Mario Vargas Llosa: vida e liberdade (parte 1)

Por Enrique Krauze

Mario Vargas Llosa, 1936.


Inquietações

“Escrevo porque não sou feliz, escrevo porque é uma maneira de lutar contra a infelicidade”, declarou há muito Mario Vargas Llosa (Diálogo com Vargas Llosa, 1989). O principal indício sobre a origem íntima dessa infelicidade é a aparição, no paraíso familiar de sua infância, aos dez anos de idade, depois da crença de que o pai que havia idealizado nestava morto. Reaparição terrível, cuja sombra ameaçadora determinaria grande parte de sua vida. Um amigo muito próximo, o grande pintor peruano Fernando de Szyszlo, recordava que em janeiro de 1979, ao chegar ao lugar onde velavam o corpo de seu pai, Mario apenas ficou alguns segundos diante do homem estendido no caixão e sem dizer uma palavra apressou-se em sair. A literatura tem sido o meio através do qual Vargas Llosa pode enfrentar essa ferida de jovem, vinculada em mais de um sentido, tal como o da ferida original de seu país.

“Quando se acabou o Peru?” O criador de Conversa no catedral respondeu à sua própria pergunta trinta e seis anos mais tarde: “O Peru é o país que se acaba todos os dias” (El País, 23 de janeiro de 2005). Se houvesse perguntado o porquê, a resposta remeteria seguramente ao Descobrimento, que transcorreu e findou, como se sabe, sob o signo da brutalidade. O assassinato de Atahualpa e a degola pública de Túpac Amaru marcaram seu destino de país errante. Por um lado, no litoral, assentaram-se os espanhóis, mais tarde os negros e finalmente os chineses. A capital desse país foi Lima. Por outro lado, na serra e no frio das grandes altitudes andinas, permaneceram os índios. Sua capital mítica continuou sendo Cuzco. Peru não é a única nação da América Latina que contém dentro de si vários países, mas os países do Peru não conviveram em relativa fusão mestiça, característica por exemplo do México, mas “na desconfiança e ignorância recíprocas, no ressentimento e prejuízo, num torvelinho de violências. De violências, no plural” (Peixe na água, 1993)*. Essas violências são ecos da violência das origens. Peru, o lugar mítico do Éden, nasceu para a história ocidental como produto de uma ruptura.

Essa ruptura tem perdurado, com diversa intensidade, através dos séculos. Sob uma superfície de rivalidades políticas, ideológicas, profissionais, pessoais, flui no Peru uma corrente tumultuosa de pulsões e paixões sociais e raciais, um “eu recôndito e cego pela razão, [que] se alimenta com o leite materno e começa a formar-se desde os primeiros vagidos e balbucios do peruano” (Peixe na água). Esse é o país de Mario Vargas Llosa, do qual o escritor gosta e abomina, o que muitas vezes prometeu abandonar e esquecer mas que o tem presente na sua vida sempre: “Tem sido para mim, que vive como um expatriado, um motivo constante de mortificação. Não posso livrar-me dele: quando não exaspera me entristece e, às vezes, as duas coisas de uma só vez”. Não conseguiu livrar-se dele mas quis libertá-lo – e libertar-se – nas páginas de seus primeiros livros; de maneira fugaz, na ação política; e finalmente na admirável convergência entre sua obra literária – vastíssima, constante, variada e de uma qualidade sustentável – e seu compromisso público pela democracia e a liberdade.

O ditador de origem

Aquele rio turbulento de paixões tocou Mario Vargas Llosa logo de imediato. Também sua vida passou do Éden à errância. O mesmo se referiu aos feitos em entrevistas e textos ocasionais e, com todo detalhe, em sua autobiografia Peixe na água. Nasceu em 1936, em Arequipa, cidade situada ao sul do Peru, num vale dos Andes célebre por seu espírito clerical e revoltoso. Sua mãe, Dorita, tinha dezenove anos quando numa visita a Tacna conheceu Ernesto J. Vargas, um modesto encarregado da estação de rádio de Panagra (Pan American-Grace Airways), dez anos mais velho que ela. “Minha mãe caiu-se apaixonado por ele desde esse instante e para sempre”. De volta a Arequipa, onde vivia com sua família, deu início uma correspondência amorosa e intensa com Ernesto que findou no casamento em 1935, um ano depois de se conhecerem.

