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Mostrando postagens de agosto, 2009

Das misérias humanas

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Por Pedro Fernandes Jan Havickszoon Steen Quero relatar dois episódios que não sei onde os colocaria na estante dos acontecimentos que frequentemente nos assaltam. Mas, creio que ficaria bem no setor daqueles casos em que por baixo se escreve Das misérias humanas .  Também não consigo agora descrever misto de sentimentos que me invadiu no momento das duas ocorrências - se pena, se tristeza, se impotência... se...  O primeiro fato se deu numa saída de um sebo, certo dia - dia daqueles escolhidos para peregrinação em sebos. Pedi a uma vendedora de rua, um copo de água, que ainda, apesar dos altos e baixos da economia, se é vendido a cinquenta centavos. Revirei minha mochila e catei os centavos que tinha. Quarenta e cinco no total.  Não tomei cara emprestada e joguei com a vendedora, pensando na facilidade da venda: - Aceita os quarenta e cinco centavos ou quer tirar de dez? Ela devolveu-me as moedas: - É melhor tirar de dez. É... E dizem por aí os economistas que o dinheiro anda curto.

Caim, o novo romance de José Saramago

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De acordo com uma carta escrita por Pilar del Río e publicada no Blog da Fundação José Saramago, é oficial para outubro o novo livro do escritor português. A notícia enche todos os seus leitores de grande expectativa; tudo porque um escritor como José Saramago era ideal que nunca nos deixasse, nunca se calasse. Há sempre reflexões muito lúcidas, inquietantes e necessárias ao nosso tempo. Depois de publicado A Viagem do Elefante , entre as longas travessias de uma doença, temíamos que não existisse mais outra obra. Mas não. Estamos todos os leitores da sua obra muito felizes. O título do romance é Caim  e a figura bíblica é a protagonista principal. Certamente esse será um livro distante do fôlego de O Evangelho segundo Jesus Cristo  porque as condições físicas do escritor de 87 anos já não são as mesmas de 1991. Mas trará, certamente, um impacto parecido com o do outro romance. Já sabemos das posições certeiras de José Saramago quando o assunto é a religião e elas não deverão ser

A Última Sessão de Cinema, de Peter Bogdanovich

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Cybill Shepard. A Última Sessão de Cinema foi o primeiro filme para a atriz. A vida nos Estados Unidos durante os dourados anos 1950 vista na perspectiva ordinária de uma cidade do interior do Texas O fim de um época e a decadência de seus ícones refletidos no cotidiano de uma pequena cidade do interior do Texas. A partir dessa idéia simples, o diretor Peter Bogdanovich fez um filme que homenageia, sem nostalgia e com muita personalidade, o início do fim do modelo clássico hollywoodiano que alcançou seu ápice anos de 1950. A Última Sessão de Cinema   se passa em 1951 e acompanha dois adolescentes que vivem o fim da juventude. Sonny Crowford (Timothy Bottoms) e seu melhor amigo, Duane Jackson (Jeff Bridges), jogam no time de futebol americano do colégio. A cidade tem na piscina pública, na lanchonete e na ida ao cinema seus únicos lugares de quebra da rotina. Os últimos dias do colégio e a solidão dos personagens tingem de melancolia o filme e tudo parece estar em decadên

Imortal Werther, imortal Goethe

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Por Genoveva Dieterich A morte de Werther. F. C. Baude O autor de Fausto , Wilhelm Meister , As afinidades eletivas , o prudente ministro e conselheiro de príncipes em Wiemar, foi um artista adolescente , demolidor de ortodoxias e academicismos, criador de uma nova linguagem poética e precursor do romantismo revolucionário. Ante a estátua colossal e marmórea monopolizada pela academia e o panteão, é necessário, pois, recordar o imortal autor do imortal jovem Werther . Como nenhuma outra das obras-chaves da época criativa do jovem Goethe, assinalada entre os anos 1771 e 1775, e transbordante de material poético incandescente, o Werther representa essa impressionante tensão de entusiasmo e sensibilidade, inteligência e impetuosidade que caracteriza a juventude do escritor e que só pode definir-se como genialidade. Quando no outono de 1774 foi publicado em Frankfurt o primeiro romance do jovem advogado com o título de Die Leiden jungen Werther , ou Os sofrimentos do jovem Wer

