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Mostrando postagens de fevereiro, 2022

São os russos

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Por David Toscana A cavalaria vermelha . Kazimir Severinovich Malevich, 1932.   Tenho em minha mesa dois livros cujas histórias começam na Ucrânia: O exército de cavalaria , de Isaac Bábel, e Kaputt , de Curzio Malaparte.   O livro de Bábel começa assim: “O comdiv 6 relatou que Novograd-Volynsk tinha sido tomada hoje, ao amanhecer. O Estado-Maior saiu de Krapivno, e nosso comboio, uma barulhenta retaguarda, espalhou-se pela estrada de pedra que vai de Brest a Varsóvia, construída sobre os ossos dos camponeses por Nicolau I.”   Em seguida nos descreve o ambiente fértil, que tem sido a bênção e a maldição da Ucrânia: “Campos de papoulas púrpura floresciam à nossa volta, o vento do meio-dia brinca por entre o centeio amarelado, e o virginal trigo sarraceno ergue-se no horizonte como a muralha de um mosteiro longínquo. O plácido Volýnia serpenteia. O Volýnia afasta-se de nós na bruma perolada das moitas de bétulas, infiltra-se através das colinas floridas e, com seus braços cansados, enre

Seis poemas-canções de Zeca Afonso (Parte II)¹

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Por Pedro Belo Clara     MENINO DO BAIRRO NEGRO 2 (Baladas de Coimbra, 1963)   Olha o sol que vai nascendo Anda ver o mar Os meninos vão correndo Ver o sol chegar   Menino sem condição Irmão de todos os nus Tira os olhos do chão Vem ver a luz   Menino do mal trajar Um novo dia lá vem Só quem souber cantar Virá também   Negro bairro negro Bairro negro Onde não há pão Não há sossego   Menino pobre o teu lar Queira ou não queira o papão Há-de um dia cantar Esta canção   Olha o sol que vai nascendo Anda ver o mar Os meninos vão correndo Ver o sol chegar   Se até dá gosto cantar Se toda a terra sorri Quem te não há-de amar Menino a ti   Se não é fúria a razão Se toda a gente quiser Um dia hás-de aprender Haja o que houver   Negro bairro negro Bairro negro Onde não há pão Não há sossego   Menino pobre o teu lar Queira ou não queira o papão Há-de um dia cantar Esta canção   MULHER DA ERVA 3 (Cantigas do Maio, 1971)   Velha da terra morena Pensa que é já lua cheia Vela que a onda condena Feita

Boletim Letras 360º #468

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, durante a semana foi levantada uma pesquisa de ocasião no Instagram do blog sobre o conhecimento dos que acompanham o Letras nesta rede sobre a existência deste Boletim. Ainda foi alto o percentual dos que desconhecem, 33%.   2. Continuaremos insistindo em falar mais desta e de outras publicações daqui neste outro espaço da web . O interesse ali começa e decai, começa e decai, porque os retornos são baixíssimos. Bom, tudo pode ser a crise de um adolescente, mas é ainda uma interrogação sobre o efetivo papel das redes e da relação que desenvolvemos com elas.   3. Avancemos. Continuo a lembrá-lo sobre o terceiro sorteio entre o clube de a apoiadores do Letras . A editora Bandeirola disponibiliza três livros do seu catálogo. Quer apostar na sorte? Convido a saber mais sobre e, claro, a participar, acessando aqui . Nesta página, você entra em contato ainda com outras maneiras de ajudar com os custos de domínio e hospedagem do Letras para o ano de 2022.   4

Sobre assistir BBB e ser cult

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Por Rafael Kafka A. R. Penk   1 Volto a escrever para o Letras um ano depois sobre um tema muito curioso. Uma confissão na verdade: a pandemia me fez assistir ao Big Brother Brasil. Escrevi em meu blog pessoal sobre as questões emocionais e mentais que me levaram a parar de escrever publicamente e mesmo em meu diário pessoal sobre diversos temas, para não dizer todos. A escrita virou algo pesado para mim, uma forma de me exibir a qual me soava perigosa ao extremo.   Não quero ser vítima isolada, mas a pandemia me fez mal. Por causa dela, meu psicológico que já andava claudicante piorou demais. No meio da pandemia, eu simplesmente não consegui mais ler e fazer dos livros um horizonte de diferença num mar de mesmidade. O absurdo palpável é a mesmidade.   Deitado em minha cama, eu olhava para meu notebook e seus streamings e para meus livros e ebooks do Kindle e nada me chamava a atenção. Fiquei curioso de ver Baudelaire compondo poemas sobre spleen e melancolia em tempos de Covid 19,

O que pensar da força invisível do cotidiano?

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Por Tiago D. Oliveira   O que pensar do cotidiano, este sono sem sonho? Talvez o que a poesia perceba é exatamente a sua força raiz que se figura como um nome. O que nomina tem a potência que carrega o mundo, as coisas, as pessoas. O nome é o incêndio que sustenta a razão. O escudo, a espada que re/define a linha tênue que nos define vivos na carne ou na memória. Pensar as relações possíveis que o tamanho da palavra pode causar, pensar aqui é estrofe, é verso.   Em Lumes , novo livro de poemas da portuguesa Ana Luísa Amaral editado no Brasil pela Iluminuras, o leitor encontra o livro What’s in a Name? , editado em Portugal pela Assírio & Alvim, somado a outros poemas inéditos. Outro diferencial da edição brasileira é o posfácio feito pelo escritor e professor Fernando Paixão.   Logo no primeiro poema que abre o livro, “What’s in a name”, lemos — o que há num nome? — o que ampara pensarmos tudo o que o nome esconde. O nome pode garfar, abrir ou fechar portas, o que castra uma séri

Belfast, de Kenneth Branagh

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  Por Solange Peirão   Belfast , o filme, abre-se com uma bonita vista área panorâmica da cidade moderna. Depois, a câmera passeia, mostrando em visão frontal alguns dos mais expressivos monumentos locais, do antigo Belfast City Hall e Belfast Castle, ao arrojado Museu do Titanic. E o mural de rostos severos dos trabalhadores, do início do século XX, anuncia a passagem dessa apresentação colorida da cidade para a narrativa principal da história, em preto e branco, que começa a ser contada em 1969.   O filme de Kenneth Branagh é um dos indicados ao Oscar de melhor filme em 2022.  Trata-se desse reputado ator shakespeariano, que aqui assina o roteiro e a direção.   De certa forma, é um filme memorialista, visto que Kenneth Branagh passou a infância em Belfast, sua cidade natal, antes da emigração posterior da família para a Inglaterra.  E ali vivenciou, em parte, os conflitos do período entre 1968 e as décadas seguintes, historicamente conhecido como The Troubles .   A violência, que se