Lydia, de Pedro Belo Clara


Por Maria Vaz 





Lydia encontra as suas reminiscências mais profundas no poema “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio”, de Ricardo Reis. Neste heterónimo de Fernando Pessoa encontra parte do seu espírito filosófico. Contudo, do supra mencionado poema herda apenas a imperatividade em enlaçar as mãos, presente na primeira estrofe. Nas palavras do autor, pelo início da obra, podemos ler que “a noite morre aqui”. Nesse sentido, toda esta obra é construída pela luz que traz a esperança, como a inevitabilidade de um sol que ascende todas as manhãs.

A consciência da transitoriedade da vida está sempre presente: tudo é efémero e tem o seu tempo; todo o zénite solar fora sonhado na noite, qual Inverno da alma que dá lugar ao calor. Aos dias sucede a noite, às estações quentes segue-se o frio; os meses correm com uma gradação natural. Também o encanto e o calor das paixões cede pela satisfação do desejo. Destarte, do espírito epicurista também se vislumbra a simplicidade da natureza: os vocábulos bucólicos – sempre  cuidados – aproximam-se da aura mediocritas.

Todavia, o lirismo empregue no grito de esperança aproxima-se mais do arcadismo do que das filosofias epicuristas: o carpe diem que aqui se insurge não se traduz no equilíbrio ou na renúncia aos excessos. Pelo contrário. Exacerba-se num sensacionismo antropocêntrico, metaforicamente cantado pela natureza: a consciência de que tudo é transitório exacerba os sentidos a viver aquilo que se sabe finito. Assim, também não se verifica o estoicismo da renúncia das paixões. O amor entrelaça-se com o desejo e o medo da perda gera a necessidade de posse, que se torna visível em trechos como este: “Dá-me a tua mão/ antes que o sonho se dissipe.”

Não obstante o excesso na concretização do amor que se sonhou, percebe-se um apelo à razão sobre as emoções, naquilo que constitui um retorno à filosofia epicurista: a impulsividade desacelera, o desejo acalma, o calor dilui-se. A filosofia budista também está presente: a consciência sabe que a noite se trata de uma ilusão e que os sóis podem brilhar além do tempo.  Mas a noite insinua-se. E com ela surge uma nova estação. O pensamento dá lugar ao silêncio de dois corpos despidos. Os lírios morrem e esvaziam-se as mãos. O encantamento do visível desfaz-se.

Fica a curiosidade sobre um por vir, na medida em que a obra termina fiel à transitoriedade com que se inicia: a apoteose do homem através do corpo contrasta com o paganismo, pela submissão (involuntária) ao Deus do tempo. O coração revolta-se ante a impotência. Sobra o silêncio. Mas adivinha-se a resposta: um retorno ao início, que só virá após a noite fria, em que nascerá um novo sonho.

Porque só o amor é salvação
contra os agudos punhais do tempo,
enche o coração de rosas
e canta os lírios que nos campos
sonham o enlace feliz
dos amantes desfeitos.

Uma certeza final: os poemas desta obra são gotas de água que se encaixam, sem beiras, num todo em perfeita harmonia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Boletim Letras 360º #579

Boletim Letras 360º #573

A bíblia, Péter Nádas

Boletim Letras 360º #576

Confissões de uma máscara, de Yukio Mishima

Boletim Letras 360º #574