Autorretrato de escritores

Um autorretrato de Sylvia Plath; como a poeta estadunidense, muitos
foram os escritores que se debruçaram na arte de se
autorretratarem.

No percurso que vimos fazendo sobre a estreita relação entre os escritores e as artes plásticas fomos colecionando imagens que dizem muito de si próprios: o autorretrato, procedimento, aliás, muito corriqueiro entre os artistas plásticos de fato. O trabalho de se autorretratar é um instante curioso da produção artística humana: é necessário que o eu que retrata exerça um deslocamento sobre seu próprio eixo para ao se enxergar fora de si, enxergar, de fato, a si próprio. É um instante de autorreflexão. O autorretrato é como se fosse a autobiografia tal qual escrita, mas pintada, desenhada, ou rabiscada.

Em grande parte, a forma com que este eu deslocado enxerga a si mesmo coincide com o que estamos acostumados a ver nas fotografias – até então, um dos recursos mais apropriados a uma visão mais nítida da imagem do retratado. Reconhecendo-se ou estranhando-se estamos diante de um instante de intimidade em que, na maioria dos casos, prevalece a expressão facial como instante de recorrência do eu. E a visão sobre si – talvez pelo estranho momento de aproximação de si mesmo – é na maioria das vezes denunciador do estado de alma em que o indivíduo se encontra. No universo das artes plásticas, todos hão de pensar quase sempre na expressão de Van Gogh com o seu Autorretrato com orelha enfaixada, quadro em que pulsa um ânimo em estado de aceleramento diante de um ato crueldade de si para si – a mutilação da orelha. Talvez justamente por esta razão seja este um dos trabalhos imediatamente lembrados.

Fato é que o autorretrato é o precursor de um olhar narcísico do qual ninguém consegue escapar. Até mesmo o ato de ser fotografado, mais que um instante de recordação, a fixação no papel de uma memória afetiva, tem já essa conotação do Narciso que admira sua imagem refletida no espelho d’água. E se formos dá meia volta nas redes sociais, então, notaremos quanto dessa necessidade não terá cada vez mais se confirmado como inerente ao homem. No caso específico das redes sociais – mas o traço está já na autopintura, no autorrascunho, no autodesenho – o ato da autofotografia confirma como resultado de uma redução do sujeito ao individualismo. Esse ato diz muito desses instantes de autocontemplação, mas de fechamento do indivíduo sobre si, justificando-se, desse modo, as suas recorrências. Tanto o artista, em grande parte sujeito condenado ao isolamento e à solidão como necessidades para seu processo criativo, como o indivíduo das redes sociais cada vez condenados à viverem sós, isolados no alto de seus edifícios padecem da estranha necessidade de estranhamento do eu sobre o mundo.

No caso do artista, o autorretrato lança luz para a tarefa não apenas de autorreconhecimento ou estranhamento do eu sobre o mundo, diz também sobre o que ele não é ou sobre o que ele se imagina ser em determinada circunstância. Diz ainda sobre o seu próprio processo ou estilo criativo. Muitos dos escritores preferiram a autobiografia como maneira de se autorretratarem – e aqui podemos citar alguns nomes: José Saramago, Górki, Graciliano Ramos, Mário de Sá-Carneiro, Philip Roth, Manoel de Barros, Haruki Murakami, entre outros.

A seguir, preparamos um catálogo com várias formas de autorretratos por diferentes escritores. São 25 imagens de escritores como Jack Kerouac, Sylvia Plath, Edgar Allan Poe, D. H. Lawrence, Truman Capote, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Cecília Meirelles, García Lorca, Jorge Luis Borges, entre outros.


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