrontou os pais, participou dos motins revolucionários de 1848, pertenceu à boemia literária; exerceu a iconoclastia, cultivou a ousadia, a impertinência, o desdém; experimentou todos os tipos de drogas, frequentou os bordéis, jogou dandismo...   Nada disso, no entanto, imprimiu a inclinação da juventude em seu porte. A imagem que temos dele é a de um adulto prematuramente envelhecido, com um olhar intenso, crispado, tenso. Baudelaire deixou imediatamente de ser jovem, e dir-s