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Mostrando postagens de janeiro, 2023

Colette e os desejos proibidos

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Por Lourdes Ventura Colette. Foto: Iziz/ Paris Match.   Cento e cinquenta anos após seu nascimento, os mil rostos de Colette continuam a gerar ensaios psicológicos e análises literárias feministas. Suas heroínas, incluindo seu alter ego Claudine, não eram exatamente Colette, ou talvez uma Colette excessiva deu origem a Claudine. As máscaras disfarçavam o autobiográfico, e sua predisposição para o sensual era aumentada pelo desejo de seduzir. Como autora, ela estabeleceu uma distância oculta com a experiência. Em seu baile de máscaras, Colette sempre conta mais ou menos.   Seu nome verdadeiro, Sidonie-Gabrielle Colette (Saint-Sauveur-en Puisaye, 1873-Paris, 1954), e era a quarta filha de Sidonie Landoy, uma mulher culta e liberal casada pela segunda vez com o ex-capitão Jules-Joseph Colette. Sua mãe a considerava “uma joia de ouro”, e ela recebeu uma sólida educação laica. Talvez por isso, os disfarces que usou ao longo de sua tumultuada vida esconderam a genialidade de uma escritora qu

A redescoberta de Halldór Laxness

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Por Salvatore Scibona Halldór Laxness.    Durante os meses finais da Segunda Guerra Mundial, o editor Alfred A. Knopf encomendou um relatório do leitor, consistindo em um formulário em papel azul com algumas perguntas, sobre um romance traduzido de um islandês chamado Halldór Laxness que entrava no seu radar de considerações. A seção B do formulário instruía o leitor: “Se você nos recomenda a publicação do livro, apresente seu principal motivo em uma única frase”. O leitor respondeu: “Aqueles que lerem este livro jamais o esquecerão”.   O romance, Gente independente , conta a história de um camponês islandês Bjartur que se renomeia Bjartur de Sumarhúsum em homenagem à miserável propriedade rural que conseguiu comprar após dezoito anos de servidão. Nenhum obstáculo de Deus ou do homem o separará de sua independência, mesmo que ele e sua família se destruam no processo. Diante desse cenário sombrio, o leitor observou: “Certas passagens são de tamanha beleza, tão repletas de compreensão d

Dez breves poemas de Adonis em “Tocar a Luz”

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Por Pedro Belo Clara   Adonis. Foto: Inma Flores     I.   Hoje o céu escreveu o seu poema com tinta branca Chamou-lhe neve     II.   O teu sonho rejuvenesce enquanto tu envelheces O sonho cresce ao andar em direcção à infância     III.   Para chegar à luz tens de te apoiar na tua sombra     IV.   Palavras – asas para pássaros que tomam                 os sonhos como ninhos     V.   Poesia – que não ataca nem resiste                 rosa sem defesa de que o perfume                 é a única arma     VI.   No rosto do horizonte correm as lágrimas do tempo Deixa que a tua poesia as transforme em estrelas     VII.   Os nossos corpos não conhecem o adeus Encontro é o nome de cada uma das nossas células     IX.   Oh os nossos corpos – oásis neste deserto a que chamam alma     X.   O corpo é um outro Deus Só se dá a ver através de um véu   Ligações a esta post: >>> Em julho de 2021, nove poemas de Adonis e nota biográfica sobre o poeta sírio      * Tradução de Nuno Júdice em O Arco

Boletim Letras 360º #516

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, iniciamos oficialmente nesta semana o ano 16 do Letras in.verso e re.verso . Espero que possamos continuar oferecendo, diariamente, bons textos sobre objetos artísticos de importância e relevância para nossa formação leitora.   2. Aproveito a ocasião para lembrar que até o dia 4 de fevereiro receberemos inscrições para aqueles que se interessam por enriquecer esse trabalho. Se você escreve resenhas (sobre livros ou filmes) ou ensaios, por exemplo, e procura um espaço para exercitar sua escrita junto ao público, eis um convite. Saiba tudo aqui e se restar alguma dúvida escreva para nós. 3. Para que continuemos online, sua ajuda é importante. E você pode colaborar de várias formas, seja no clube de apoios ou na aquisição de qualquer um dos livros apresentados aqui pelos links ofertados. Para conhecer outras maneiras de ajudar, visite aqui .   4. No mais, agradeço a sua companhia por mais um ano. Vamos que vamos! Carlos Drummond de Andrade. Foto: Gervasi

O sussurro do dragão

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Por Gisela Kozak Rovero   Qualquer professor de literatura que tenha ministrado aulas em diversos países sabe que se repete a mesma situação de desconhecimento da literatura nacional e do cânone, em nítido contraste com a presença de Star Wars , do universo Marvel, da obra de J. R. R. Tolkien e, desde então, da apoteótica série Game of Thrones , baseada na saga As Crônicas de Gelo e Fogo , de George R. R. Martin. Não podemos nos livrar de Martin e Tolkien, tampouco de J.K. Rowling, com o fácil expediente de literatura para jovens e crianças, ao estilo das bem-sucedidas sagas de vampiros e lobisomens. Estes são universos literários altamente complexos que excedem em muito a facilidade dos best-sellers no estilo do outrora bem-sucedido Código Da Vinci de Dan Brown. Em Tolkien, Rowling e Martin, o grande drama de fundo é o problema do poder, a partir de um olhar que resgata mitos para explicar o presente e prefigurar uma esperança futura.   Tolkien e Martin resgatam o gênero épico, sobre

Sátántangó, de László Krasznahorkai

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Por Pedro Fernandes László Krasznahorkai. Foto: Ranko Suvar   A obra de László Krasznahorkai é vasta. Situa-se especificamente na prosa e desde 1985 tem se desenvolvido pelo conto, pela novela, pelo ensaio e pelo romance. Sátántangó é, aliás, o seu primeiro livro publicado. Esses dados são importantes não apenas porque falamos sobre um escritor há muito esperado em língua portuguesa mas de quem quase nada conhecemos, nem da sua obra e porque qualquer leitor dedicado a conhecer os livros publicados nas últimas décadas, principalmente as estreias de alguns que o mercado editorial se apressa em vender como a obra mais revolucionária de sempre, em nada acrescentam à literatura.   É que na Era de Imediatismos — inimigo fatal para o fazer literário — se tornou cada vez mais raro um escritor já no seu primeiro trabalho oferecer um objeto singular e consistente. As qualidades essenciais de Sátántangó respondem por isso,  quando reparamos na sua complexidade formal e estrutural, linguística