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Mostrando postagens de novembro, 2018

“Tête-à-Tête”: amor livre, jogos de espelho e posse

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Por Rafael Kafka Posso dizer que 2018 foi um ano de redescoberta dentro do campo literário para mim. No começo do ano, finalizei um reencontro com a obra de Jack Kerouac em um trabalho de conclusão de curso no qual eu discutia elementos de liminaridade e ambiguidade em seu romance maior, On the Road . Quando li esse livro pela primeira vez, há uns dez anos, eu senti um imenso encanto lírico com suas linhas e toda a liberdade existente nele. Na releitura feita para escrever sobre um texto que foi tão importante para minha afirmação enquanto leitor, eu me deparei, com a ajuda de textos críticos, com uma série de elementos que foram ignorados por minha primeira leitura. Eu já não via tão somente uma liberdade plena feita de atos anarquistas baseados em jazz e escrita intensos e frenéticos; eu via um sujeito vivendo entre o desejo de liberdade e o desejo de conservação, o desejo de estar aqui e estar ali ao mesmo tempo, além de um amor latente anulado por convenções viris

As últimas testemunhas, de Svetlana Aleksiévitch

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Por Pedro Fernandes O principal da obra de Svetlana Aleksiévitch é trabalho de reconstrução pelo lado de dentro dos grandes horrores da história recente da humanidade. Se considerarmos essa afirmação, logo entenderemos a necessidade de universalização de sua obra com a recepção do Prêmio Nobel de Literatura em 2015. É possível que sua literatura, como a de outros notáveis que receberam o maior galardão da cultura, logo caia no limbo. Mas, o gesto, impregnado do ideal realista, escola ou espírito que nunca morre, com o qual inaugurou outras formas de dizer é uma pequena linha dissidente, quase sempre crua, mas necessária de conhecê-la. São as testemunhas mais frágeis aos olhos da história oficial, aquelas que abaladas pela força do sentimento, são relegadas ao silêncio porque ao que dizem são suscetíveis à invenção, à inverdade, à ruptura com o registrado pelo documento. Não é do interesse da escritora russa a substituição da história; do que foi convencionado objetiva

A vida e a arte de Sylvia Plath

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Por Fernanda Fatureto A biografia de Sylvia Plath, Ísis americana: a vida e a arte de Sylvia Plath (Bertrand Brasil, 2015), de Carl Rollyson, compreende toda a vida da poeta americana e é das mais completas já publicadas sobre uma das mais lendárias figuras modernas do século XX. Porque exerceu diversos papéis-chave como mulher na sociedade americana e inglesa das décadas de 1950 e 1960. Sylvia não era apenas um rosto bonito, uma blond girl , femme fatale capaz de seduzir homens com quem manteve correspondência amorosa até conhecer o poeta Ted Hughes. Durante o período de formação na Smith College, nos Estados Unidos, foi aluna destaque em literatura e eleita editora da Smith Review . Nos anos de 1950 foi convidada para ser editora na revista de moda   Mademoiselle e passou uma temporada em Nova York lhe rendendo histórias, muitas delas deram composição ao livro A redoma de vidro , seu único romance publicado. O professor de jornalismo da Baruch College, em Nova Yo

Das mentiras que contamos sobre as vidas que não vivemos

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Por Guilherme Mazzafera Ilustração: Aldo Sérgio “Os personagens e as situações desta obra são reais apenas no universo da ficção; não se referem a fatos e pessoas concretos, e sobre eles não emitem opinião.” É com esse instigante paradoxo que vários romances editados pela Companhia das Letras saúdam o leitor na página de créditos. Costumamos ver em tal asserção meramente um ato defensivo, capaz de desestimular qualquer processo futuro por parte de um ensandecido leitor que sinta sua dignidade e pessoa foram aviltadas pela obra em questão. Não se irrite, querido leitor. A obra é de mentirinha. Mas, dentro dela, pulsa uma mentira verdadeira. O que significa ser real “apenas no universo da ficção”? Qual o escopo desse universo? Embora o senso comum facilmente tinja a ficção de tons depreciativos, associando-a ao lazer e, se tomada a sério, a um inevitável escapismo e, portanto, a uma recusa infantil de se engajar com o “mundo real” e com “as coisas da vida”, tal caract

