Postagens

Mostrando postagens de abril, 2019

Incerteza e criação

Imagem
Por Julián David Correa A Escola Internacional de Cinema de San Antonio de los Baños, em Cuba, é uma organização não-governamental interessada em impulsionar a formação de cineastas do Terceiro Mundo. A Escola recebe apoio econômico do governo para custeio dos que aí trabalham. A maior parte das ajudas que mantêm a Escola provêm de doações e do pagamento das mensalidades de alunos que ingressam nas oficinas oferecidas pela instituição. Junto a estas importantes contribuições há ainda um valor muito pequeno arrecadado da venda de produtos para fora do país. A série de televisão Amores difíciles (1987), que se apresentou na Colômbia, foi realizada graças a uma parceria entre diferentes canais, produtoras e a Fundação Novo Cinema Latino-americano, instituição que durante vários anos foi presidida pelo escritor Gabriel García Márquez e que tem, como uma de suas extensões, a Escola. Já nessa série podia se observar algumas das características que se tornaram recorrentes em

Ofício de Paciência, de Eugénio de Andrade

Imagem
Por  Pedro Belo Clara  Eugénio de Andrade. Foto: Rui Uchôa Apresentamos e, com tal gesto, sugerimos um livro da completa maturidade de um dos poetas portugueses de maior revelo no século XX, tecido numa madurez de expressão que se poderá classificar de declínio em termos de teor, não pela parca valência da temática, de todo, mas pelos assuntos trazidos à luz clara do poema, mais vividos e naturais num indivíduo que conhece o inevitável rumo dos seus dias. Lançado em 1994, contava o autor com setenta e um anos de idade, é, à semelhança de outros livros que Eugénio editou em igual período, uma obra de despedida, como se o poeta estivesse numa constante espera pelo derradeiro momento, sabendo-o mais perto e, assim, mais provável de lhe perturbar, de súbito, a placidez dos passos. Contudo, outros viriam, ainda, e com eles o prazer das simples coisas de sempre, avivado a cada carícia – não obstante, em contraste, a sombra que nenhum sopro poderá afastar. Mas, diga-se, tal

Boletim Letras 360º #320

Imagem
Abrimos esta edição do Boletim Letras 360º renovando o convite para a leitora e o leitor para uma visita às duas mulheres que são agora novas colunistas no blog: Amanda Lins e Flaviana Silva. Depois, leitora e leitor que tem uma conta no Instagram mas ainda não nos acompanha nesta rede social, eis um motivo para fazermos novas amizades: até o dia 11 de maio recebemos inscrições para participação em uma nova promoção. O há-muito anunciado outro sorteio de um exemplar da nova edição de Grande sertão: veredas  vai sair. Abaixo estão as notícias que passaram noutra de nossas redes – a página no Facebook –, as dicas de leitura da semana e outras novidades que podem interessá-la/lo. Boas leituras.   Em 2020 celebra-se o centenário de Clarice Lispector e várias são as atividades editoriais anunciadas pela casa que publica sua obra no Brasil.  Segunda-feira, 22 de abril Edição reúne contos de Teresa de la Parra A escritora que nasceu em Paris e passou a infância entre a

Algumas leituras e a violência encoberta

Imagem
Por Rafael Kafka Um dos grandes dilemas encontrados por mim em minha existência cotidiana é a vontade de ler muitas coisas ao mesmo tempo. Essa vontade me domina desde antes dela existir, pois ali por 2008-2009 eu já tentava sem muito sucesso ler pelo menos dois livros por vez. Não conseguia, pois, morando em ambiente barulhento, eu lia mais em ônibus indo e voltando da faculdade e pouco tempo sobrava para mais de uma leitura por vez. Morando sozinho há alguns anos, quase todos eles foram dedicados à leitura conjunta de títulos, mas confesso que hoje esbarro demais numa falta de disciplina condicionada pelo meu imenso gosto de conversar. Por mensagens, comentários em postagens ou no revezamento de aparelhos na academia sou um viciado em boa prosa e isso atrapalha demais meus planos de leitura. Mas, mesmo aos trancos e barrancos eles avançam e eu aos pouco vou percebendo o grande prazer de fazer isso em minha vida: o de captar as conexões entre textos diferentes em a

Entre a cruz e a máscara. “O crime do padre Amaro” de Eça de Queirós

Imagem
Por Flaviana Silva O crime do padre Amaro  foi publicado em 1876 e é situado em um contexto histórico no qual Portugal passa por grandes transformações; as informações chegam à capital de forma mais rápida através das relações com Paris e os jovens lusitanos se interessam cada vez mais pela comunicação, adotando novos pensamentos. Neste cenário, percebe-se que Eça de Queirós adotou em seu trabalho o objetivo de constituir pela escrita uma função social. Transmitindo a exposição de um cenário de problemas, seu realismo vem como uma apresentação do que ainda significava o grande atraso português, sobretudo aqueles lugares que se distanciam do grande centro; é este algum dos motivos que levam a obra a receber várias críticas no seu tempo, o que só mostra o seu valor em uma sociedade que até hoje se utiliza de múltiplos disfarces para as suas relações. O espaço é apresentado de forma muito detalhada: o narrador utiliza de descrições para evidenciar onde se constitui as aç

Amora, Natalia Borges Polesso: mulheres reais, vivendo vidas reais

Imagem
Por Amanda Lins Natalia Borges Polesso é escritora e tradutora, além de doutora em Teoria da Literatura pela PUC-RS. Recortes para álbum de fotografia sem gente , seu primeiro livro, venceu o prêmio Açorianos de 2013, na categoria contos. Ainda em 2019, lançará outro livro, Controle . Em Amora , livro vencedor do prêmio Jabuti 2016, na categoria contos e crônicas, além do Jabuti Escolha do Leitor, você se apaixona, tem seu coração partido, aprende a se reinventar – ou todos esses ao mesmo tempo – junto com as protagonistas. São contos sobre mulheres que amam mulheres, mas não só. São mulheres que caem da escada, que plantam abobrinhas, que aprendem quando criança o que é uma “machorra”, para depois desaprender. Como nós. Mulheres. A perspectiva dada aos fatos, mesmo que cotidianos, revela ao leitor – este que, por muitas vezes, encontra o personagem LGBTQ+ no lugar-comum do sofrimento, seja amoroso ou em seus outros âmbitos de vivência – que é possível existir além. A

Numa catástrofe, quais livros salvaríamos de nossas bibliotecas pessoais?

Imagem
Eterno é o fogo. Esteve adormecido desde as imemoriais eras até ser descoberto e controlado. O controle fica por conta daquelas ilusões que construímos ao longo da vida para garantir nossa própria existência. Na prática quase tudo é sempre o contrário. E esse é um desses casos. É o fogo que nos controla. Mesmo inconsciente. Alguma vez, o leitor poderá ter imaginado não conseguir acordar porque a casa ou o apartamento perece sob as chamas enquanto dormia. Ou que, na ausência de quem o controle, de um sorrateiro curto-circuito, coisinha qualquer, um fogo pode nascer e devorar tudo e deixar só as cinzas... Nossa condição de controlados pelo fogo é tamanha que fomos levado a pensar que se não respeitamos as leis divinas iremos perecer no inferno, descrito por extensa parte da cultura humana como um imenso caldeirão ardente. E foi, tomado pelo horror de algo que nos encanta que fomos levados a um desafio para este Dia do Livro. Numa tragédia como a do Museu Nacional e a de Notr