Depois de casados, Dorita e Ernesto mudaram-se para Lima. Desde o início ele manifestou-se como sujeito de caráter tirânico: ela foi “submetida a um regime carcerário, proibida de visitar os amigos e, principalmente, os parentes”. As violentas cenas de ciúmes não eram um problema maior. Ernesto era presa do mal que “envenena a vida dos peruanos: o ressentimento e os complexos sociais” (Peixe na água). Apesar de sua pele branca, olhos claros e homem se sentia socialmente inferior à sua mulher. Não se tratava, ou não era unicamente, de uma questão racial. De alguma maneira, a família de Dorita chegou a representar para Ernesto, “o que nunca teve, o que sua família perdeu”, e por isso concebeu essa família com uma terrível censura que se traduzia na violência contra sua companheira. Essa apreensão social tinha pouca sustentação: a família Llosa em Arequipa, se muito gozava de respeito, estava longe de ser aristocrática. Pouco depois de casar-se, Dorita apareceu grávida. Um dia, como a coisa mais normal, Ernesto lhe disse que se mudasse para sua família em Arequipa, onde transcorreria melhor sua gravidez. “Nunca mais a procurou, nem lhe escreveu, nem deu sinais de vida”. Mario nasceu quatro meses depois. Através de uns parentes fizeram contato com Ernesto, em Lima. Sua reação de canalha foi a de pedir o divórcio. Marcada pela vergonha, em 1937, a família se mudou para a cidade próxima de Cochabamba, na Bolívia, onde o avô se dedicou a plantar algodão e foi cônsul honorário do Peru.

Vargas Llosa com sua mãe

A infância de Mario transcorreu envolta pelo amor e os mimos dos Llosa. Seu pai, segundo fizeram crer, havia morrido, e por isso ao deitar-se beijava sua fotografia “dando boa noite a mi papacito que está no céu”. Na Bolívia, escreveu seus primeiros versos infantis dos quais a família se orgulhava. O avô Pedro – “cuja lembrança só me vem quando me sinto muito desacreditado na espécie e inclinado a acreditar que a humanidade é, no fim de contas, um bom desperdício” – o ensinou a memorizar poemas de Rubén Darío. Sua mãe, ainda apaixonada por Ernesto, negou-se a casar novamente.

Era 1945, quando seu tio, o advogado José Luis Bustamante y Rivero, embaixador do Peru na Bolívia, foi eleito presidente da república. Vargas Llosa o teria sempre como um exemplo de decência e heroísmo cívico: “A admiração que teve de criança por esse senhor de gravata borboleta [...] seguiu tendo, pois Bustamante [...] saiu do poder mais pobre que entrou, foi tolerante com seus adversários e severo com seus partidários [...] e respeitou as leis até o extremo de seu suicídio político”. O avô Pedro foi nomeado prefeito de Piura, o que significou o regresso da família à pátria natal. Durante a mudança para essa cidade, pela primeira vez, conheceu o mar. Em Piura, Mario completou dez anos ao lado de sua mãe de seu avô.

Esse mundo de harmonia caiu em tristeza na manhã em que Dorita lhe disse que seu pai não estava morto. Ele tinha sido até esse dia, “o mais importante de todos os que havia vivido até então e de todos que viveriam depois”. Sua mãe havia se encontrado com ele, por acaso, numa viagem a Lima. “Vê-lo um instante bastou para que aqueles cinco meses e meio de pesadelo de seu casamento e os dez anos de silêncio de Ernesto J. Vargas se apagassem da memória”. Marcaram um encontro. Dorita apresentou seu pai; sentaram-no no banco de trás do carro e foram para Lima. Vargas Llosa recordaria sempre o modelo do carro (um Ford azul) e até o quilômetro da estrada onde transcorreram os feitos. “Está ficando noite, vão preocupar os avós”, chegou a dizer. “O filho vive com os pais”, respondeu o personagem que, num romance de terror, havia caído do céu. Ao conhecê-lo foi tomado por sentimento de cansaço. O pesadelo apenas começava.