Kafka nas palavras de Kafka

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Por Jossep Massot Franz Kafka com o amigo Max Brod no castelo Toblino, próximo a Trento, Itália, 1909. “Já vês, sou um homem ridículo; se gostas de mim um pouco, será por compaixão; minha contribuição é o medo”, escreve um jovem Kafka a Hedwig Weiler, seu amor de verão de 1907. E, todavia, o aprendiz de escritor que acreditava que “estamos perdidos como crianças na floresta” e que era bom alguém subisse à Lua para que seus movimentos, palavras e desejos não fossem totalmente cômicos e absurdos, quando dizia, “não se escutam as risadas da Lua nos observatórios”, havia ganhado já aos 19 anos, perante seu amigo Oskar Pollak, a valiosa aposta de que ia mudar a literatura do século XX: “É bom”, escreveu, “quando nossa consciência tenha grandes sofrimentos, pois assim se torna mais sensível a cada estímulo. A meu ver, só deveríamos ler os livros que nos ferem e nos afligem. Se o livro que estamos lendo não nos desperta como um soco no crânio, por que perder tempo lendo-o? Para

Boletim Letras 360º #298

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Abrimos este boletim com a confirmação de uma expectativa deixada na edição passada. Disponibilizamos o último sorteio de 2018 em nossa página no Facebook ; e fechamos o ano com chave de ouro. Daremos a uma leitora / um leitor a caixa contendo o diário inédito de José Saramago e o livro do jornalista Ricardo Viel que conta os bastidores da recepção do Prêmio de Literatura ao escritor português em 1998.  No Brasil, publica-se pela primeira vez uma antologia com poemas de Nicanor Parra. Mais detalhes ao longo deste Boletim.  Segunda-feira, 19/11 >>> Brasil: Livro inédito de Charles Bukowski ganha tradução por aqui  Poetas se desnudam. Desnudam suas tristezas, seus ideais, seus pensamentos sublimes. Mas poucos foram os ­poetas que se mostraram ao mundo como Bukowski – que, mais do que “velho safado”, bêbado e jogador, escrevia destemidamente sobre o sujeito comum, repleto de defeitos. Isso é o que o leitor encontrará na obra Você fica tão sozinho às vezes que

A estranha (e maravilhosa) mente de William T. Vollmann

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Por Rebeca García Nieto Uma personagem de Don DeLillo dizia que a verdadeira motivação da indústria editorial é tornar os escritores inofensivos. Camus ou Beckett foram os modelos de nossa ideia de absurdo; Kafka nos mostrou que o terror começa em casa, mas agora, se lamenta o protagonista de Mao II , os escritores apenas influenciam nossa forma de ver o mundo. De fato, em sua opinião, agora são os terroristas que ocupam o lugar dos romancistas, são eles que “submetem a consciência humana a seus ataques”. Não sei se esta personagem tem razão, mas que boa parte dos romances publicados são fogos de artifício falhados, sim: fazem barulho, mas estão vazios, não dizem nada de novo e têm pouco impacto, para não dizer nenhum, no mundo real. Mas, por sorte, sempre tem existido escritores capazes de incomodar o sistema. Em 1947, um “cidadão preocupado” alertou ao FBI da existência de um romance que era não mais que uma “propaganda para que o homem branco aceitasse os n

A poesia de Guimarães Rosa

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Por Pedro Fernandes Magma foi o primeiro livro de Guimarães Rosa. A data provável de uma primeira versão é 1930 e só aparecerá publicamente, não de um todo, seis anos depois, quando foi inscrito para concorrer ao Prêmio da Academia Brasileira de Letras. Na ocasião, o poeta Guilherme de Almeida, que compôs o júri do galardão, descreveu no seu parecer a poesia do mineiro como “nativa, espontânea, legítima, saída da terra com uma naturalidade livre de vegetal em ascensão”; “poesia centrífuga, universalizadora, capaz de dar ao resto do mundo uma síntese perfeita do que temos e somos” – emendou. No mesmo rosário de elogios, compreendeu, a partir da noção de poesia como “beleza no sentir, no pensar e no dizer”, que a poesia de Rosa era única no atual momento literário do Brasil. O principiante poeta, entretanto, apesar de reconhecer que sua poesia só recebera elogios desde quando passou a circular entre os leitores mais íntimos, olhou para esse filho bastardo com o