Boletim Letras 360º #468

 
 
DO EDITOR
 
1. Caro leitor, durante a semana foi levantada uma pesquisa de ocasião no Instagram do blog sobre o conhecimento dos que acompanham o Letras nesta rede sobre a existência deste Boletim. Ainda foi alto o percentual dos que desconhecem, 33%.
 
2. Continuaremos insistindo em falar mais desta e de outras publicações daqui neste outro espaço da web. O interesse ali começa e decai, começa e decai, porque os retornos são baixíssimos. Bom, tudo pode ser a crise de um adolescente, mas é ainda uma interrogação sobre o efetivo papel das redes e da relação que desenvolvemos com elas.
 
3. Avancemos. Continuo a lembrá-lo sobre o terceiro sorteio entre o clube de a apoiadores do Letras. A editora Bandeirola disponibiliza três livros do seu catálogo. Quer apostar na sorte? Convido a saber mais sobre e, claro, a participar, acessando aqui. Nesta página, você entra em contato ainda com outras maneiras de ajudar com os custos de domínio e hospedagem do Letras para o ano de 2022.
 
4. E não esqueça: na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
5. Bom descanso neste tempo de folia. Aqui continuamos no bloquinho dos isolados com a companhia valiosa dos livros.

Abdulrazak Gurnah. Foto: Frank Augstein.

 
LANÇAMENTOS
 
O primeiro livro de Abdulrazak Gurnah traduzido no Brasil depois do Prêmio Nobel de Literatura em 2021.
 
O Sobrevidas é descrito como um romance arrebatador que tem como pano de fundo os efeitos brutais do colonialismo na África Oriental. Deutsch-Ostafrika, início do século XX. Os colonizadores avançam violentamente pela África, dizimando povos e impondo regras e costumes. No litoral do oceano Índico, Khalifa e Asha estão tentando ter o primeiro filho e logo conhecem Ilyas, que chega à cidade para trabalhar. Ainda menino, ele fora raptado por um askari das tropas coloniais e anos depois descobre que os pais morreram e que sua irmã, Afiya, está vivendo em condições deploráveis. Já Hamza chega em busca de emprego e segurança e lá acaba se apaixonando por Afiya. Num período de lembranças traumáticas, ele integrara a Schutztruppe, lutando contra o próprio povo ao lado dos colonizadores. Neste romance magistral, Abdulrazak Gurnah joga luz sobre as consequências devastadoras da opressão e do colonialismo sobre todo um continente. Enquanto os personagens vivem, trabalham e se apaixonam, pairam sobre eles o fantasma da guerra e a possibilidade de que novos combates arrasem a vida de todos mais uma vez. Com tradução de Caetano W. Galindo, o livro é publicado pela Companhia das Letras.
 
A chegada ao Brasil do escritor chileno Gonzalo Maier.
 
No início dos anos 90, um aposentado chileno aterrissa em Moscou com um plano tão heroico quanto estapafúrdio: derrotar os maiores enxadristas do mundo. E nas idas e vindas entre seu singelo quarto de hotel e o parque onde veteranos russos praticam xadrez, o quixotesco Emanuel Moraga trilha uma jornada onírica, com toques de melancólica ironia, pela minguada paisagem do pós-Guerra Fria soviético. Outra novelinha russa, de Gonzalo Maier é publicado pela Dublinense com tradução de Reginaldo Pujol Filho.
 
A Ateliê Editorial conclui o projeto de publicação da grande obra de François Rabelais.
 
Pouco traduzidos entre nós, os últimos volumes da pentalogia que compõe La vie de Gargantua et de Pantagruel, texto do século XVI escrito numa veia humorosa, extravagante e satírica, e apresenta muita crueza, humor negro e violência, já estavam traduzidos por Élide Valarini Oliver e publicados pela casa que apresenta agora os dois primeiros volumes: A vida muito horrífica do grande Gargantua, pai de Pantagruel e Pantagruel, rei dos Dipsodos, restituído a seu natural, com os feitos e proezas espantosas. Esses dois livros seguem o padrão da coleção, com textos de apoio, notas e as ilustrações de Gustave Doré.
 
A obra de Ursula K. Le Guin, que se tornou referência e inspiração para a literatura fantástica mundial.
 
