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Mostrando postagens de março, 2014

O mundo desnudo de um poeta - Octávio Paz

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Por Juan Cruz Abro alguns livros de Paz. São sua maneira de manifestar-se no mundo. Olhos azuis, camisas azuis, as mãos tranquilas passando as páginas como quem vira ondas. O mundo dos livros sabe mais; ele entrava como o feitor mexicano de palavras que eram mundos. O mundo de Paz, perfeito e nu. Apetite de Paz. Saio com calma. E com uma certeza: seu estilo era a inteligência do estilo. Libertad bajo palabra . Aspirava a Deus, a sê-lo. “Invento à véspera, a noite, o dia seguinte que se levanta em seu leito de pedra e recorre com olhos limpos um mundo penosamente sonhado”. Inventava a queimadura e o grito, “a masturbação nas latrinas”; o risco surrealista que compartilhou até aqui combinado com a inteligência; para fazer poesia se necessita intuição e raiva, imagem. “Fecha os olhos e perde-te na escuridão/ sob a folha de tuas pálpebras”. Isto é, por sua vez, palavra e arquitetura, o som da escultura que Paz vai despertando e que habita no interior das palavras. “Afunda ne

Boletim Letras 360º #58

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Capa da 22ª edição da Revista Blimunda , projeto da Fundação José Saramago. Chegamos ao último fim de semana do mês de março. E ainda se acumula aqui numa parte da redação deste blog uma pilha considerável de leituras que já deveriam ter saído: Ondjaki, Mia Couto, Rodrigo Lacerda, Herta Müller, Elizabeth Bishop, Nuno Camarneiro, João Tordo, Leonardo Chioda, Antonio Geraldo Figueiredo... E há mais! Mas, paremos! Chegaremos ao tempo de cumpri-las (temos fé nas Letras e no tempo). Até agora tem dado certo; embora, nos últimos dias tenham se multiplicado as atividades e entre essas leituras tenham se instalado. E há também outras leituras além das literárias a serem feitas. Enquanto essas leituras não se concretizam, vamos voltar ao início da semana para rever aquilo que a correria do tempo não nos permitiu acompanhar em nossas notícias na página do Facebook. Para que os leitores não se surpreendam, esta foi a semana mais portuguesa de todas! Verão já por que. Segunda-feira,

Fragmentos de um monólogo saudoso: uma leitura do simbolismo em Movimento perpétuo

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                                                                                              Por Daniel Miranda da Silva Fiama Hasse Pais Brandão.  A novela poética Movimento perpétuo  de Fiama Hasse Pais Brandão olha para dentro, descrevendo a vida e o universo de seus personagens a partir do interior, traçando o entorno e as ações deles como quem descreve a visão de alguém que sonha. Esse fato já sugere uma leitura simbólica da obra, mas é apenas um dentre outros fatores, que podem ser enumerados da seguinte forma: 1) No prefácio, os nomes dos personagens são tratados como uma amostra da essência deles, como se dissessem quem o personagem é e que papel ele desempenhará na história; 2) A interação dos personagens com aquilo que os cerca (lugares, elementos que compõem o cenário e outros personagens) mostra que há, dentro da narrativa, uma profunda relação entre o mundo físico e o sensorial; 3) Ao longo da narrativa não se nota grande preocupação em  seguir uma cronologia

Trapaça, de David O. Russell

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De alguma maneira, a crise por que atravessa o capitalismo enquanto modelo social, sua insustentabilidade e os indicativos de falência – ou as causas da falência – têm servido de mote para parte das narrativas cinematográficas do final de 2013 e início de 2014 produzidas por Hollywood. Se fizermos uma leitura panorâmica pelos filmes que comentamos aqui nessa safra logo localizaremos uma amostra significativa: O Lobo de Wall Street , injustamente esquecido pela Academia na última edição do Oscar; Capitão Phillips ; Blue Jasmine ; e Trapaça , de David O. Russell, autor do patético O lado bom da vida . O filme de agora funciona como uma espécie de redenção, incorporando algumas lições caras ao cinema hollywoodiano, como uma boa história, ainda que os diálogos fiquem sempre a desejar. Além disso, O. Russell parece colocar de lado o romance açucarado e investir numa história mais próxima do empírico – revestida de um humor decente, uma pitada de tragédia, doses de neurose e uma crí

Uma novela (de humanidade) exemplar

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Por Thiago Gonzaga O clássico autor argentino Jorge Luis Borges dizia que o livro era o mais espetacular dos instrumentos utilizados pelo ser humano, pois ele atua como uma extensão da memória e da imaginação. O escritor Marcos Medeiros, com sua nova obra, faz jus a esta famosa citação. Com muita criatividade e domínio, ele criou uma história cativante e envolvente que demonstra tanto a utilidade quanto a função humanizadora da literatura em nossas vidas. Como toda manifestação artística, a literatura acompanha a trajetória humana, e por meio de palavras, ela constrói mundo familiares, em que pessoas semelhantes a nós vivem problemas idênticos aos nossos. É a narrativa do jovem Felisberto, que desde que nasceu enfrenta os entraves da vida. A obra literária, neste caso o livro Aflições de um sonhador , também exprime, pela criação ficcional, reflexões e emoções que parecem ser tão nossas quanto as de quem registrou. Aflições de um sonhador têm várias passagens que de

