90 anos de uma jovem rebelde

Por Pedro Fernandes

Por sequência: Capas do Programa e catálogo, por Di Cavalcanti; Capa do livro Paulicea desvairada, de Mario de Andrade, atribuída a Guilherme de Almeida; Capa da 1ª edição da revista Klaxon. Fonte: Tumblr da Cosac Naify


Ainda no ensino básico, nas afortunadas escolas que contam com lampejos de ensino de Literatura, há um período literário brasileiro que se demonstra como um divisor de águas no gosto dos adolescentes: o Modernismo. Digo divisor, porque existirão os que gostam da irreverência do movimento e o tratamento dado agora ao literário e os que terão mais um motivo para caracterizar a literatura como coisa-de-quem-não-tem-o-que-fazer ou coisa-chata. 

O movimento - e aqui posso fechar o sentido do termo, porque a atitude dos que se envolveram direta ou indiretamente foi o de uma mobilização em torno de ressignificação de vários campos da arte - sempre é apresentado tendo a Semana de Arte Moderna como abre-alas definitivo para os rumos da literatura e de outras expressões artísticas no país. Mas, é preciso entender que a data de 1922 não foi fechada naquilo que temos comumente por semana, tampouco foi algo esplendoroso tal com os cerimoniais de entrega de prêmios e muito menos ainda algo que buscava um contato direto com a massa popular. 

A Semana de Arte Moderna em São Paulo tal qual concebemos hoje incorpora todas essas visões ufanistas e se constitui numa grandiosidade inventada, superlativizada em relação ao que foi o evento: "um encontro entre rapazes modernistas com dois cinquentões: o escritor e diplomata Graça Aranha, que voltava de uma temporada na Europa, e o fazendeiro e mecenas Paulo Prado, de rica e influente família paulista", como assinala Marcos Augusto Gonçalves em entrevista a Thyago Nogueira; Marcos é autor do recente 1922 - A semana que não terminou (Companhia das Letras).

Foi um movimento pequeno, dado mais na surdina que na pompa, e, sobretudo, elitizado. A elite do café, sobretudo, que buscava transformar São Paulo no centro das atenções culturais (e depois políticas) à época e feito da capital um cenário efervescente e emergente para artistas, escritores, jornalistas etc. Ainda quanto ao elitismo não é necessário destilar aqui raízes de copas de árvores genealógicas de seus integrantes, basta que se leia a produção literária desse período para entendê-lo. O hermetismo da linguagem da "nova" e "genuína" literatura brasileira é suficiente para vermos que o leitor (talvez um elemento meio heterodoxo num país de grande massa analfabeta) era o mesmo quadro da elite que agora se movimentava em torno do novo interesse. 

Claro que, paralelo a esse novo fazer literário há uma série, diria avalanche, de novidades sociais, técnicas e econômicas num Brasil que se aproximava do centenário de sua independência. E novamente cito Marcos Gonçalves. Havia no sentimento de rebeldia (até meio adolescente do grupo) outra questão que reinaugurava algo gestado no âmbito do tempo negado pelos do movimento: o restabelecimento da preocupação em definir uma identidade literária genuinamente brasileira latente no romantismo. Está aí a antropofagia oswaldiana como prova definitiva.

O legado que a data, que fechou esta semana um ciclo de 90 anos, é o de ter sido um espaço para reflexão de um cenário artístico em gestação ou em formação de uma base que só viria se consolidar muito tardiamente. Os da Semana, Oswald, Mário, Anita, Villa-Lobos, Manuel Bandeira, entre outros, não foram responsáveis por um corte abrupto e uma total transformação do cenário artístico e literário, mas construíram, a modo de uma rebeldia até ingênua, outra forma de ver a arte e a literatura. E é daqui que se refaz urgência de revisitar o que foi a Semana de Arte Moderna.

Ligações a esta post:
>>> Leia mais sobre Oswald de Andrade, um dos personagens do movimento de 1922.


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