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Mostrando postagens de 2021

Os melhores de 2021

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Por Pedro Fernandes Ilustração: Leonard Beard.   Exceto para o trabalho — uma necessidade — não faço listas de perspectivas. Aliás, talvez seja, justamente por isso ser rotina de professor que na prática adjacente prefiro não construir mais projeções. Leio e vejo o que na ocasião me apetece, ou o que está há muito no meu horizonte de interesse por motivação diversa, incluindo a revista dessas listas agora publicadas e desde pelo que li sobre ao o que um objeto artístico sugeriu, ou mesmo porque preciso responder aos compromissos das editoras parceiras.   Agora no final do ano, depois de passar a vista no que anotei para o possível lugar dos melhores, confesso — se por enfado, preguiça ou falta de estímulo, não sei — pensei muito se valeria a pena levar adiante a divulgação dessas listas. A desmotivação foi tanta que nem mesmo abri consulta para o público nas redes ou pedi aos colunistas suas preferências.   Bom, depois de idas e vindas, aqui estão os Melhores de 2021, o que me parece

Os melhores de 2021: prosa

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—  Debaixo do vulcão , de Malcolm Lowry (Alfaguara Brasil) O motivo para o enredo é simples, os caminhos e o aprofundamento formam a qualidade constitutiva de todo bom romance. Chama atenção como Malcolm Lowry manipula os mais variados campos da língua e da linguagem para elaboração da sua obra. Para um tempo feito de simplificações gratuitas, sempre amparadas na falsa ideia de transparência da linguagem, o contato com uma escrita com domínio profundo dos seus muitos meandros, alarga nossa experiência com a língua e com o mundo, isto é, cumpre a obra mais que o falado efeito estético e, o mais caro para os dias atuais, não se submete ao veneno raso da ideologia. É notável que um romance sobre o fracasso não seja um fracasso.  Leia mais sobre aqui   ● Compre o livro aqui   —  Faça-se você mesmo , de Enzo Maqueira (PontoEdita) Numa altura quando as mais variadas possibilidades de criação ficcional já foram colocadas em prática — do zelo excessivo com o fabular ao seu apagamento — ainda e

Os melhores de 2021: poesia

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  —  A mulher forte e outros poemas , de Gabriela Mistral (Pinard) O nome da poeta chilena dispensa apresentações; é um dos mais importantes da poesia chilena, reconhecimento marcado pela Academia Sueca que a fez primeira figura da América Latina a receber o Prêmio Nobel de Literatura em 1951. Apesar dos laços estreitos de Gabriela Mistral com Brasil — ela morou por um tempo em Petrópolis, no Rio de Janeiro —, sua obra, nunca publicada integralmente por aqui, estava há muito fora de circulação. Através de um financiamento coletivo — tem sido essa a alternativa da jovem editora que publicou a obra aqui citada —, conseguimos acessar o que é a primeira antologia mais generosa da poeta entre nós. Com tradução e organização de Davis Diniz, o livro reúne mais de oito dezenas de textos e é, por tudo o que se afirmou até agora, um dos feitos mais importantes envolvendo a poesia de Mistral.   —  Poesia reunida (1968-2021) , de Leonardo Fróes (Editora 34) Este como primeiro título dessa lista e

Destaques em projetos editoriais 2021

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  Projeto de Beatriz Lamego para a Fotobiografia de João Cabral de Melo Neto .   A vida em imagens do poeta avesso ao exibicionismo Talvez João Cabral de Melo Neto tenha sempre desejado alguma vez a paz definitiva, o distanciamento do bulício da vida. Ou talvez tenha vivido no dilema entre uma coisa e outra. Mais pelo trabalho como diplomata que o ofício de poeta, ainda que este tenha sido reconhecido de variada forma em vida, seus passos foram bem registrados; na intimidade do lar contava com uma  paparazzi  especial: a companheira Stella Maria Barbosa de Oliveira se interessava muito pelo registro fotográfico como se, no desejo de todo fotógrafo, pudesse guardar o instante e projetá-lo para a memória futura. O resultado disso é um arquivo riquíssimo que foi em parte devassado pelo também poeta Eucanaã Ferraz e pela pesquisadora Valéria Lamego. Um feito valiosíssimo que se soma a outro: a biografia escrita por Ivan Marques e publicada pela editora Todavia — dois acontecimentos que pod

Música (alma) e literatura

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Por Marcelo Moraes Caetano William Michael Harnett.  Music and Literature , 1878   A relação entre música e literatura se dá, como a que há entre diversas outras artes umas com as outras, de formas múltiplas, muitas vezes complementares, outras vezes apenas paralelas. É fácil e oportuno, por exemplo, à guisa de preâmbulo, traçarem-se correlatos semânticos entre a literatura e a pintura, a literatura e o teatro, a literatura e o cinema, a literatura e a dança e assim por diante. Falar da comparação entre música e literatura, entretanto, parece tarefa um tanto ou quanto mais árdua, ou menos precisa. Isso porque o significante da música e o da literatura diferem, já na gênese, diametralmente. A literatura dispõe da evocação sígnica da palavra, que grafa no cérebro humano um sem-número de significados provenientes dessa sua propriedade imanente — o som, a escrita, seja lá o que for que provenha da palavra. A música, por seu turno, é expressão muda no que tange aos significados lexicais. A

Oito (está bem, nove) poemas de António Osório

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Por Pedro Belo Clara António Osório. Foto: Arquivo do jornal  Público . (Reprodução).     IN MEMORIAM   Ao lado do corpo de meu Pai chorava esta pobre carne. E de repente chegou a tua e minha felicidade:   A teu lado estou sorrindo a chamar-te, espero que regresses a casa, ansiosamente corro para a porta.   E ao colo sinto o teu calor, contigo passeio pela mão, pergunto, pergunto e tu respondes ocultando o fim da vida.   Ver-te dormir, alegria igual à tua quando de noite tranquilo eu respirava.   Tenho três anos e tu, Pai, és jovem, grande, senhor do mundo, deus docemente temido desde o início.   Assim te amo agora sem lágrimas. Que deste modo teus netos um dia se recordem de mim, na tua, minha e deles pura ignorância da morte.     A MEUS FILHOS   A meus filhos desejo a curva do horizonte.   E todavia deles tudo em mim desejo: o felino gosto de ver, o brilho chuvoso da pele, as mãos que desvendam e amam.   Marga, meu fermento, neles caminho e me procuro, a corpo igual regresso:   ao