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Mostrando postagens de abril, 2020

O templo, de Stephen Spender

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Por Pedro Fernandes A obra de Stephen Spender é longa e se inscreve entre a dos principais nomes da poesia de língua inglesa de meados do século XIX: T. S. Eliot, quem o descobriu; W. H. Auden, de quem foi amigo muito próximo; Ted Hughes, Joseph Brodsky, entre outros. Afora as relações de amizade e de profissão, sua obra poética é reconhecida por figuras de grande relevo na literatura europeia dentro e fora de seu tempo. Assim, que os leitores brasileiros tenham por referência primeiro sua prosa é uma daquelas circunstâncias inusitadas mas não raras. O templo , cuja irretocável e primorosa tradução executada por Raul de Sá Barbosa foi recuperada nos anos finais da primeira década de 2000 depois de há muito esgotada, é um dos poucos trabalhos do escritor inglês em ficção. Fora este romance, restam Engaged in Writing e The Fool and the Princess (novelas), The Backward Son (romance) e The Burning Cactus (uma coletânea de contos). O templo foi escrito entre 1929 e 1932

Joseph Roth, o patriota dos hotéis

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Por Antonio Muñoz Molina Durante a maior parte de sua vida adulta, Joseph Roth viveu em hotéis e escreveu nos jornais. A vida no hotel é equivalente em sua provisoriedade à escrita para jornal. Você mora no hotel por alguns dias ou semanas e não tem mais bagagem do que aquilo que cabe numa mala. O que está escrito para o jornal é feito com bastante rapidez, por períodos tão curtos quanto o da permanência no hotel, e uma vez publicado, deixa de existir imediatamente. Morando em hotéis nas cidades europeias durante a segunda metade de sua vida, Joseph Roth tinha uma sensação contínua de precariedade que se aprofundava com a pobreza e com a crescente proximidade de uma catástrofe que ele havia sido um dos primeiros a prever. No início dos anos 1920, em um artigo sobre um balneário para turistas no Báltico, ele já notou as bandeiras com suásticas que começavam a tremular sobre as vilas e os passeios marítimos. Escrevendo nos jornais, peça por peça, com as urgências e

Algumas palavras sobre Rómulo Gallegos

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Por Hector Rojas Herazo Para muitos críticos ou escritores de ficção, é possível se aproximar, sem maiores dificuldades, da obra de Rómulo Gallegos. É fácil porque já se tornou um clássico das letras e porque quase todos os assuntos que o apaixonaram, e para os quais quis encontrar soluções adequadas, foram renovados. E se renovaram, precisamente, pela constância e a intensidade criadora de homens como o escritor venezuelano. O romance latino-americano, depois de vencer a decisão reducionista de seus escritores fincados no seu próprio solo e de buscar se equiparar com outros sistemas expressivos, encontra-se em posse de recursos técnicos mais ambiciosos e imprevisíveis. Agora não é o solar – a terra como vastidão e indefinição, como assédio da natureza, como grandiosa e ardente questão de pátria – o que interessa ao romancista desta parte do mundo. Agora, o que lhe interessa é sua descoberta do que é um fantasma. Já não obseda ao romancista (mas de fato os envolve, os

A primeira volta ao mundo, uma crônica de dor humana

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Por Juan Luis Cebrián No início dos anos trinta do século passado, Stefan Zweig, que já gozava de fama mundial, embarcou com destino ao Brasil e à Argentina em busca, como ele próprio disse, das mais belas paisagens da terra e do encontro com um grupo de camaradas intelectuais com os quais poderia debater e imaginar. O prazer da viagem, o conforto do transatlântico, a benevolência do clima e a calma de um mar quase sem ondas transformaram sua viagem em uma alegria indescritível que, no entanto, gerou um sentimento de vergonha. Ele comparou aqueles dias de felicidade com o trabalho duro, as dificuldades e os sofrimentos dos argonautas do século XVI, que, numa espécie de segunda odisseia, circundavam a Terra. Como resultado dessas reflexões, ao voltar para casa, ele decidiu documentar extensivamente os fatos e, assim, deu à luz o que é provavelmente o relato mais bonito e memorável de tudo o que foi escrito sobre o feito de Fernando de Magalhães e sua tentativa de reali

Boletim Letras 360º #372

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DO EDITOR 1. O Boletim Letras 360º que reúne informações disponibilizadas (ou não) na página do Letras no Facebook. Obrigado pela companhia e, boas leituras! 2. Reforço o pedido que se tornou universal: se puder, fique em casa. E estar em casa é sempre uma oportunidade de ouro para ler. Hermann Hesse. Novos títulos do escritor voltam aos leitores brasileiros. LANÇAMENTOS Diários índios  traz os registros de duas temporadas de Darcy Ribeiro entre os anos de 1949 e 1951 entre os Urubus-Kaapor, em plena região amazônica. O livro ganha nova edição pela Global Editora . Este é um dos últimos livros publicados por Darcy Ribeiro; um instigante relato de seu amor pelos índios. Organizador do Museu do Índio e responsável pelo plano de criação do Parque Indígena do Xingu, o antropólogo conheceu como poucos a alma daqueles que habitavam o Brasil antes da chegada dos europeus. Com uma linguagem fluente e de maneira bastante despretensiosa, o livro traz os registros

Cansados de esperar o fim: a extinção humana segundo a ficção científica

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Por Grace Morales Uma geração passa e outra chega, mas a terra é sempre a mesma. Eclesiastes 1: 4 J.M.W. Turner,  The Deluge .  No princípio, foi criado o fim. Qualquer religião que se preze tem um evento em que a vida da comunidade desaparece de forma abrupta, violenta e espetacular. Este evento já pode ser prefixado ou causado pela ira dos deuses, pela estupidez dos seres humanos e vir com um desastre ecológico ou uma grande guerra. Todos os fatores podem ocorrer de uma só vez: tempestades de fogo, anjos justiceiros do espaço sideral, a terra que se abre... O apocalipse é certamente o conceito mais popular da nossa história. Alegramo-nos, como as criaturas finitas e supersticiosas que somos, sonhando com eventos terríveis que culminarão no desaparecimento de nossa espécie. Triste consolo à nossa condição, mas que gerou uma quantidade imensa de literatura e produtos de entretenimento – filmes, quadrinhos, televisão, música – para desfrutar do sofrimento do

Stoner, de John Williams

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Por Pedro Fernandes Quando a obra continuamente negada em seu tempo alcança o reconhecimento tardiamente uma das justificativas sempre repetidas é que ela não estava ao alcance dos leitores de então. No Brasil, por exemplo, essa complicada constatação é sempre oferecida em relação à literatura de Clarice Lispector. No país natal de John Williams, a compreensão se repete com frequência em torno de obras como Moby Dick , de Herman Melville, ou da literatura de Raymond Carver ou do próprio autor de Stoner só redescoberto meio século depois da sua morte. Sua chegada por essas terras só foi possível nessa febre tardia em torno do romance e da obra do escritor do Texas. Mas, a justificativa não é apenas complicada; é ainda uma daquelas mentiras fabricadas pela crítica – talvez inconscientemente – para não admitir sua falta de sensibilidade ou mesmo a esconder certa implicância proposital em torno de determinados criadores. Não é possível acreditar plenamente na ideia de ob