Numa brumosa Lima conheceu pela primeira vez a solidão. Nesses primeiros meses sinistros de 1947 seu consolo libertador foi a leitura. Ernesto odiava a família materna de Mario e “quando, fora de si com sua própria raiva, lançava-se às vezes contra minha mãe, a batê-la; eu queria morrer de verdade, porque talvez a morte me parecia preferível ao medo que sentia. De vez em quando também me pegava”. Junto ao terror que desde então inspirou seu pai, surgiu outro sentimento: o ódio, “a palavra é dura e assim me pareceu também então”. O ditador familiar proibiu Mario de visitar sua família e o aterrorizava profundamente com o que o menino ouvia na missa (o que aproximou Mario, para contradizê-lo, da religião). E a situação só piorou.

“Quando me pegava [...] o terror me fazia muitas vezes humilhar-me ante ele e lhe pedir perdão de mãos juntas. Mas isso não o acalmava. E seguia me batendo, gritando e ameaçando-me entregar para o exército”. O pavor era tanto que Mario, ao pressentir sua chegada, escondia-se na cama fingindo-se dormir para não vê-lo.

Em várias ocasiões, entre 1947 e 1949, mãe e filho tentaram escapar do inferno. Uma e outra vez Ernesto os enganou para que voltassem para casa, onde, depois de alguns dias de aparente calma, continuava o suplício. Uma tarde, seu pai levou-o para um passeio de carro. Numa esquina esperou para buscar dois meninos – “são teus irmãos”, lhe disse. Eram filhos de uma estadunidense que conheceu no tempo que durou sua separação com Dorita e da qual também havia se separado. Dessas fugas frustradas, resultou finalmente, algo de bom. Seu pai consentiu que Mario passasse os fins de semana com seus tios e seus primos, que viviam no bairro de Miraflores. Assim transcorreu sua adolescência: foi a bailes, saiu com meninas, foi ao cinema com os meninos de seu bairro e terminaram esses por se se converter em sua segunda família.

No final de 1948 veio o golpe militar encabeçado pelo general Manuel Odría que derrubou o governo democrático de Bustamante y Rivero, dando início ao “Ochenio de Odría”. O tio José Luis partiu para o exílio e o pai festejou o golpe como uma vitória pessoal. Esse mesmo ano outro acontecimento, desta vez de índole espiritual, sacudiu Mario. O último dia de aula no Colégio La Salle, um de seus professores – “irmãos” – quis abusá-lo sexualmente. Mario conseguiu escapar, mas o feito foi o suficiente para esquecer definitivamente da religião.

Vargas Llosa nos tempos do Colégio Militar Leoncio Prado


Sua primeira porta ativa à liberdade foi a poesia. Praticava, mesmo contra os mandos do pai que associava a poesia com “viadagem”. Para afastá-lo da literatura, para “fazê-lo homem”, Ernesto o internou no Colégio Miliar Leoncio Prado em Callao – era 1950, antes de completar os catorze anos – com um efeito paradoxal: “preso entre essas grades corroídas pela umidade de La Perla, nesses dias e noites grises, de tristíssima neblina, li e escrevi como nunca havia feito antes e comecei a ser (embora ainda não soubesse) um escritor”.

Letras e militância

Permaneceu dois anos em Leoncio Prado. Era um microcosmo da sociedade peruana em cujo seio conviviam e pelejavam cholos, brancos, índios, serranos e costenhos, ricos e pobres. Para ganhar umas moedas – já que desde os doze anos havia deixado de receber dinheiro de seu pai – escrevia contos pornográficos, e com o que ganhava frequentava sebos e adquiria livros diversos, entre eles os de Victor Hugo e Alexandre Dumas. Dessas leituras nasceu, segundo afirmaria depois, “essa ansiedade por saber francês e por ir viver um dia na França”. Em 1952, durante as férias de verão, por intermédio de seu pai, trabalhou alguns meses em La crónica. Este cedo ingresso à vida de trabalho foi talvez a única influência benigna que aquele homem obscuro cuja única virtude visível, contemplada por Mario à distância, era haver sido um self made man. Seu filho, um precipitado da vida, um adulto prematuro, também seria o mesmo.

Depois de concluir seu segundo ano em Leoncio Prado, propositalmente, Mario esqueceu de inscrever-se no próximo curso. Vencido o prazo de inscrição, nenhuma escola em Lima o aceitaria mais como estudante. Graças aos contatos de seu tio Lucho conseguiu que a escola San Miguel de Piura o recebesse. Esse ano em Piura, longe do colégio militar e da opressiva tutela do pai, é essencial para o desenvolvimento de seu trabalho como jornalista e como escritor. Piura é o primeiro cenário de liberação através da literatura. Ali trabalha como jornalista em La Industria e alcança seu primeiro êxito: estrear sua obra La huida del Inca (A fuga do Inca).