Contar a vida de Van Gogh a partir de sua própria obra

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A noite estrelada . Um dos principais quadros de Van Gogh e uma das obras significativas para o projeto de Loving Vincent. 56.800 telas a óleo. Todos com a mesma pincelada, a de Van Gogh. Este é o desafio que assume a equipe de criação de BreakThru Films, produtora britânico-polaca que conta em seu histórico com um Oscar de melhor curta-metragem por Peter & The Wolf , de 2006, versão stop-motion do clássico conto infantil “Pedro e o lobo”. Loving Vincent é o título deste projeto em que 40 pintores terão que converter-se, pincelada a pincelada, tela a tela, em duplos de Van Gogh. “É a primeira vez na história em que se fará um longa-metragem em que cada imagem será um quadro a óleo” – assegura Hugh Welchman, produtor e corroteirista do filme, além de um dos cabeças de BrealThru Films. “Até agora tentar algo assim era impossível pelo tempo que levava. Mas temos conseguido desenvolver uma técnica torna isso possível”. O método de BreakThru Films combina a tecnologia

A cidade inteira dorme e outros contos, de Ray Bradbury

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Por Pedro Fernandes A cidade inteira dorme e outros contos , de Ray Bradbury, célebre autor de títulos como As crônicas marcianas (título sobre o qual tivemos o privilégio de esboçar umas tantas notas por aqui ) e Fahrenheit 451 (título mais conhecido do escritor), foi publicado pela primeira vez em 2008; agora, a Globo Livros, através do selo Biblioteca Azul recupera a edição. Embora, tenha chegado por aqui junto com a reedição de As crônicas ... e boa parte da crítica tenha   se debruçado de imediato sobre os dois títulos em questão, achei por bem tratar das duas obras em separado porque elas possuem especificidades que ficariam melhor apresentadas dessa forma. Embora sejam obras em que se verifica a presença marcante do estilo ficcional do autor, do ponto de vista temático e da forma, os dois livros são, por assim dizer interdependentes. Ao dizer isso, ressalto as semelhanças mantidas entre as obras, mas cobro um olhar astuto sobre cada uma. Por exemplo: em A cidade i

Boletim Letras 360 #57

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David Foster Wallace. Um escritor em ascensão. Nos Estados, um filme; no Brasil, a tradução de Infinite Jest , um dos seus romances mais conhecidos.  Cumprimos mais uma data especial, diríamos, para o Letras – mais um Dia Mundial da Poesia. Isso ontem, 21 de março. E, repetimos a dose da semana anterior quando celebramos o Dia Nacional da Poesia. De hora em hora um poeta. Herberto Helder, Ana Cristina Cesar, Manoel de Barros, Paulo Leminski, Ferreira Gullar, Pablo Neruda, Valter Hugo Mãe, Gregorio Duvivier, Paulo Mendes Campos, Fernando Pessoa, Murilo Mendes, Paulo Henriques Britto, Lau Siqueira, Samuel Beckett, Fiama Hasse Pais Brandão, Alice Ruiz, Jorge de Lima, Maria Teresa Horta, Mia Couto, João Cabral de Melo Neto, José Saramago, Adélia Prado e Octavio Paz. Segunda-feira, 17/03 >>> Estados Unidos: O escritor de 2 milhões de dólares Dinheiro não é problema para Garth Risk Hallberg. O romance de estreia do jovem escritor foi comprado pela editora Kno

Poemas reunidos, de Ivan Junqueira

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Por Rafael Kafka Ivan Junqueira. Foto: Fábio Seixas. O livro Poemas reunidos  (Editora Record) de Ivan Junqueira reúne uma boa parte da obra poética desse ser humano fascinado pela morte, pelo simbolismo, pelo devir e pela vida. No volume que tenho em mãos, podemos encontrar sete livros de poemas, todos girando em torno do passar irremediável do tempo. A poesia de Junqueira é bela, mas em certos momentos se torna cansativa devido ao vocabulário pesado utilizado pelo autor, que além de poeta é ensaísta e tradutor de célebres nomes da literatura mundial para o português, como Charles Baudelaire e T. S. Elliot. Antes de falar especificamente de minhas impressões de leitura sobre o conjunto de livros acima citado, vale ressaltar que esta é a primeira resenha que faço tanto para este blog quanto para qualquer espaço sobre algum livro de poesia. E falar de poesia é difícil por ser aparentemente fácil. A poesia é muito imagética, mexe mais com nossas sensações do que com noss

Philomena, de Stephen Frears

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Por Pedro Fernandes Quantos crimes a Igreja terá cometido (e ainda comete) em nome da manutenção de seus dogmas? Não há números precisos para isso, mas a resposta bem poderia ser: tantos que a história do horror, do ódio, da intolerância – se possível fosse historiá-los – se confunde com a história da Igreja. E não entram nessa linha imaginária do tempo os crimes individuais, aqueles cometidos contra a vida das pessoas. Philomena é um filme cujo solo aparece sedimentado dessa sorte de horrores, embora não seja um ajuste de contas (porque isso parece impossível) com a instituição. Mesmo diante dessa impossibilidade, já adianto que este terá sido o grande erro proposital da produção; muito embora saiba que, baseado em fatos reais, a direção tivesse que seguir os protocolos de ação da história original. O título do filme é o nome da protagonista, uma senhora que procurou seu filho durante mais de cinco décadas e só o encontrou depois desse tempo graças ao interesse de um j