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Mostrando postagens de março, 2022

Algumas notas sobre escrever de pé

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Por Bárbara Mingo Costales Ilustração: Golden Cosmos.   Perguntei a alguém que eu achava que já tinha resolvido como combinar o exercício da escrita, que sempre se diz que o leva a uma vida solitária, com o contato constante e genuíno com os outros. Ele respondeu perguntando por que estava procurando isso, por que ir atrás de um equilíbrio. Que fizesse o que pudesse e que tudo iria se ajustando.   Às vezes imagino a escrita como uma atividade espeleológica, na qual você desce a estratos inexplorados e depois emerge com o que encontrou às cegas e que só poderá apreciar quando estiver fora. Outras vezes é como estar em um campo cheio de flores com a intenção de fazer um buquê. Você escolhe algumas e descarta outras. Há algumas flores que você corta e depois joga fora e assim por diante. Todas essas possibilidades. Agora estou mais interessada em espeleologia. De certa forma, ao caminhar pelo campo você já viu o buquê que vai fazer, disperso. Aqui, profundidades e flores representam duas

Literatura do córrego: sobre o que falamos quando falamos sobre “grit lit”?

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Por Laura Fernández Alfred H. Maurer. Recorte com tribulo a  Sherwood Anderson. Google Art Project   No sul dos Estados Unidos, o sul de cidades fantasmas, de caravanas que confundem com a terra, de ravinas sinistras, rios rasos e vibradores em forma de cobra, só se toma café com algo chamado corn grits . Um tipo de cereal de tigela no leite que parece um mingau monstruoso e mole. “Foi assim que tudo começou”, diz Chris Offutt (Lexington, Kentucky, 63). Autor do sufocantemente poderoso Kentucky Straight , e de pelo menos mais um par de romances, publicados na Espanha por Sajalín, e filho de Andrew (Offutt), o rei da pornografia escrita do século passado, refere-se à maneira como surgiu o apelativo grit lit . A chamada “literatura-rio”, ou noir rural , aquela que torceu o universo irremediavelmente perdido do clássico (de 1919) Winesburg, Ohio , de Sherwood Anderson, não foi oficialmente considerada “uma coisa toda em andamento” até 2012, como lembra Offutt de algures do condado de Laf

Alejandra Pizarnik: correspondências

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Por Fernanda Fatureto Alejandra Pizarnik. Arquivo Flia D'Amigo-Digisi. As correspondências de Alejandra Pizarnik e seu psicanalista Léon Ostrov foram reunidas em livro em 2012. Cartas tem edição de Andrea Ostrov e mostra a relação íntima que Pizarnik trava com o papel e sua confiança no profissional. Dessa relação que se converte num tipo de amizade a argentina constrói belos momentos quando da sua estadia em Paris.   “Léon Ostrov foi o primeiro psicanalista de Alejandra, que recorreu a ele quando tinha apenas 18 anos, em meio de 1954. Quando ela se instalou em Paris, entre 1960 e 1964, estabeleceu uma relação epistolar que se converteu em 21 cartas. A relação de amizade entre Pizarnik e Ostrov foi sustentada pelo profundo interesse de ambos por literatura e filosofia.”, afirma-se na introdução do livro.   A poesia de Alejandra Pizarnik nasce da angústia e do contato com o vazio. Léon Ostrov lhe impulsiona a persistir nessa busca: “tenta lhe dar ânimo, reforçar sua autoestima, a

Orhan Pamuk, “o difamador”

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Por Javier González-Cotta Orhan Pamuk. Foto: Ozan Kose.   Não é a primeira vez — nem provavelmente será a última, para seu pesar — que o vencedor do Prêmio Nobel turco em 2006, Orhan Pamuk, é visto nos agitados tribunais de seu país. Em 2021, depois de publicar seu último romance na Turquia, intitulado Veba geceleri ( Noites de peste em tradução livre a partir do inglês), um advogado da cidade de Esmirna, Tarcan Tülük, apresentou uma queixa-crime alegando que o escritor havia insultado Kemal Atatürk, bardo da Turquia secular nascida em 1923 e, desde então, considerado o suposto pai de todos os turcos (é isso que Atatürk realmente significa).   O advogado de Esmirna entende que no romance a figura do oficial Kolagasi Kamil é uma cópia do próprio Atatürk, que seria retratado, sempre de acordo com sua opinião, de forma muito desrespeitosa. Pamuk ambienta seu novo romance em 1901, numa ilha fictícia do Mar Egeu, chamada Minger (o vigésimo nono estado do Império Otomano), localizada em um

Seis poemas de “American Primitive” (1983), de Mary Oliver

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Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões) Mary Oliver. Foto: Mariana Cook   JOHN CHAPMAN   Usava uma panela de chumbo como chapéu, a mesma em que cozinhava a ceia, ao anoitecer, nas florestas do Ohio. Vestia uma serapilheira e caminhava descalço, os seus pés tortos como raízes. E para onde quer que fosse as macieiras floriam na sua peugada, tão encantadoras quanto jovens raparigas.   Nenhum índio, colono ou animal selvagem alguma vez o maltratou, e ele, por sua vez, tudo honrou, toda a criatura de Deus! nem hesitava, numa noite chuvosa, em partilhar o abrigo dum tronco oco, bem junto a qualquer criatura que lá estivesse: cobras, talvez um guaxinim ou um urso parecendo uma enorme laje.   Lembrava a Sra. Price, de Richland County, já falecida, cuja casa de seus pais por vezes o recebia em visita: apenas por uma vez falou sobre mulheres, e aqueles olhos cinzentos   tornaram-se gelo. “Algumas são falsas”, sussurrara — e ela sentira a dor de tais palavras, recordando-a até tarde em

Boletim Letras 360º #472

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, eis o Boletim n.472. Aproveite nossas boas informações e boas leituras. E, cabe não esquecer que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ajuda a manter o Letras .     2. Em nome do Letras , obrigado pelo convívio e pelo apoio! James Joyce. Foto: Berenice Abbott   LANÇAMENTOS   Nova tradução integral do Finnegans Wake , de James Joyce .   Sylvia Beach dizia que Joyce comparava a história à brincadeira do telefone sem fio, na qual alguém sussurra alguma coisa no ouvido da pessoa ao lado, que a repete não muito perfeitamente para a próxima pessoa, e assim por diante; quando a última pessoa escuta, a frase surge completamente transformada. Parece-me que Joyce levou essa brincadeira para a sua ficção. Em Finnegans Wake , ele diz, na página 5, em tradução de Afonso Teixeira, que “Deve perfazer agora mil e uma estórias conhecidas e parecidas”. Além disso, destaca-se que Finnegans Wake é uma grande fofoca