Em Piura estreitou a relação com o singular Lucho, graças ao qual deu à sua incipiente vocação literária uma nova dimensão social. O tio o levou a conhecer o socialismo, o comunismo, o aprismo, o fascismo e o urrismo (“afiliados ou simpatizantes do Partido União Revolucionária, fundado pelo general Sánchez Cerro e por Luis A. Flores, um dos contados entusiastas do fascismo que teve o Peru, Historia secreta de una novela, 1971). Junto ao tio tomou consciência de que “o Peru era um país de contrastes ferozes, de milhões de pessoas pobres” e pela primeira vez concebeu “um sentimento muito vivo de aquela injustiça devia mudar e que essa mudança passava por isso que a esquerda, o socialismo, chamava de revolução”. Foi então quando, para frustração da família – que sonhava vê-lo ingressar na Universidade Católica de Lima – decidiu estudar Direito e Letras na universidade pública de São Marcos, onde seguramente poderia entrar em contato com os revolucionários e tornar-se um deles. Depois de um ano Piura regressa a Lima. Havia vivido muitas vidas, mas tem ainda só dezessete anos.

Vargas Llosa, 1964.

Essas vidas estão presentes em seus primeiros contos e romances. Um dos talentos maiores de Mario Vargas Llosa como escritor foi o de transmutar precisamente suas recordações em literatura. Assim aconteceu nas páginas de A cidade e os cachorros, onde recriou sua experiência estudantil entre os militares de Leoncio Prado. Em A casa verde, que reflete aspectos da “selvática” vida prostíbula de Piura. E em Conversa no catedral, seu romance favorito, onde recriou a vida boêmia e sua aprendizagem como jornalista em La crónica e outros jornais e meios de comunicação (trabalhou também no rádio).

Nesses anos começa a frequentar a obra de outros autores fundamentais: André Malraux e, sobretudo Jean-Paul Sartre. Tão importante foi a descoberta deste último (como livro como Que é a literatura?) que se ganhou o apelido de “El sartrecillo valiente”. A ideia-chave que o atraiu era a do compromisso do escritor:

Comprometermo-nos como escritores [...] queria dizer assumir, ante todos, a convicção de que escrevendo não só materializamos uma vocação, através da qual realizamos nossos mais íntimos desejos, uma predisposição anímica espiritual que estava em nós, mas é por meio dela que também exercitamos nossas obrigações de cidadãos e, de alguma maneira, participamos nessa empresa maravilhosa e exaltante de resolver os problemas, de melhorar o mundo. [Literatura y política, 2001].

Junto ao jornalismo, a boemia, a academia e a literatura, a política irrompeu em sua vida. Na universidade se incorporou a um grupo comunista:

Havíamos feito o ansiado contato. Nos pátios de São Marcos, alguém havia nos aproximado, averiguado e, como quem não quer a coisa, perguntado, o que pensávamos [...] Não havia passado um mês desde que entramos na universidade e já estávamos num círculo de estudos, a primeira etapa que deviam seguir os militantes de Cahuide, nome com o qual tratava de reconstruir-se na clandestinidade o Partido Comunista.

Sua militância resultou bastante inofensiva. Reuniões secretas, estudos do marxismo, impressão de panfletos, agitação contra os militantes do PARA (Aliança Popular Revolucionária Americana, movimento fundado por Víctor Raúl Haya da Torre no México, em 1924). Viam-se como inimigos da ditadura de Odría e simpatizantes da revolução e do marxismo. “Estive em pelo menos quatro círculos e, no seguinte, cheguei a ser instrutor e organizador de um deles”. Adotou o nome de combate de “Camarada Alberto”, estudou textos canônicos (e alguns desvios heréticos) e participou na grave dos trabalhadores (que deu o tema de “Os chefes”, incluído mais tarde num livro de mesmo título). Nessas atmosferas sectárias o estalinismo exercia um domínio ideológico absoluto:

Foi isto, em parte, o que me afastou de Cahuida. Quando deixei de dar assistência à minha célula, era junho ou julho de 1954, há algum tempo me sentia enfadado pela inação do que fazíamos. Não acreditava já numa palavra de nossas análises classistas, e nossas interpretações materialistas que, ainda que meus camaradas não as fizesse de maneira taxativa, me pareciam pueris, um catecismo de estereótipos e abstrações.