Acender uma vela é lançar uma sombra… Terramar é um mundo mágico quase inexplorado, formado por centenas de ilhas que apresentam, cada uma à sua maneira, vislumbres de poder e mistérios. Magos, bruxas e criaturas míticas povoam esse extraordinário arquipélago. Em O feiticeiro de Terramar, primeiro volume da saga, acompanhamos Ged, um jovem feiticeiro que busca descobrir seu caminho em meio às incertezas e às imprudências da juventude. À medida que a magnitude de seu poder é revelada, a harmonia do mundo e as leis da magia são colocadas à prova: nenhum homem deve alterar o equilíbrio entre a vida e a morte. Agora, o feiticeiro precisa iniciar a jornada que o apresentará às grandiosas palavras de poder, o fará encarar dragões ancestrais, navegar por mares desconhecidos e atravessar os portões da morte, para enfrentar a sombria criatura que ameaça não só Ged e Terramar, mas os tênues limites entre luz e escuridão. Aclamada como uma das melhores séries de fantasia de todos os tempos e ganhadora dos principais prêmios, como Locus e Hugo, a obra de Ursula K. Le Guin, que se tornou referência e inspiração para a literatura fantástica mundial, chega agora em versão definitiva com ilustrações do inigualável Charles Vess. Com tradução de Regina Heci Candiani, o livro é publicado pela editora Morro Branco. Você pode comprar o livro aqui.
 
Reflexões sobre o complotismo.
 
O complotismo não é um delírio nem uma mentira, não é uma cãibra mental nem um argumento falacioso. É muito mais um problema político. Este livro, que considera os aspectos inéditos de um fenômeno planetário a partir de um pano de fundo histórico, não cai no senso comum do aticomplotismo, mas propõe uma visão original, na qual o complô é o espectro de uma comunidade esfacelada. O que há por trás? Quem urde a trama? O mundo, atualmente ilegível, tem um lado escondido, um reino secreto, aquele do Estado profundo e da Nova Ordem Mundial, onde planos são arquitetados, informações são manipuladas, pensamentos controlados. Não se trata mais de uma intriga isolada. O complô é a forma por meio da qual se relacionam com o mundo os cidadãos que se sentem condenados a uma frustrante impotência, inermes diante de um dispositivo tecnoeconômico insondável, manobrados por um poder sem rosto. Eis por que o complotismo, que desnuda o vazio da democracia, revela-se uma temível arma de despolitização de massa. O complô é o dispositivo em que o poder é articulado, exercido, dissimulado. É a máscara do poder no tempo do poder sem rosto. O complô no poder, de Donatella Di Cesare é publicado pela editora Âyiné.
 
Livro passa em revista o período de estadia de Mário de Andrade no Rio de Janeiro.
 
“Naquele brando inverno carioca de 1938, Mário de Andrade dava os primeiros passos de uma vida nova. Tinha anunciado à família que saía de férias, mas era mudança mesmo. Precisava fugir de São Paulo custasse o que custasse, embora com o sacrifício de arrostar pela primeira vez, já quase aos 45 anos, o afastamento do convívio materno que o aconchegava. Ir ao Rio de Janeiro ia sempre, com alvoroço de menino. Achava maravilhosa a natureza; a gente o surpreendia e encantava. Cidade enfeada pela miséria, mas rica de humanidade, amava-a à distância, de amor platônico, feito de furtivos contatos. Numa de suas breves temporadas, assistiu ao carnaval carioca. A festa popular inspirou um poema em que botava pra fora sua ‘frieza de paulista’, seus ‘policiamentos interiores’. No Rio, convivia alegre com amigos escritores e artistas, entrava pela noite em discussões, lia e ouvia poemas nascidos de uma nova estética da qual ele, já conhecido como o ‘papa do Modernismo’, era pioneiro. Quem sabe, pensava, não poderia morar lá? Desta vez trazia uma mágoa muito funda, causada pelo naufrágio de um projeto a que se dedicara todo durante três anos, à frente do Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo. E essa amargura foi o elemento aglutinador de dores esparsas do corpo e da alma, sorrateiramente acumuladas. Até então costumava dizer, descuidado: ‘Eu sou feliz!’. Mas de repente acontecera aquele grande dissabor, que o punha desarvorado diante das armadilhas do destino. Tinha ideia formada: considerava o destino uma conquista, realização perfeitamente controlada de ‘tendências pessoais’, e não trama inelutável dos fatos. Agora, desmoronada essa certeza, tudo ficava muito confuso. O jeito foi a fuga, o exílio no Rio.” Mário de Andrade. Exílio no Rio, de Moacir Werneck de Castro é publicado pela editora Autêntica. Você pode comprar o livro aqui.
 
