Os de Macatuba, de Tarcísio Gurgel
Por Pedro Fernandes
Faz certo tempo que li Os de Macatuba, um achado de Tarcísio Gurgel. Digo achado porque estive durante muito tempo, nas poucas bibliotecas do pobre Rio Grande do Norte e nos sebos, à procura desse livro. Para ser exato, desde quando, por volta de 2001-2002, soube da obra do potiguar e com ela da existência do livro. É certo que, depois de tanta procura, já colocara meu interesse nos confins da lista de planos para leitura. E, eis que em meados de 2009, por obra do acaso, como é em quase todas as situações do gênero, encontro com a esperança adiada na biblioteca do campus da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte de Pau dos Ferros. A segunda edição, de 1986, quando publicada pelas Edições Clima; a primeira data de 1975 e saiu da prensa da Fundação José Augusto. A verdade é que situações assim, de tanto tempo à procura do livro, inverte-se o rumo da coisa: é o objeto que nos acha.
Os de Macatuba, uma pretensa coleção de contos que pode muito bem compor um romance, é sim um desses grandes livro da literatura escrita no Rio Grande do Norte, marcada pela poesia e ainda escassa na prosa. Não reside nessa afirmativa nenhum vexame, nem tampouco, aquela emoção imediata de quem acaba de sair da leitura da obra. É, sim, a constatação formada a partir da escrita desse conjunto de textos; o trabalho primoroso com a linguagem constitui matéria suficiente para o elogio à boa qualidade da obra.
Depois da escrita/ linguagem é a forma, ou a reestruturação da narrativa, essa que acolhe uma gama, do mais variado possível, de vozes (as bem repaginadas dos floreios da retórica, as mais reles, da oralidade popular, entremeada mesmo pela expressão de baixo calão) e de outras expressões com as quais o autor reaviva um tempo, um lugar e as histórias que são marcadamente interioranas. Quer dizer, ainda é de linguagem que falamos; esta participa no pluridiscurso com o qual se organiza uma obra de corte polifônico, ao nosso ver, única maneira que Gurgel encontra para registrar e dar a conhecer as várias feições da gente que ele cartografa.
Quanto à estruturação, o livro também é sui generis. O conjunto de pequenas narrativas marcadas por tons muito próximos e as mesmas personagens insinuam uma linha narrativa (daí a proximidade ao plano do romance ou da novela). Mas, os textos ora aproximam-se do conto, com as características devidas para o gênero e com suas derivas para outras das expressões nele encontradas, como o causo; ora aproximam-se do poema e de outros registros não-literários, como o depoimento e a carta.
O escritor propositalmente instaura um caos narrativo, somente aparente, porque da nuvem caótica, se ergue um edifício textual sólido, que prima pela objetividade, por uma certa rapidez do dizer, pela intervenção do fôlego da oralidade. O fragmento é a alternativa para capturar o complexo da realidade e tem sua matriz na linguagem cinematográfica. Cada narrativa é um frame. E sua composição organiza uma unidade, coesa, feita das histórias dos habitantes de Macatuba.
Há ainda, uma leva de outros elementos importantes para moldagem de Os de Macatuba. Mas, os que foram aqui referidos, creio, são já suficientes para concluir que estamos em contato com uma feição narrativa única, perfeitamente integrada às renovações encontradas pela prosa de seu tempo. Não sou um leitor assíduo da literatura do Rio Grande do Norte, mas do pouco que conheço, essa obra de Tarcísio Gurgel tem um ar brioso de novidade.
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