Postagens

Mostrando postagens de dezembro, 2024

Doze poemas aforísticos de “Pássaros Vagabundos” (1916), de Rabindranath Tagore

Imagem
Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões)* I.   Pássaros vagabundos do verão vêm à minha janela cantar e para longe voar. Folhas de outono amarelecidas, que não conhecem canção, agitam-se e tombam com um suspiro.        II.   Oh, trupe de pequenos vadios do mundo, deixai em minhas palavras as vossas pegadas.        III.   São as lágrimas da terra que mantêm em flor os sorrisos da terra.     IV.   Se derramares lágrimas por sentires falta do sol, perderás o brilho das estrelas.     V.   Aquilo que és não poderás ver, o que vês é a tua sombra.   VI.   Lançam as suas sombras adiante, aqueles que carregam a lamparina em suas costas.     VII.   O Homem é uma criança que nasceu, o seu poder é o poder do crescimento.     VIII.   A luz que brinca, como uma criança nua, no meio das folhas verdes, alegre desconhece que o homem pode mentir.        IX. ...

Boletim Letras 360º #616

Imagem
  Augusto de Campos. Foto: Daniel Prata   LANÇAMENTOS   Novo livro reúne a poesia de uma década de Augusto de Campos .   Transitando entre a criação poética, a transcriação, a crítica social e a política, Pós Poemas nos faz mergulhar novamente no universo “verbivocovisual” do grande poeta brasileiro, um espaço de sensações e inspirações múltiplas que surpreendem pela força poética e visual, e pela imensa carga lírica, social e política. Augusto de Campos nunca fugiu de temas controversos ou da disputa na arena política. Ao contrário, faz-se presente e atuante com soluções sofisticadas e plasticamente impecáveis. Assim como os demais livros da tetralogia, Despoesia , Não e Outro , o formato do livro é pensado como uma obra de arte em si mesma, colorido e impresso em papel couchê é visualmente conectado a poesia e história de Augusto de Campos. Tantas décadas de produção e o poeta não envelhece nem na forma nem no conteúdo. Publicação da Perspectiva. Você pode compra...

A necessidade da imagem. Entrevista com Susan Sontag

Imagem
Por Arcadi Espada Susan Sontag. Foto: John Dolan.     O fato de um livro sobre fotografia e dor não ter alusão ao gulag é significativo.   O que você quer dizer?   Bem, isso corrobora com a hipótese de que o gulag não penetrou na consciência contemporânea da mesma forma que teria feito se houvesse fotografias da tragédia.   Eu já disse a mesma coisa muitas vezes.   Sim, claro. É por isso que eu lembro você.   Está no livro. O gulag está no livro.   Não me lembro.   Está lá mesmo que você não o veja. Quando digo que nos lembramos e nos preocupamos com o que foi fotografado, fica evidente que o primeiro pensamento dessas linhas alude ao gulag. E tenho dito e escrito repetidamente que uma das razões pelas quais demorou tanto tempo para as pessoas virem e compreenderem todo o horror do sistema soviético foi a ausência de documentação fotográfica. É evidente que, quando digo que as fotografias identificam, também quero dizer o contrário: quando nã...

Oito do sete, de Cris Judar

Imagem
Por Renildo Rene Cris Judar. Foto: Tania Judar   Quando imagina que nós viveríamos o fim de toda a água do mundo como as personagens de José Saramago enfrentam a cegueira, penso que Magda, uma das personagens deste romance, acredita em uma anulação de forças sexuais: as relações heterossexuais cairiam de seu pedestal — porque a necessidade do líquido se encontraria em qualquer corpo — e as relações homossexuais descobririam outros sentidos para navegar no nosso “mundo de crenças” — porque boa parte de sua existência esteve apoiada na contraposição ao normativo. E no caso de seu relacionamento com Glória, esse colapso significaria também um rompimento do encaixe das duas enquanto um casal, devolvendo a elas a aridez da solidão, que não sabemos se é desejada, destinada e/ ou temida.   Em Oito do sete , parece ser confuso encontrar maneiras de acompanhar esse relacionamento por um sentido mais cronológico: como começou, o que aconteceu e como elas se mantêm juntas (ou se realment...