Jorge Luis Borges

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Por Pedro Fernandes Fui apresentado à obra de Jorge Luis Borges por duas portas: a dos contos e a dos poemas, nesta ordem. Mas, sou leigo, muito leigo para falar de cada uma delas e da obra em geral do escritor argentino. Só sei dizer que é uma obra magistral, cerebral. Ler qualquer obra de Borges pressupõe entrar em contato com uma variedade grandiosa de referências.  Dá para qualquer leitor leigo notar lida algumas linhas de sua vasta obra que a escrita desse argentino cobra caras bússolas como guia no extenso labirinto bordado por ele. A crítica mais especializada já terá dito o suficiente em considerar sua obra como um dos maiores acontecimentos na literatura contemporânea. E com razão. O alerta que deve ser feito, entretanto, é que sua obra é de uma maturidade tal que cobra um leitor iniciado e com uma fome de leitura que esteja próxima a do escritor que, segundo se conta, sempre se considerou mais leitor que escritor. Hoje, é data que marca seu aniversário; o escritor

Fogo Morto, um romance de decadências

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Por Pedro Fernandes Confesso que estive certo tempo afastado da literatura brasileira, que, tanto li desde meados de minha adolescência e na faculdade. Mas, se a memória não me trai agora, o último que eu li foi  Capitães da Areia , de Jorge Amado, sobre o qual redigi um artigo, que por sinal (faz bem tocar no assunto) ainda não achei conveniente torná-lo público. Foi quando me debandei para a literatura portuguesa, mais especificamente (os que me conhecem, sabem) por causa de José Saramago - nele tenho concentrado minhas energias  seja na leitura da obra completa desse escritor, seja na de outros referidos por ele. Aliás, devo a Saramago minha redescoberta de Jorge Amado, porque quando li alguns dos seus romances, inclusive Capitães , fui inconsequente de me guiar pelo sectarismo da crítica literária que os professores nos dão em altas doses na faculdade. Com uma disciplina no mestrado, tive de voltar a algumas lacunas de leitura da nossa literatura e foi quando li Fogo Morto , de J

Ariano Suassuna, os encontros que (não) tive

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Por Pedro Fernandes 1.  Ainda por esses dias me surpreendi com uma amiga minha no mestrado que afirmou não saber quem era Ariano Suassuna. Mas, nem quando dos comerciais da TV Globo acerca de O   auto da compadecida , o filme, você ouviu falar, Da obra de Ariano Suassuna? Indaguei surpreso. Não. Respondeu ela. Fiz a pergunta porque todo mundo dada a popularidade da emissora e, claro, a quantidade sem fim de vezes que o filme foi reprisado; também eu, quando adolescente, que não tinha o acesso necessário aos livros e à literatura, tive contato pela primeira vez com o nome do escritor pernambucano através desse filme. 2. Em compensação pode haver autores e obras da literatura inglesa e estadunidense, que é área de habilitação de sua formação em Letras que eu nunca tenha ouvido falar. Muito óbvio, mas uma brasileira, estudante de Letras nunca saber sequer do nome Ariano Suassuna, é, sim, muito estranho. 3. Comecei a conhecer a obra de Ariano através da adaptação da peça para o