Na literatura prevalecia o realismo socialista, coisa que fartou ainda mais o “Camarada Alberto”. Enfastiava-o a leitura de livros como Así se templo el acero, que emocionavam seus camaradas. Preferia obras como Os alimentos terrestres, de Gide. Esses gostos fizeram que alguém o dissesse: “Tu és um sub-homem”.

O certo é que seu entusiasmo político daqueles dias era, segundo ele mesmo confessou, bastante maior que sua coerência ideológica. Talvez por isso, quando caiu a Ditadura e a Democracia Cristiana se constituiu como partido (janeiro de 1956), Mario não duvidou em afiliar-se ao grupo e ainda escrever discursos para Fernando Belaúnde Terry, candidato à presidência. Sua paixão política estava construída a partir de leituras ecléticas e admirações pessoais: o mesmo venerava o revolucionário Sartre e o republicano Bustamante y Rivero.  Como combinava suas convicções de esquerda com essa súbita adesão democristiana? Ele mesmo não sabia explicar, mas aquela decisão previa outras, muito significativas, que o aguardavam no futuro: em seu foro interno, a luta concreta contra a ditadura pesou mais que o apego abstrato que mantinha pela revolução. 

Com Julia Urquidi


A mais novelesca de suas rebeldias foi seu intempestivo casamento com Julia Urquidi, em 1955. Mario tinha então dezenove anos. Aquele rapto amoroso, foi um ato inverso e compensatório ao de sua mãe com seu pai? Em todo caso, foi uma libertadora transgressão. E ocorreu, do efeito, em pessoa, de sua tia política por parte de mãe, dez anos mais velha que ele, da qual “Marito” se apaixonou e com quem se casou às escondidas. Ernesto J. Vargas reagiu como um “cão raivoso” e Julia se refugiou por um tempo na Bolívia.

Durante esse tempo, longe dos estudos, Mario publicava seus primeiros contos e trabalhava sem descanso. Escreveu para as revistas Turismo e Cultura peruana e no suplemento cultural do El comercio. Fazia depois de abandonar os estudos em Direito mas não o das Letras em São marcos. Em Lima suportou “trabalhos por comida”, às vezes cansativos (como o de caixa do Banco Popular, registrador de tumbas num cemitério) e às vezes formativos. Teve a sorte de colaborar com o importante historiador Raúl Porras Barrenechea. Ao seu lado estudou a história peruana desde o início, tanto nos métodos (anotações, resumos, leituras) como nos temas (crônicas, lendas, mitos, textos clássicos, comentários). Foi uma aprendizagem de grande valor no rigor e na sabedoria. Em 1958 pode cumprir seu sonho: seu conto “O desafio” ganhou o curso da Revue Française graças ao qual viajou a Paris. No retorno, concluiu o curso em Letras com a tese Bases para uma interpretação de Rubén Darío.

Como leitor e autor passou da poesia ao teatro, ao conto e ao romance. Escreveu e estreou uma obra de teatro, publicou em várias revistas e suplementos culturais, construiu diversas e genuínas amizades literárias: Carlos Ney, Sebastián Salazar Bondy, Félix Arias, Alejandro Romualdo, Luis Loayza. Ainda que tenha começado a desdenhar o “formalismo” de Borges não tardou admirá-lo. Com Malraux sentiu um deslumbramento e com Sartre uma espécie de conversão à ética do “compromisso”. Mas foi Faulkner quem revelou o mistério maior da forma: “a serpentina linguagem, o deslocamento da cronologia, o mistério e a profundidade ante às inquietantes ambiguidades e sutilezas psicológicas que essa forma dava às histórias”.

Casado, estudava e trabalhava sem descanso, e, sobretudo, escrevia. Da Espanha chegou a notícia de que seu primeiro livro de contos – Os chefes – havia obtido o Prêmio Leopoldo Alas. Viveria em Paris até 1965 trabalhando como professor de espanhol na Escola Berlitz, como jornalista na Agência France Press e na Radiodifusão-Televisão Francesa. Um novo mundo se abria ante ele e sua companheira: em Paris se entregaria à escrita.

Notas:
* As traduções não correspondem as da edição brasileira publicada em 1994 pela Companhia das Letras; são livres, a partir da edição em espanhol.   

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