Boletim Letras 360º #615

Imagem
DO EDITOR   A partir do dia 23 dezembro, as atividades no Letras entram em modo marola e assim ficamos até a última semana de janeiro de 2025, isto é, regressaremos às publicações diárias a partir do dia 26 do próximo mês.   Durante este período, manteremos apenas atividades essenciais nas redes sociais, algumas entradas esparsas por aqui, incluindo as edições semanais do Boletim Letras 360º em versão reduzida, sem as seções complementares.   É o nosso modo de descanso e para pensar os projetos que tornarão possível o nosso 18º ano online, entre eles, a seleção de novos colunistas.   Agradecemos pela companhia até aqui e pelo apoio dado ao nosso projeto. Que possamos renovar o nosso compromisso de convívio por mais um ano. Desejamos excelentes festas e um rico ano novo, feito de boas conquistas! Daniel Guebel. Foto: Guillermo Rodríguez Adami   LANÇAMENTOS   Seis gerações de uma família revolvendo uma ideia de genialidade contrastada com as dificuldades ...

Corrigir até doer

Imagem
Por Alejandro Zambra Adolfo Couve   Nas narrativas de Adolfo Couve abundam os meninos silenciosos, as famílias discordantes e os artistas temperamentais desaparecidos na “deterioração infinita” de uma paisagem outrora esplendorosa e agora decadente que, justamente por isso, mostra-se encantadora, literária.   Desdenhando sua inegável destreza como pintor, o autor optou pelo desafio da escrita e por fim se transformou, como disse César Aira, em um eterno principiante da literatura que preferia polir infinitamente os traços e corrigir o texto até que ficasse reduzido a sua expressão mínima.   Talvez o próprio Couve, que se suicidou em 1998, teria se surpreendido com o fato de que os brevíssimos volumes que foi publicando em intervalos irregulares — precisava anexar prólogos e aumentar a letra para que pudessem ter lombada — agora totalizem as quase quinhentas páginas da sua Narrativa completa .   A despeito das notórias mudanças de perspectiva existentes de Alamiro (1...

O cultivo de penumbras: a obra de Murilo Rubião

Imagem
Por Henrique Ruy S. Santos Murilo Rubião. Foto: Arquivo pessoal   O que dizer de um escritor cuja totalidade da obra não passa da tímida produção de 33 contos? O que dizer do assombro que nos atinge quando percebemos que a exiguidade da produção escrita é inversamente proporcional à qualidade do texto, ao maravilhoso dos mundos criados?   Essas são só algumas das muitas perguntas que o contato inicial com a produção de Murilo Rubião nos impõe. A leitura de seus contos, reunidos pela Companhia das Letras em 2016 em uma edição de sua obra completa (edição do centenário do autor), logo nos surpreende pelo veio fantástico, que ainda hoje soa inovador em terras brasileiras. Os caminhos seguidos por nossa literatura no século XX, principalmente a partir da década de 1930, privilegiaram o desenvolvimento das tendências neorrealistas, ora em clave mais desbragadamente social, ora com inclinações à análise psicológica (nos melhores exemplos, tem-se a mistura das duas tendências). No pr...

Queer: a redenção de Burroughs a golpe de romantismo

Imagem
Por Alonso Díaz de la Vega   Há um episódio em Queer (1985), o romance de William Burroughs, que não aparece no filme Queer (2024), dirigido e escrito por Luca Guadagnino: William Lee, o alter ego do romancista psiconauta, acaba de ser ignorado pelo objeto de seu desejo, Gene Allerton, em um bar na Cidade do México. Lee, que costuma atrair a atenção dos outros por meio do que chama de rotinas — narrativas grotescas e oníricas de coisas que podem ou não ter acontecido com ele — é deixado sozinho, e mesmo assim ainda insiste em fazer um pequeno espetáculo ao ver que um trabalhador pegou um rato pelo rabo: carregado com várias cartelas de benzedrina e sua pistola com balas calibre .22, Lee atira na pequena cabeça do prisioneiro.   Para o professor Oliver Harris, especialista em literatura Beat, esse episódio demonstra que, durante a composição de sua obra, Burroughs pensava na morte supostamente acidental de sua esposa Joan Vollmer, ocorrida em 1951 na Cidade do México. O pró...