Morte em Veneza, de Luchino Visconti

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Viagem de um artista em crise discute a existência suprema nessa obra musicada pelas sinfonias de Gustav Mahler O italiano Luchino Visconti consegue o impossível: verter para a tela uma obra do alemão Thomas Mann, densa e descritiva, cuja força nasce no volume do texto. Assim, o que é tratado em palavras na obra homônima escrita em 1912, o cineasta, sabiamente, transforma em imagens e trilha sonora. Assim, se o protagonista, Gustav von Aschenbach, era um literato no original, na versão cinematográfica ele é músico. É a bana sonora, aliás, a grande força deste clássico de Visconti, que usa as 3 ª e 5ª Sinfonias de Gustav Mahler para conduzir o martírio de Aschenbach (feito soberbamente por Dirk Bogarde). Ele é um teórico rigoroso que defende a existência de uma beleza suprema, e o papel do artista como seu grande recriador. Em Veneza, ele se depara com um garoto andrógino, Tadzio (Björn Andresen), que seria a encarnação suprema da perfeição. Uma admiração que o filme enfati

Esperado ouro, de Marize Castro

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Por Pedro Fernandes Escrever me faz suportar todo incêndio - toda quimera (Marize Castro) Tenho revisitado Marize Castro. Desde alguns dos seus primeiros livros, como  Marrons crepons marfins  (1984 e título com o qual ganhou o Prêmio de Poesia da Fundação José Augusto) e Poço. Festim. Mosaico  (de 1996, Prêmio Othoniel Menezes) ao seu último lançamento, Lábios-espelhos  (2009). Quero, entretanto, tecer uma breve nota sobre  Esperado ouro (2005). Como uma nota, é breve; é mais para deixar escrito aqui alguns poemas que grifei na sua obra para uma leitura mais acurada do leitor. Pareceu-me que Esperado ouro  é um metalivro, porque é preenchido de uma poesia que é fala de si, ou uma escrita dobrada sobre si própria. Refletida pele-a-pele a palavra e suas dobras. Pele, dobras e carne. A mesma carne feminina, pulsante de desejo, instintivamente fêmea, ativa pelo cio divino: "Hoje descobri que quando estou dormindo/ Deus segura minha mão e a leva pa

Ezra Pound: fascismo e traição

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Por Homero Aridjis Ezra Pound foi um homem com um grande talento literário. Durante as duas primeiras décadas do século XX ajudou a escritores da envergadura de James Joyce, William Carlos Williams, Robert Frost, Ernest Hemingway, Katherine Mansfield, entre outros a publicar quando necessitavam de um impulso e a todos eles deu conselhos para revisar suas obras. Mas Pound, o poeta de Idaho, também ficou conhecidos por suas atividades antissemitas na Itália fascista.  No México, ao longo de minha vida literária, escutei certos intelectuais exaltar Ezra Pound, não por seu melhor livro de poemas, Personae , nem por suas boas traduções, mas pelo pior lado: o do fascismo. Estas exaltações, como outras manifestações de reverência ao nazismo alemão, as considerei e desculpei, como mostras de um incurável complexo de inferioridade, racial e cultura. Ironicamente, às vezes essas exaltações estiveram precedidas de gente que pela cor da pele ou por sua condição social provavelmente

10 filmes inspirados em clássicos da literatura brasileira

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Não é objetivo por em ordem pelo valor ou pela qualidade das adaptações; esta é uma lista livre. Apenas agrupam-se alguns filmes brasileiros que tiveram seu enredo inspirado em romances também brasileiros. Há muitos que seguem essa construção, alguns até mais recentes, mas queríamos tocar na ideia de clássico . Depois, é muito possível que façamos mais outra listinha; por enquanto, estes merecem muito a atenção de leitores e de amantes do cinema nacional. Cena de Vidas secas. Vidas secas , de Nelson Pereira dos Santos (1963): A família de retirantes, Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia, que, pressionados pela seca, atravessam o sertão em busca de meios de sobrevivência, ganhou as telas do cinema quando ainda era charme a tela em preto e branco. A trama baseada na obra homônima de Graciliano Ramos, não só reaviva a narrativa enxuta do escritor alagoano como consegue avivar o retrato das personagens tão bem engendradas e talvez as