RARIDADES
 
Um grande acervo com peças ligadas ao modernismo brasileiro vai a leilão.
 
São livros, catálogos, revistas, selos, fotografias, pinturas, desenhos etc. de nomes que participaram da Semana de Arte Moderna de 1922 ou que se ligaram ao movimento. Entre os objetos em destaque e mais valorizados estão as primeiras edições de títulos como: a famosa conferência lida por Mário de Andrade no Salão da Biblioteca do Ministério das Relações Exteriores do Brasil em 1942 — um dos primeiros balanços públicos sobre a Semana de 22 — intitulada O Movimento Modernista, Macunaíma, Paulicéia Desvairada, Clã do jabuti e Amar, verbo intransitivo; de Oswald de Andrade, a primeira edição Os condenados, as peças A morta e O rei da vela, Serafim ponte grande; desenhos de Tarsila do Amaral ; tapeçaria de Regina Gomide e John Graz; óleo e gauche de John Graz. Ao todo, mais de três centenas de itens. realidade se lê com prazer e, no fundo, se deixa entrevê uma Simone de Beauvoir sentimental, muito mais densa em suas reflexões biográficas.
 
REEDIÇÕES
 
Nova edição de uma leitura de Stefan Zweig sobre o Brasil.
 
Stefan Zweig mudou-se para o Brasil em junho de 1940, fugindo do avanço das forças nazistas na Europa; judeu, o escritor suíço exila-se em Petrópolis, no Rio de Janeiro, até o seu suicídio, a 22 de fevereiro de 1942. Zweig esteve no país quatro anos antes do exílio e durante o tempo que aqui viveu chegou a percorrer a região Nordeste em pesquisa. Brasil, um país do futuro é, assim, um livro resultado de longa experiência e é, segundo Alberto Dines, seu biógrafo, o “caso único de livro convertido em epíteto nacional”. Publicado em 1941, o livro saiu em simultâneo, graças ao prestígio do escritor, em vários idiomas: alemão, sueco, inglês e francês, além de duas edições em português — uma brasileira e outra portuguesa. Pouco depois, também saiu uma tradução espanhola. A edição de 2006 publicada pela L&PM Editores ganha agora nova tiragem; a tradução é de Kristina Michahelles e inclui prefácio de Dines. Você pode comprar o livro aqui.
 
Um dos clássicos mais conhecidos de Júlio Verne, Miguel Strogoff, em capa dura e com tradução da renomada escritora Rachel de Queiroz.
 
Originalmente lançado em 1876, Miguel Strogoff, aclamado clássico de Júlio Verne, é ambientado no Império Russo, no final do século XIX. A narrativa, envolvente e eletrizante, conta a aventura do funcionário do Correio do Czar Miguel Strogoff. Ele recebe uma missão especial que pode decidir o futuro de seu país. Como os telégrafos que comunicam a Sibéria à Moscou foram cortados devido à guerra entre os russos e os tártaros, Miguel Strogoff precisa entrar na Sibéria e levar a um general no front de batalha uma carta do czar. Para isso, enfrenta com coragem um longo caminho, cheio de perigos, obstáculos e revezes. Em sua jornada, ele acaba encontrando por acaso a jovem Nádia Fédor, que também está tentando entrar na Sibéria para reencontrar sua família. Miguel e Nádia se ajudam mutuamente e, no fim, um surpreendente acontecimento os aproxima de uma maneira a qual não conseguirão mais viver um sem o outro. O livro é publicado pela editora José Olympio.
 
Nova edição de Amai e... não vos multipliqueis, de Maria Lacerda de Moura.
 
