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Mostrando postagens de outubro, 2023

Carlos Drummond de Andrade: viola de circunstância

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Por Pedro Fernandes Carlos Drummond de Andrade nos anos 1950.   Um livro pode se prolongar mesmo depois de concluído. Os casos na literatura são muitos e alguns bem conhecidos, como o Livro do desassossego , cujas edições mais recentes não apenas aparecem remodeladas na organização do seu primeiro conteúdo como alimentadas de novos textos encontrados pelos pesquisadores no que parece ser o arquivo infinito de Fernando Pessoa. Este é um desses livros que cada leitor por escrever à sua própria maneira e os pessoanos são os primeiros a reafirmarem isso toda vez que se lançam ao trabalho de reivindicar a versão mais apropriada, como se pudessem também assumir o posto de adivinhos — ou, quem sabe, iluminados para contatos de terceiro grau — capazes de acessar o que nem foi claro para o seu autor, outra instância, aliás, problemática: é o poeta português ou o ajudante de guarda-livros Bernardo Soares?   No Brasil, outro poeta, que não nos legou uma arca sem fundos, outro poeta que até transi

Por que ler os clássicos, de Italo Calvino

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Por Adolfo Torreceilla   Sobre um livro póstumo de Italo Calvino   A recente reedição no Brasil de Por que ler os clássicos 1 , um dos livros póstumos de Italo Calvino, traz de volta um debate cultural permanente. Simplificando, a opinião de Calvino é clara: “ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos”. Quando produtos leves e descartáveis ​​tomam conta da publicidade, e enquanto a mera contemporaneidade se passa pela cultura dominante, os clássicos revalidam a sua relevância perene e distanciam-se ironicamente das repetidas profecias sobre a sua condenação ao esquecimento.   Na introdução de um de seus romances mais representativos, Se um viajante numa noite de inverno , Calvino fala sobre os diversos tipos de livros que assaltam um leitor regular quando ele entra em uma livraria. Entre outros, “Livros Que Você Leu Há Muito Tempo E Que Já Seria Hora De Reler e dos Livros Que Sempre Fingiu Ter Lido E Que Já Seria Hora De Decidir-se A Lê-los Realmente.” 2 Os clássicos freque

Sete poemas de Ryokan

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Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões)*     I. (a partir da tradução de Donald Keen)   num velho templo nas profundezas de Takano na província de Ki 1 passei a noite escutando as gotas da chuva caindo dos cedros     II. (a partir da tradução de Steven Carter)   a nossa vida neste mundo: a que poderei compará-la? é como um eco ressoando através das montanhas diluindo-se no vazio do céu     III. (a partir da tradução de Donald Keen)   não deverás supor que nunca me misturo com o mundo da humanidade — simplesmente prefiro, sozinho desfrutar da minha própria companhia     IV. (a partir da tradução de Burton Watson)   tenho um cajado de caminhante nem sei por quantas gerações foi sendo passado a casca estalou e há muito que caiu nada sobra, apenas um miolo robusto em anos anteriores, testou a profundidade de ribeiros e quantas vezes retiniu sobre íngremes trilhas rochosas! agora, encosta-se à parede do lado poente negligenciado, enquanto os anos passam     V. (a partir da traduç

Boletim Letras 360º #555

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DO EDITOR   1. Olá, leitores! Nesta semana, divulgamos o último sorteio do ano entre os apoiadores do Letras que será realizado no próximo dia 11 de novembro.   2.   Desta vez, quatro leitores serão sorteados e levarão um livro entre títulos seguintes: Por que ler os clássicos , de Italo Calvino, edição especial capa dura com acabamento em tecido da Companhia das Letras; Mulherzinhas , de Louisa May Alcott, na lindíssima edição de luxo da Zahar; Orgulho e preconceito , também no mesmo projeto da mesma casa editorial; e Um, nenhum e cem mil , reedição da obra-prima de Luigi Pirandello pela Penguin, a que foi publicada pela extinta Cosac Naify.   3. Se interessa por algum desses títulos ou edições, ou quer apostar com a ajuda para presentear alguém? Para participar, basta enviar um PIX a partir de R$20 e, em clima de festa de fim de ano, acrescentamos a possibilidade de você dobrar sua presença na lista de sorteio: por R$30 pode indicar um segundo nome.   4. Qualquer coisa, estamos sempr

Uma rosa é uma cebola

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Por Montero Glez Ernest Hemingway durante a 2.ª Guerra Mundial. Arquivo: JFK Library   Se a guerra fosse uma pergunta que pudesse ser respondida, obteríamos a resposta a partir do tecido mitológico; uma tela de onde se destaca a figura do correspondente que aproveita as câmeras para divulgar a sua própria imagem. Nesse caso, trata-se de um grandalhão alourado que bebe vinho numa bota e enxuga a boca com as costas da mão; um homem robusto que todos conhecem como professor Hemingstein e para quem a guerra nunca foi uma questão, muito pelo contrário. Daí o seu duplo mérito.   Contemplar a guerra como resposta e encontrar as questões que a mantêm viva só é possível depois de se desfazer dos seus mitos. O professor Hemingstein construiu o seu até ocupar a partícula mais básica da guerra. Transformou o vazio, convertendo-o numa presença mitológica seja em Brihuega, Guadalajara, Teruel ou Madri e os seus pontos quentes. Lugares como Chicote ou o Hotel Suécia serão os cenários íntimos de uma g