Alphonsus de Guimaraens

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O poeta Alphonsus de Guimaraens e sua companheira. Possivelmente, o maior nome (ou pelo menos o mais conhecido) que tivemos no nosso Simbolismo foi Cruz e Sousa, o poeta nascido de uma família de escravos alforriados que encantou-se por um mundo pálido e carnal ao mesmo tempo, cuja vida que levou parece-se muito com a de qualquer um daqueles nomes do Romantismo mais encruado.  Mas, além dele, há um nome que deve figurar como o segundo mais importante que adotou um nome de constituição latina em 1894, certamente como uma maneira não de ter um codinome artístico, mas para fugir da trivialidade do nome de batismo: Afonso Henriques da Costa Guimarães. Além do que, o poeta ficou conhecido pelo gosto que tinha pelo latim, influência possivelmente puramente religiosa (estamos num tempo em que os cantos e as celebrações da Igreja eram feitas na língua clássica e, Guimaraens chegou a traduzir em versos, segundo nos informa Manuel Bandeira, o "Tantum ergo" e o "Magnificat&q

Os novos livros de Saramago: especulações de um ávido leitor

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Por Pedro Fernandes Caim e Abel, Titian. Novo romance de José Saramago voltará a tema bíblico. Depois de A viagem do elefante , lançado no final de 2008 e depois de O caderno , lançado este ano, eis que se anuncia a nós, saramaguianos, mais dois livros do escritor português. Um dos títulos é produto da ingênua especulação de um leitor que desde quando descobriu a literatura de José Saramago, em meados de 2006, nunca mais parou de lê-lo, e, claro, tem aguardado com grande expectativa tudo que envolve seu nome. Pois bem, depois de haver reunido os textos publicados em blog no que chamou de O caderno  que deve estar para chegar ao Brasil, ao menos a Companhia das Letras, casa que tem publicado sua obra por aqui, já anunciou a edição, suponho que venha outro volume com esses textos. Um  O caderno II , portanto. Material sei que tem de sobra. Desde abril de 2009, Saramago tem escrito diariamente para o blog. Refiro-me a essa data porque o livro de agora reúne entradas de setembro d

O Arquivo Pessoa está online

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A base de dados Arquivo Pessoa e o portal MultiPessoa estão disponíveis na internet. Com concepção e direção de Leonor Areal, este portal é a atualização do CD-ROM MultiPessoa - Labirinto Multimedia, co-editado em 1997 pela Texto Editora e pela Casa Fernando Pessoa. O projeto tem como patrono o Instituto de Estudos sobre o Modernismo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. A ideia de transpor para a web aquilo que fazia parte do CD-ROM MultiPessoa editado nos anos 90 surgiu aos pesquisadores pela dificuldade prática de se estar constantemente a atualizar um CD-ROM e por este já não se encontrar à venda. O Arquivo Pessoa ( pode ser acessado aqui ) é uma base de dados da maior parte da obra pessoana e tem capacidades de pesquisa de texto complexas. A recolha de textos para o projeto baseou-se nas edições principais da obra do escritor português, mas não em todas. Estão lá as primeiras edições de cada livro e, em alguns casos, versões posteriores. A edição online, no estado

Antologias

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Por Pedro Fernandes É sabido que Portugal é o país das antologias, individuais, mas, principalmente coletivas. Ainda não é fora de moda falar que, apesar das facilidades de publicação, é difícil dar o primeiro passo no mercado editorial, principalmente, quando nos derribamos para o terreno do financeiro. Mais caro que a auto-publicação é fazer um nome por conta própria, isto é, transformar o exercício da escrita numa carreira, em algo sustentável por ela própria. Os dados não negam: apesar de termos evoluído sobre o trabalho de escritor, ainda são pouquíssimos os escritores que realmente vivem daquilo que escrevem. A coisa só parece se inverter quando o acaso bate à porta (não sem custa de muito esforço e empurrões de gente metida nos fechados meios editorais) e se o escritor se debandar  para a literatura fast-food. Uma carreira de escritor é, portanto, um exercício contínuo de sofrimentos, pensarão uns, e não deixarão de estar com a razão. Agora, as antologias coletivas são,