Publicado em 1932 pela feminista mineira, o livro se inspira nas crônicas que ela escrevia para o jornal operário O Combate na época em que vivia numa comunidade libertária em Guararema (SP), formada por anarquistas espanhóis, franceses e italianos. Moura chegou a colaborar com o movimento sufragista de Bertha Lutz, mas rompeu com as feministas liberais por entender que o direito de voto só atendia a uma parcela pequena das necessidades reais das mulheres. Suas obras criticam de forma contundente o patriarcado e a moral sexual da época e discute temas como o amor livre, a maternidade consciente, a educação sexual, o divórcio e o direito ao prazer sexual. Com posfácio de Mariana Patrício, o livro é publicado pela Chão Editora.
 
DICAS DE LEITURA
 
Guerra, guerra, guerra! Dias inteiros dedicados a esmiuçar o massacre imposto contra a Ucrânia pela Rússia em mais um ataque de mando imperialista e o resto do mundo outra vez perplexo e incapaz de administrar seus monstros. Mas, não é de guerras que queremos falar, ou até falemos, mas de basta à guerra. Ainda que um dos lados, o assunto seja este, queremos indicar três leituras que são chamamentos à paz. Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. Alabardas, alabardas, espingardas, espingardas, de José Saramago. O título é quase maior que o conteúdo. Quando o escritor morreu, em junho de 2010, trabalhava nos primeiros passos de uma ideia que não chegou a ver concluída. Ele pensava escrever um romance capaz de responder uma interrogação daquelas que sempre foram caras ao pensamento do escritor: e se existisse uma greve dos trabalhadores da indústria bélica? A interrogação, nota-se, é parte de uma resposta antevista: a existência de uma indústria armamentista pressupõe a ideia de que as guerras nunca terminaram e pelo tempo que existir pode nascer um conflito. Embora um não romance, o que restou de incipt é uma maneira de encontrar os caminhos possíveis, nós mesmos para a narrativa. O livro está publicado pela Companhia das Letras. Você pode comprar o livroaqui.
 
2. Johnny vai à guerra, de Dalton Trumbo. Desde quando foi publicado este romance se converteu numa peça-chave nos movimentos contra a luta armada e a violência da guerra. Narrado por Joe, um sobrevivente da Primeira Guerra Mundial gravissimamente mutilado, Trumbo arrasta o leitor para uma câmara de prisão e de impotência, que é a própria incapacidade do narrador de alcançar por conta própria a liberdade. É um romance perturbador e que consegue expor vivamente os horrores do belicismo. O livro foi traduzido por José Geraldo Couto e está publicado pela Biblioteca Azul, selo da editora Globo. Você pode comprar o livro aqui.
 
3. Nada de novo front, de Erich Maria Remarque. A base desse romance remonta a década de 1920, quando o escritor foi parar nas trincheiras alemãs da Primeira Guerra Mundial o que o leva estabelecer as bases de sua visão libertária e pacifista. A narrativa acompanha o jovem Paul, de família humilde, que em atenção aos pedidos de professores e da família profundamente mergulhados no ufanismo patriótico da época, decide partir para a front. A exposição sobre os horrores, o levantamento profundamente marcado ora pela vida deixada ora pela crueldade da guerra, estruturam esse itinerário. A tradução de Helen Rumjanek está publicada pela L&PM Editores. Você pode comprar o livro aqui.

BAÚ DE LETRAS
 
1. Em janeiro de 2020, pouco tempo depois da nova edição de Johnny vai à guerra, de Dalton Trumbo, nosso editor, Pedro Fernandes escreveu sobre o livro. O texto está disponível aqui
 
2. Quando os papéis que resultariam em Alabardas, de José Saramago, saíram no Brasil, o livro chegou a ser comentado também aqui no blog.
 
3. O leitor encontra aqui um breve perfil sobre o escritor africano Abdulrazak Gurnah. Enquanto seu romance chega às livrarias, fica, em modo de aquecimento, uma visitinha. É por aqui.   
 
DUAS PALAVRINHAS

Existem para o pobre neste mundo duas grandes maneiras de morrer, seja pela indiferença absoluta de seus semelhantes em tempos de paz, seja pela paixão homicida dos mesmos quando chega a guerra.
 
― De Viagem ao fim da noite, Louis-Ferdinand Céline.

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